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A incrível história do homem que deu prejuízo de US$ 1 bi a Wall Street sentado em seu quarto

15/02/2020 18h59

O ex-operador da Bolsa Navinder Sarao foi condenado a um ano de prisão domiciliar por ajudar a causar um colapso retumbante de US$ 1 bilhão (R$ 4,28 bilhões) no mercado de ações.

Apelidado de "Cão de caça de Hounslow", em uma referência irônica ao famoso golpista do filme "O Lobo de Wall Street", o britânico recebeu a clemência de um juiz em Chicago, Estados Unidos, devido às circunstâncias extraordinárias de seu caso.

Mas quem é ele e como ele causou a queda em preços de ações a mais de 6.000 km de distância?

Aos 42 anos, Navinder Sarao é um operador autodidata da Bolsa que contribuiu para causar pânico nos mercados americanos em 2010, a partir de um quarto na casa de seus pais em Londres.

Ele foi preso em 2015 por sua participação em um "colapso repentino" da Bolsa. Nesse caso, a "quebra" durou menos de uma hora, eliminando quase US$ 1 bilhão (R$ 4,28 bilhões) em valor de mercado antes da recuperação dos mercados.

Sarao passou quatro meses na prisão em Wandsworth, no Reino Unido, antes de ser extraditado para os Estados Unidos. De maneira incomum, ele foi autorizado a retornar ao seu país antes da sentença, onde ajuda as autoridades a capturar outros golpistas.

Extremamente inteligente, Sarao tem síndrome de Asperger (um transtorno do espectro do autismo), condição que, segundo seus advogados, o levou a ver sua intervenção nos mercados como se estivesse "ganhando um jogo de videogame".

Apesar de seu apelido cinematográfico, a verdade é que sua vida não poderia ter sido mais diferente do que a do protagonista de "O Lobo de Wall Street", interpretado por Leonardo DiCaprio no filme de 2013.

Ele não fez compras ostensivas e acabou perdendo uma grande quantia de dinheiro para investidores fraudulentos.

Como ganhar US$ 40 milhões sem sair do quarto?

Sarao fez parte de sua fortuna ao manipular artificialmente o mercado de ações para ganhar dinheiro.

Para isso, ele usou um software especialmente adaptado para operar remotamente no Chicago Mercantile Index. Ele comprou e vendeu contratos que especulavam sobre o valor das principais empresas americanas.

Nesse índice de ações, cada vez que uma ordem de compra ou venda era feita, os "operadores de alta frequência" (muitos deles não humanos, mas computadores que executavam algoritmos) tentavam fazer suas próprias transações de milissegundos antes que essas ordens pudessem ser executadas.

Dessa forma, eles poderiam ser os primeiros a ganhar dinheiro com as mudanças do mercado.

Sarao percebeu que todos os operadores de alta frequência usavam um software semelhante, fazendo o mercado se mover na mesma direção, como se fosse um rebanho de ovelhas.

Seu software se aproveitou disso colocando milhares de pedidos antes de cancelá-los ou alterá-los rapidamente, depois de ter criado uma demanda artificial para que outros comprassem ou vendessem esse ativo.

Essa prática, conhecida como "falsificação" (referindo-se à criação da ilusão de uma tendência), permitiu que ele fizesse pedidos reais de compra ou venda com fins lucrativos, à medida que o preço subia ou descia rapidamente.

Ao fingir uma tendência, fez o mercado se mover em uma direção, apenas para fazer o "cão de caça" desaparecer, mordiscar a parte de trás do pacote e obter um lucro rápido, deixando os operadores de alta frequência sem nada.

Em 2016, Sarao concordou em pagar ao governo americano US$ 12,8 milhões (R$ 54,4 milhões), valor que os promotores afirmam que ele teria ganho como resultado de suas operações ilegais.

No total, acredita-se que ele tenha lucrado aproximadamente US$ 40 milhões (R$ 170 milhões) em cinco anos.

Qual foi sua sentença?

Sarao foi declarado culpado de uma acusação por fraude eletrônica e "spoofing" —quando uma pessoa ou programa se identifica como outro para obter vantagem ilegal.

Inicialmente, ele enfrentou 22 acusações, que culminaram em uma sentença máxima de 380 anos.

Mas os promotores finalmente decidiram não buscar uma sentença de prisão, pois Sarao não gastou dinheiro com luxos e rapidamente perdeu seus ganhos com fraudes das quais foi vítima.

Eles também levaram em conta seu autismo, o tempo que ele já havia passado na prisão e sua colaboração com o governo por vários anos.

Quão comum é esse tipo de crime?

A maioria dos países, incluindo o Reino Unido, não classifica o "spoofing" —uma atividade bastante comum- como crime.

A prática só é considerada ilegal nos EUA desde 2010, e o primeiro processo de sucesso em razão dela foi movido contra o comerciante americano Michael Coscia em 2013.

Coscia foi condenado a três anos de prisão por manipular mercados futuros usando um programa de computador especialmente projetado para esse fim, que lhe permitiu obter ganhos estimados em US$ 1,6 milhão (R$ 6,8 milhões).

Mais recentemente, os bancos UBS, Deutsche Bank e HSBC pagaram coletivamente US$ 46,6 milhões (R$ 198 milhões) aos órgãos reguladores dos Estados Unidos para chegar a um acordo contra queixas de "spoofing".

Esses casos expõem a linha por vezes tênue entre manipulação legal e ilegal de mercado.

Afinal, o trabalho de um corretor da Bolsa é explorar os preços errados nos mercados. É assim que eles ganham dinheiro.

Além disso, a negociação algorítmica em si não é ilegal: é uma prática cada vez mais comum nos mercados quando você faz um grande volume de apostas, pois permite que você se mova mais rápido que um humano.

(Adaptação de um artigo escrito pelos repórteres de negócios da BBC Andy Verity e Eleanor Lawrie).