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Dia do trabalhador sem estatística de emprego: governo não divulga número de contratações e demissões desde janeiro

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Laís Alegretti - @laisalegretti - Da BBC News Brasil em Londres

01/05/2020 11h11

Quantas pessoas foram demitidas de seus empregos no Brasil nos primeiros meses de 2020? Não sabemos.

A divulgação dos dados oficiais que mostram a quantidade de novas contratações e demissões no país foi suspensa pelo Ministério da Economia. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) referentes aos meses de janeiro a abril ainda não foram divulgados.

É o Caged que mostra o chamado saldo de emprego formal - ou seja, indica se o Brasil criou novos postos de emprego com carteira assinada naquele mês ou se encerrou vagas. A falta desses dados se torna um problema maior, segundo especialistas, diante da crise gerada pelo coronavírus e a necessidade de formular políticas para combatê-la.

O secretário do Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, disse à BBC News Brasil que o governo pretende divulgar em maio os dados do Caged desde o início do ano. Segundo o ministério, foi a falta de prestação de informações pelas empresas, em meio a uma mudança de sistemas, que tornou inviável a publicação dos dados.

Em outros anos, a essa altura, o governo já teria divulgado os dados referentes a janeiro, fevereiro e março. O Caged é divulgado pelo Ministério da Economia (antes, pelo Ministério do Trabalho) mensalmente, sempre em referência às contratações e demissões do mês imediatamente anterior.

Esse dado é importante para guiar políticas públicas de trabalho e emprego e para mostrar ao mercado financeiro e à população quão aquecido está o mercado de trabalho formal, inclusive com divisões por setores, regiões do país e perfil dos trabalhadores.

No Caged, a base de dados é compilada a partir da prestação de informação dos próprios empregadores ao governo. São as empresas que informam ao governo se abriram ou fecharam vagas de trabalho e os dados desse contrato, como o salário de admissão.

O Caged é diferente da Pnad Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é feita por meio de pesquisa domiciliar - portanto, realizada com base em amostras da população - e abrange também o mercado informal. Com a pandemia de coronavírus, no entanto, o IBGE passou a realizar entrevistas por telefone.

O IBGE divulgou na quinta-feira (30/04) que, entre fevereiro e março, o desemprego no país avançou de 11,6% para 12,2%. Apesar de captarem apenas o início da pandemia do novo coronavírus no Brasil, os resultados já trazem sinais preocupantes sobre os efeitos da crise no emprego.

Sem os dados do Caged, no entanto, o economista Bruno Ottoni, pesquisador do IDados e do Ibre/FGV que acompanha de perto as estatísticas do mercado de trabalho, diz que "certamente fica uma percepção deturpada do mercado de trabalho".

Ottoni diz que é "um problema seríssimo" a suspensão da divulgação e afirma que não lembra de ter acontecido um atraso assim em nenhum outro momento. O que agrava o problema, segundo ele, é a crise gerada pelo coronavírus, que exige medidas do governo para conter seus impactos.

"É um problema que se torna ainda mais grave diante da situação que estamos enfrentando agora. É possível que seja uma das maiores crises, talvez, da história do Brasil. E, neste momento, uma das questões que a sociedade como um todo se faz é o que está acontecendo com o mercado de trabalho. Além disso, do ponto de vista do governo, para elaboração de políticas públicas, esse dado é muito importante."

"O atraso das informações seria menos preocupante em um cenário em que não estivéssemos vivendo a crise que estamos vivendo. Independentemente disso, estamos falando de um país inteiro. O próprio Paulo Guedes (ministro da Economia) deveria estar chateado com isso."

demissão, desemprego, desempregados, emprego, carteira de trabalho, CLT, reforma trabalhista -- Demitidos aguardam homologação no sindicato dos comerciários, em São Paulo (SP).  (São Paulo, SP, 17.06.2003. 15h. Foto: Juca Varella / Folhapress. Digital) - Juca Varella/Folhapress - Juca Varella/Folhapress
Imagem: Juca Varella/Folhapress

O economista considera que está faltando informação do governo a respeito desse problema. "O governo deu uma declaração sobre esse assunto em março e nunca mais falou nada. No fundo, ficaram vários questionamentos. Isso vai ser resolvido em algum momento? Isso está relacionado com a crise? Não ter uma previsão preocupa também."

Por que a divulgação foi suspensa?

Em março, o Ministério da Economia divulgou um comunicado que dizia que o governo identificou uma falta de prestação das informações sobre admissões e demissões por parte das empresas, o que inviabilizou a consolidação dos dados do Caged referentes aos meses de janeiro e fevereiro. Na ocasião, disse que, em janeiro, ao menos 17 mil empresas deixaram de prestar informações ao eSocial relativas aos desligamentos realizados, o que representa 2,6% do total de empresas que tiveram movimentações no período.

