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'O rico vai ter que ajudar o pobre' para proteger empregos na crise do coronavírus, diz dono da TNG

"As pequenas e médias empresas, comparando ao corona, estão sem imunidade", afirma Tito Bessa - Divulgação
'As pequenas e médias empresas, comparando ao corona, estão sem imunidade', afirma Tito Bessa Imagem: Divulgação

24/03/2020 16h42

Para o dono da rede de lojas TNG e presidente da Associação Brasileira dos Lojistas Satélites (Ablos), Tito Bessa Junior, de 62 anos, chegou a hora de os mais ricos protegerem os mais pobres diante dos efeitos recessivos da pandemia do coronavírus no Brasil.

Isso valerá, também, para o universo dos pequenos e médios empresários de shoppings, que, na estimativa de Bessa, respondem por uma cadeia produtiva que emprega entre 4 e 5 milhões de pessoas, entre vendedores e fornecedores, que podem ficar sem salários já a partir de maio.

"Eu preciso pagar meu funcionário, eu preciso pagar o meu fornecedor para que ele pague o funcionário dele", diz.

Para garantir o salário dos funcionários e a sobrevivência das empresas em um momento em que muitas ainda se recuperavam da recessão de 2014 e começavam a voltar a ter crédito, o empresário diz que o coronavírus alcançou o Brasil em um momento de fôlego curto para continuar a funcionar sem receita, enquanto os shoppings permanecerem fechados ou vazios.

"É igual um carro acabando a gasolina: pegou todo mundo com a gasolina na reserva, ninguém estava de tanque cheio ou meio tanque. As empresas não têm reservas para fazer a folha de pagamento", alerta.

"Nunca a parábola do Robin Hood foi tão verdadeira: o rico vai ter que ajudar o pobre", diz Bessa, que atua há 36 anos no mercado de varejo.

"O governo vai ter que ajudar, os bancos vão ter que ajudar, os locatários vão ter que ajudar. No caso dos locatários [das lojas de shopping] eles vão ter que fazer isso, os que locam esses espaços para a gente. Vamos ficar 45 dias sem vender nada, absolutamente nada, imagina", diz.

Em uma live realizada com outros empresários no domingo, o presidente da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, previu a possibilidade de que o desemprego atinja mais de 40 milhões de brasileiros em decorrência da pandemia.

"As pequenas e médias empresas, que, comparando ao corona, estão sem imunidade. Então elas vão morrer, precisamos de um respirador. Qual vai ser o respirador que o governo vai nos dar?", questiona Bessa.

Leia os principais trechos da entrevista:

BBC News Brasil - Uma das principais preocupações em relação ao coronavírus é o impacto na economia. Recentemente, em uma live no domingo, a corretora XP previu um número de 40 milhões de desempregados em função da crise.

Tito Bessa Junior - Eu participei dessa live.

BBC News Brasil - Como o senhor vê o momento atual para a economia? Como os lojistas estão reagindo?

Bessa - Se tornou um desespero total no começo, porque ninguém nunca viveu isso. Ninguém que está vivo viveu a gripe espanhola, em 1918. Então ficou uma verdadeira loucura, ninguém sabia o que fazer, para onde ir, o que paga, o que não paga.

Os dias foram se passando e agora qual é a nossa preocupação? É preservar os empregos, essa é a primeira. Porque sem preservação de emprego não tem economia. Não tem consumo, não tem nada.

Agora, de que forma vamos preservar o emprego se a grande maioria dessas empresas - eu posso afirmar para você que 98% dessas empresas - elas têm caixa para fazer, "malemá", a primeira folha de pagamento, sem pagar os impostos.

BBC News Brasil - As empresas têm reservas de fôlego curto?

Bessa - O fôlego é muito curto. Vende hoje para pagar amanhã, está saindo de uma crise de 2014, uma crise severa, em que os bancos mais retraíram o crédito. E depois, no momento em que eles estavam novamente abrindo um pouco de crédito pra gente retomar o nosso crescimento, vem isso.

