As dúvidas que pairam sobre entrada de Weintraub nos EUA e cargo no Banco Mundial
"Aviso à tigrada e aos gatos angorás. Estou saindo do Brasil o mais rápido possível (poucos dias). NÃO QUERO BRIGAR! Quero ficar quieto, me deixem em paz, porém, não me provoquem!", postou no Twitter Abraham Weintraub, às 8h58 da manhã da sexta-feira (19), um dia após anunciar que deixaria o comando do Ministério da Educação.
Pouco tempo depois, ele avisava aos 900 mil seguidores que já estava em Miami, nos Estados Unidos.
A retirada relâmpago de Weintraub do país, menos de 48 horas após anunciar que deixava o MEC, na esteira de uma crise política detonada depois que veio a público uma exaltada fala sua em reunião ministerial em que pedia a prisão dos "vagabundos do STF", chamou atenção não só porque ele dissera que passaria os próximos dias em processo de transição de comando no MEC, mas porque diante de uma ampla restrição de entrada nos Estados Unidos imposta a viajantes oriundos do Brasil por conta da escalada da pandemia de coronavírus, ele tenha conseguido estar em solo americano de modo tão rápido.
Desde o dia 24 de maio, as autoridades americanas impedem o ingresso no país de qualquer pessoa que tenha estado no Brasil em algum momento ao longo dos 14 dias anteriores à viagem.
De acordo com a ordem, assinada pelo presidente americano Donald Trump, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) verificou que havia "transmissão generalizada" de coronavírus entre a população brasileira, o que representaria "risco para a segurança nacional".
Atualmente, o país contabiliza mais de 51 mil mortos e de 1 milhão de casos de covid-19. Dessa forma, apenas cidadãos americanos e estrangeiros com vistos de autoridade vindos do Brasil poderiam entrar no país.
Indicado pelo Planalto a uma vaga como diretor-executivo no Banco Mundial, cuja sede é na capital americana, Washington D.C., Weintraub afirmou repetidas vezes que queria sair do país porque ele e sua família estariam sofrendo ameaças no Brasil - sem apresentar provas disso.
No domingo dia 14, ele circulou publicamente pelo acampamento dos "300 do Brasil", grupo que na noite anterior havia atacado o prédio do STF (Supremo Tribunal Federal) com fogos e é investigado por suspeita de ser uma organização paramilitar.
Na ocasião, Weintraub, que não usava máscara e foi multado em R$ 2 mil por infringir as medidas do Distrito Federal para proteção da saúde pública, endossou suas críticas aos ministros do Supremo. Ali, teria selado seu destino fora do governo Bolsonaro.
Ele também enfrenta no STF um inquérito por racismo - depois de publicar mensagem em que se referia pejorativamente ao suposto sotaque de asiáticos.
O próprio Weintraub passou a compartilhar em suas redes sociais, com alarde, notícias veiculadas na imprensa de que um pedido de prisão contra ele poderia ser decretado em breve, fato que teria contribuído para que o Planalto o indicasse para um cargo no exterior.
Se brasileiros não podem entrar nos EUA, como Weintraub conseguiu?
Segundo a assessoria de imprensa do Banco Mundial disse em nota à BBC, Weintraub ainda não é funcionário da instituição. O processo de escolha dele depende da anuência de representantes de outros oito países, que se expressam na cúpula de diretores do banco via representante brasileiro.
Nunca um nome brasileiro foi recusado e é improvável que isso venha a acontecer agora, a despeito da polêmica em torno da indicação. A chancela ao nome de Weintraub, no entanto, pode ainda levar quatro semanas para ser finalizada.
Até a confirmação, ele não faz jus ao visto de tipo G, concedido a cidadãos que representam seus países em órgãos internacionais, como o próprio Banco Mundial ou a Organização das Nações Unidas, sediadas nos Estados Unidos.
Logo, Weintraub ainda não dispõe do visto G, com o qual poderia entrar nos Estados Unidos.
Que passaporte ele usou na entrada nos EUA?
Por lei, ministros de Estado têm direito a um passaporte diplomático que, no caso de alguns países, isenta o portador de obter visto de entrada. Como Weintraub foi oficialmente exonerado apenas no sábado de manhã, horas depois de seu avião ter pousado no Estado americano da Flórida, ele poderia ter usado esse passaporte especial na viagem.
Mas, no caso dos Estados Unidos, só o passaporte diplomático não garante a entrada do viajante. Para adentrar em solo americano, o dono do passaporte precisa ter alguma autorização concedida por autoridades americanas que especifique o motivo de sua viagem.