Nesse momento, o ministério também informou que a pandemia causada pela covid-19 tem dificultado a autorregularização por parte das empresas e não apresentou um prazo para retomada da divulgação do Caged.

"Tão logo a situação voltar à normalidade e as empresas retomarem o envio completo das informações, ocorrerá ampla divulgação das estatísticas dos meses anteriores, como sempre ocorreu", dizia o comunicado.

O eSocial foi instituído por um decreto de 2014 para unificar as informações que as empresas precisam comunicar ao governo relativas aos trabalhadores, como vínculos, contribuições previdenciárias, folha de pagamento, comunicações de acidente de trabalho, aviso prévio, escriturações fiscais e informações sobre o FGTS. Os empresários reclamam da burocracia nos sistemas do governo.

Nos bastidores, técnicos do governo ouvidos pela BBC News Brasil na condição de anonimato disseram que houve um atraso no processo de transição do Caged para o eSocial por falta de interesse de gestores do governo anterior e também do atual. Técnicos do governo chegaram a acreditar que a migração para o eSocial não aconteceria e ficaram desmobilizados com declarações contra o novo sistema.

O secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia, Carlos da Costa, chegou a afirmar que o eSocial é uma ferramenta "socialista" e complexa.

Nesse contexto, segundo os relatos, os prazos ficaram muito apertados para fazer a transição do Caged para o eSocial e chegou até mesmo a ser feito um rascunho de projeto de um "Caged de transição", mas a conclusão foi de que ele sairia caro e não seria de grande utilidade. O resultado foi que o sistema antigo foi descontinuado sem a certeza de que o novo sistema seria uma forma fidedigna de retratar as estatísticas do mercado de trabalho.

Especialista em economia do trabalho, Ottoni diz que o governo deveria ter feito um esforço para se desfazer do sistema antigo somente quando o novo fosse capaz de rodar de forma mais ou menos semelhante ao antigo.

"Parece amadorismo não se preocupar com risco que uma transição como essa normalmente gera. Uma coisa muito simples de fazer e que manteria segurança dos dados seria ter as duas coisas rodando bem."

O secretário do Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, diz que houve uma convivência do Caged e do eSocial por anos, enquanto as empresas eram inseridas no novo sistema. "Mas a realidade é que significava uma burocracia. As empresas precisavam fazer o Caged e o eSocial", disse.

Em entrevista por telefone à BBC News Brasil, Dalcomo disse que a equipe do Ministério da Economia estima que 16% das empresas não estão informando os dados de contratações ou estão informando com incorreções.

"As incorreções em janeiro e fevereiro seriam positivas em termos de geração de emprego. Isso significa que teríamos um resultado inflado, mas como agente público não podemos divulgar base de dado com esse tipo de incorreção."

O secretário diz que a migração de um sistema para outro "aconteceria tranquilamente", com solicitação de ajustes às empresas. "Mas, com a covid, essa linha de comunicação foi rompida."

Os dados serão conhecidos ainda neste mês, segundo ele. "Para fortalecer essa divulgação, montamos um grupo de trabalho com as maiores instituições e pesquisadores do Brasil, incluindo Ipea, IBGE, FGV, Insper. Esse pessoal está trabalhando com a nossa equipe para poder validar de maneira isenta essas verificações para que a gente tenha a base de dados melhor possível para divulgar agora no mês de maio."

O secretário também rebateu as críticas sobre o atraso na divulgação. "Muito se falou que 'o governo não quer divulgar informações', 'o governo está manipulando as informações'. Não tem nada disso. Ao contrário. Estamos preocupados realmente em ter a base de dados correta, e quem tem mais interesse em ter essa base de dados correta somos nós mesmos, na medida em que você só consegue fazer política pública corretamente se você tiver dados."

Dalcomo diz que o governo tem procurado se orientar pelos dados parciais que já coletou e pelos números do seguro desemprego.

"Não significa que seja voo cego. Ao contrário. Estamos monitorando dia a dia dados do seguro desemprego, já que quando as pessoas são demitidas, elas vão a isso. Cruzamos dados do seguro desemprego com os dados do Caged que nós temos."

O governo estima que 200 mil brasileiros têm direito a receber o seguro-desemprego, mas ainda não entraram com o pedido devido ao avanço da pandemia do coronavírus. As agências do Sistema Nacional de Emprego (Sine) de Estados e municípios, onde a maioria dos pedidos eram feitos, estão fechadas em razão da doença. Agora, o governo estimula que os pedidos sejam feitos pela internet ou aplicativo da Carteira de Trabalho Digital.

Um ponto que ainda não está claro para os economistas do mercado é se os dados do Caged a partir de janeiro de 2020 poderão ser comparados com a série histórica anterior, devido à mudança no sistema. Dalcomo disse que "sempre há uma quebra", inclusive porque que o eSocial contempla mais empresas e de maneira mais fidedigna, mas que "isso é algo que os economistas sabem fazer bem".