É igual um carro acabando a gasolina: pegou todo mundo com a gasolina na reserva, ninguém estava de tanque cheio ou meio tanque. As empresas não têm reservas para fazer a folha de pagamento.

BBC News Brasil - Quantas pessoas as empresas associadas à Ablos empregam?

Bessa - O mercado de shopping centers emprega diretamente 1,1 milhão e indiretamente entre 4 e 5 milhões de pessoas. Ele detém uma parcela significativa da população trabalhadora.

A cada um que você emprega tem outros três ou quatro: tem o fornecedor de software, o cara que faz a manutenção da sua loja, o escritório de contabilidade que faz a sua contabilidade.

BBC News Brasil - Mas como resolver? As evidências mostram que os países que conseguiram controlar o avanço do coronavírus, foi por meio do isolamento social. O senhor enxerga alguma solução?

Bessa - Para nós preservarmos emprego, vamos precisar de recursos. Ou seja, é aquela coisa do Robin Hood. Nunca a parábola do Robin Hood foi tão verdadeira, o rico ajudando o pobre. Eu não sei quanto rico tem, mas com certeza tem muito mais pobre do que rico.

Chegou a hora: o governo vai ter que ajudar, os bancos vão ter que ajudar, os locadores vão ter que ajudar. No caso dos locadores eles vão ter que fazer isso, os que locam esses espaços para a gente, vamos ficar 45 dias sem vender nada, absolutamente nada, imagina.

Quando eu participei dessa live com o presidente da Caixa (ele) dizia "nós temos R$ 5 bilhões". Mas cadê os R$ 5 bilhões, ele vai emprestar para quem? Qual vai ser a dinâmica? Vamos apresentar a folha de pagamento lá, sem impostos, e ele vai depositar na conta de cada funcionário nosso?

O que eu percebo é que os países lá fora, as medidas que estão sendo tomadas, em todas elas o governo está dando dinheiro para as empresas pagarem o funcionário. Então eu preciso pagar meu funcionário, eu preciso pagar o meu fornecedor para que ele pague o funcionário dele.

BBC News Brasil - É uma cadeia de pequenas e médias empresas.

Bessa - Só tem pequeno e médio. E é 80% de pequeno. Então, como ele vai fazer? Como esse dinheiro vai chegar a nós? Então quando eu ouço que a Casas Bahia vai fechar mil lojas porque eles têm caixa suficiente para pagar todo mundo e aguentar mais dois, três meses, sei lá. Vou bater palma, põe a bandeira do Brasil na Casas Bahia. Só que eles têm dinheiro, nós não temos, entendeu? Outro dia eu vi: Renner vai pedir dinheiro aos bancos para reforçar o caixa. Eles têm R$ 500 milhões no caixa, ele vai pedir mais dinheiro? É uma ofensa.

BBC News Brasil - Tem estudos que mostram que, sempre depois de recessões, o governo adotou medidas "pró-rico", que beneficiavam o segmento mais rico da população. O que o senhor defende é uma saída diferente?

Bessa - Pró-pobre. Veja, o plano que o presidente da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, falou ontem, era que precisava de um Plano Marshall. Nem eu sabia o que era o Plano Marshall. Na hora em que acabou a live eu fui buscar no Google o que era o Plano Marshall. O que que foi? Os EUA, depois da Segunda Guerra, jogou na economia bilhões de dólares, só que 85% desse dinheiro era a fundo perdido, para que as pessoas pudessem se reconstruir.

Quando eu olho aquele vídeo do (Roberto) Justus que viralizou hoje, ele diz que as estatísticas mostram que, se não tomar cuidado, vai morrer muito mais gente do coração do que do corona. É verdade: vai morrer de fome, vai morrer de depressão, vai morrer de tudo isso.

Como precisa fazer agora? Se o BNDES soltou uma linha, ela precisa chegar no pequeno e no médio. Como é que vai fazer isso? Eu só vou dar dinheiro se você me der garantia? Qual garantia? A gente já deu tudo o que tinha, só se for os braços, as mãos, os pés. Não tem mais o que dar de garantia.