"Como a restrição da Casa Branca por causa da covid-19 é ampla, praticamente a única forma de Weintraub entrar seria usando um visto do tipo A-1 ou A-2, concedido pelos americanos às autoridades de um país estrangeiro", afirma Leonardo Freitas, CEO da consultoria Haywan-Woodward, especializada em imigração.
Os vistos A, assim como os G são nominalmente mencionados por Trump como exceções à regra que hoje impede praticamente todos os brasileiros de adentrarem os Estados Unidos.
Segundo Freitas, mesmo com um passaporte diplomático, Weintraub seria barrado na alfândega americana se portasse apenas vistos regulares de turismo, de negócios ou de estudo. "Ele nem chegaria a embarcar. A companhia aérea barraria, porque se deixa passar alguém que depois será removido pelos americanos, a empresa paga uma multa de US$ 25 mil", afirmou.
Weintraub tinha visto de autoridade?
De acordo com dois representantes do Itamaraty ouvidos em condição de anonimato pela BBC News Brasil, esse tipo de visto A, oferecido para autoridades dos países estrangeiros, tem um trâmite diferente dos demais.
"O Planalto envia uma nota ao Itamaraty, que encaminha à Embaixada americana em Brasília dizendo que a pessoa é um alto representante nacional e que deve poder ir ao país. Em três dias, o visto é concedido e costuma ter duração de até dois anos", afirmou um embaixador consultado reservadamente.
Segundo ele, não seria necessário que Weintraub tivesse viagem marcada aos Estados Unidos para obter a autorização. E que é praxe a concessão do passe a todo o gabinete ministerial.
Nos últimos seis meses, o então ministro não esteve no país, de acordo com a agenda disponível no site do MEC, mas tinha boa relação com autoridades americanas e chegou a receber visita de cortesia do embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, em 22 de maio.
Consultado pela BBC News Brasil, um porta-voz do Departamento de Estado afirmou que o órgão não poderia confirmar se Weintraub possuía o passe e o usou para chegar a Miami: "Os registros de vistos são confidenciais sob a lei dos EUA. Portanto, não discutimos casos de visto individuais".
O visto de autoridade valeria após a demissão oficial do ministério?
O problema, no entanto, é que o visto de autoridade só pode ser utilizado se o portador estiver em viagem oficial. "Não parece ser o caso, não há nenhuma comunicação oficial de que Weintraub é um emissário do Planalto, ele veio aos Estados Unidos como um civil, um cidadão comum", afirmou Freitas.
Para o especialista em migração, que trabalhou por 15 anos no Departamento de Segurança Nacional americano, Weintraub pode ter entrado de modo irregular nos Estados Unidos.
"Ele já tinha gravado um vídeo dois dias antes dizendo que estava demitido, então sabia quando entrou no avião que o documento e o visto diplomáticos dele perderiam a validade. Se viajou mesmo nessas condições, ele fez isso para burlar a restrição americana do covid-19 e induziu as autoridades americanas a erro", diz Freitas.
Após a exoneração em Diário Oficial, publicada no sábado, e sem qualquer cargo público, Weintraub poderia ter um eventual visto de autoridade cancelado a qualquer momento e até mesmo sofrer um processo de remoção dos Estados Unidos. "Já acompanhei alguns casos de ex-autoridades de republiquetas da América Latina que usam esse visto para vir aos EUA e sofrem processo de deportação", explicou Freitas.
A rigor, o passaporte diplomático também perderia validade imediatamente após a exoneração. Mas como o cancelamento depende de uma ordem executiva, o Planalto pode decidir manter o documento válido. Confirmado como diretor-executivo do Banco Mundial, Weintraub também teria direito a passaporte diplomático ou passaporte de serviço. As autoridades americanas não confirmam que ele tenha apresentado um passaporte diplomático na imigração.
Weintraub terá que sair dos EUA?
Todos os entrevistados são unânimes em dizer que, para estabelecer moradia nos Estados Unidos, Weintraub precisará mudar de visto - já que terá de obter um visto do tipo G.
Caso tenha entrado com visto A, o documento permitirá a permanência por apenas 90 dias.
Há divergência entre os especialistas sobre se essa mudança poderá ser feita nos Estados Unidos mesmo ou se Weintraub teria que se deslocar para algum outro país, como o México, para esperar que o documento fique pronto.
"É muito raro que os americanos façam esse tipo de substituição com a pessoa no país deles, mesmo que seja uma coisa simples", afirmou um embaixador à BBC News Brasil.
A aposta dos diplomatas é que haverá gestão de alto nível entre o governo Trump e o governo Bolsonaro para que o ex-ministro da Educação não enfrente o constrangimento de ter que deixar o país para ficar regularmente nos Estados Unidos.
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