BBC News Brasil - Seria mais um socorro, não uma linha de financiamento?

Bessa - Que seja um financiamento, mas já sabendo que pode ser que esse financiamento não seja cumprido. Mas as empresas agora precisam pagar minimamente seus funcionários para que eles possam comer, para que eles possam ficar em casa. E aí a gente vai esperar.

Porque quando essa economia voltar, você concorda que ela vai voltar debilitada? Ninguém vai voltar para o shopping comprando o que deixou de comprar em abril, em maio? Ninguém vai fazer isso. Então já estamos prevendo uma queda de no mínimo, numa previsão muito otimista, de 40% no consumo.

O consumo vai retrair porque as pessoas ainda vão estar com medo. Será que vou perder meu emprego, será que não? O ano está perdido. O consumo não volta para o que era antes, não volta.

Vamos ficar em uma faixa de perda para os últimos meses, para ser muito otimista, se parar em 30%, para ser bem otimista, de 20% no final do ano. Mas a retomada é quase que a metade. Vamos voltar para 60% do que era.

BBC News Brasil - O senhor vê o risco de que, quando isso passar, muitas empresas tenham fechado?

Bessa - Eu vou dar um dado. Na crise de 2014, 2015, fecharam ao longo dos dois anos 120 mil pequenos negócios. Agora você imagina as pequenas e médias empresas, que, comparando ao corona, estão sem imunidade. Então elas vão morrer, precisamos de um respirador. Qual vai ser o respirador que o governo vai nos dar? Vamos depositar o salário do funcionário, vamos te dar dinheiro para pagar 20% do que você deve. Vamos ter que flexibilizar o dinheiro a chegar nas empresas, sem haver oportunismo, sem haver o pró-rico.

Sem dar dinheiro para o cara sair comprando empresa no exterior, ou comprando todo mundo que quebrar, sem concentração. Os grandes, capitalizados, que fizeram sua capitalização, tudo bem, parabéns, eles não precisam, eles aguentam. Quem precisa é aquele pequeno: é a padaria, o sorveteiro, é quem tem dez lojas, cinco lojas, cinquenta loja.

Esses caras precisam de dinheiro, porque a gente já vem debilitado. A gente já estava sarando. Fazendo um paralelo com uma doença, a gente estava saindo da UTI. Estava no quarto para ir embora para casa. E a doença te pegou de novo, voltou todo mundo para a UTI.

BBC News Brasil - Ontem o presidente Bolsonaro divulgou uma MP que permitia suspender salários por 4 meses, mas repercutiu tão mal que voltou atrás. Existe a preocupação com os mais pobres durante essa crise. O que o senhor achou dessa MP? E como vê essa questão social, dos mais pobres?

Bessa - A questão social é total, porque se não tivermos a questão social não temos nossas empresas, não temos o consumo. Se a gente suspende sem precisar pagar, como eles vão viver quatro meses? Vão comer o quê? Ele vai morrer, certo? Se não regou a planta? Precisa dar um pouquinho d'água, não vai dar um litro, mas meio litro. É alguma coisa, quando ele editou a medida, não sei se avaliou isso. Que adianta manter a empresa viva e o seu funcionário morto? Meu funcionário, eu quero ele vivo.

BBC News Brasil - Então esse desenho da MP não é algo defendido por vocês?

Bessa - Não, não. Nós estamos buscando recursos para pagar os nossos colaboradores. Estamos buscando uma forma de pagar os nossos colaboradores. Se a BBC chegar para você e falar olha, eu vou pagar metade do seu salário nos próximos 60 dias, tá bom, você vai se apertar, mas é melhor que falar: Ligia, é zero. Então todo mundo está disposto a se reeducar, readaptar em uma nova vida. Mas zero? Como o cara vai comer? Não tem jeito.

Estamos preocupados, sim, em que as pessoas tenham minimamente um salário, que não seja o que elas tinham, mas que seja metade. Mas o governo tem que ajudar a gente a pagar, porque ele tirou a nossa fonte de renda. Tudo bem, se o coronavírus ia matar muito, pouco, eu não sei, eu não sou médico. Eu vejo tanta estatística que eu me pergunto: será que a dose da medida era para ser essa? Não sei. Alguns dizem que sim, outros dizem que não.

A gente podia só cancelar eventos, grandes aglomerações, os jogos de futebol, os teatros? Como a gente parou tudo, tudo? A gente podia flexibilizar horário, shoppings funcionam em metade do horário, mas ir a zero, do jeito que foi? E com o pavor. Quando eu vejo esse vídeo do Justus falando, é uma verdade. 80% das pessoas vão ter e não vão nem que saber que tiveram.

BBC News Brasil - Mas o Justus não é médico, a opinião dos médicos é diferente da dele.

Bessa - Então, eu também não sou médico, então de repente eu estou falando uma grande besteira. Na verdade o que eu acho, pela estatística, é que as pessoas que têm a sua imunidade debilitada... fiquei sabendo agora que um amigo muito mais novo que eu, 45 anos, está em uma UTI pelo corona. Porque ele tem imunidade baixíssima, acabou de sair de um problema do coração. Então, realmente, essas pessoas vão precisar de uma ajuda para sobreviver.

BBC News Brasil - Qual o prazo final para que as empresas comecem a sangrar?

Bessa - Já no próximo pagamento, no final desse mês, conseguem "malemá" fazer uma parte do pagamento e já não vai conseguir fazer o segundo. Já não tem caixa. Não tem dinheiro nem para demitir, vai ser um horror total.

Mesmo com eles ajudando, a flexibilização vai ser necessária. Olha, aí o FGTS não precisa ser esse, a penalidade não precisa ser essa, não precisa pagar isso nem aquilo. Vou sugerir aos shoppings que a jornada seja apenas de 8 horas. Na retomada, não vai justificar os shoppings ficarem abertos 12 horas por dia, como é atualmente. Vamos ter que nos adequar ao novo momento da economia.

BBC News Brasil - Alguns empresários têm sido criticados por suas declarações sobre o lockdown. O empresário Junior Durski, dono da rede paranaense de hamburguerias Madero, por exemplo, disse que não se poder parar o Brasil "por conta de 5000 pessoas ou 7000 pessoas que vão morrer". O senhor concorda com essas declarações?

Bessa - Em parte sim, em parte não. Eu acho que a gente tem que evitar ao máximo que morra qualquer pessoa. Só que com o lockdown ou sem o lockdown, vai morrer muita gente, é inevitável. Pelo que eu estou escutando não só deles, mas de médico, tem um vídeo de médico correndo aí. Ele diz que algumas mortes vão ser inevitáveis, pela condição física da pessoa.

Pode ser que seja precipitado falar mas o lockdown é uma coisa assim... eu não sei se o remédio não foi muito mais forte do que a doença necessitava. Por exemplo: eu estou aqui em casa, estou na minha quarentena. Veio o cara aqui e me jogou o jornal pela manhã, com o saquinho. Quem disse que o saquinho não tem o vírus?

BBC News Brasil - O senhor tem, inclusive, que limpar esse saquinho.

Bessa - Você imaginou? Vai virar uma loucura.

BBC News Brasil - Mas a questão das recomendações é que a evolução de casos no Brasil pode ser como a da Coreia do Sul, que usou o isolamento social e conseguiu achatar a curva, ou podemos ser como os EUA e Itália, em que a curva só cresce.

Bessa - Eu não sei, eu ouço os médicos, ouço os empresários falando e... sinceramente? Precisamos encontrar talvez um meio do caminho. O extremo nunca é bom para ninguém. Mas encontra o meio do caminho entre o lockdown total e a abertura total, nenhum dos dois é viável.

Será que não teríamos um meio do caminho para encontrar? Um lockdown parcial? Em que parte da vida continua com algumas prevenções? Essa é a minha linha de pensamento pessoal. Mas aí as autoridades têm que conversar e ver se existe. Eu quero acreditar que vai existir.