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FMI recomenda manter teto de gastos, mas sem interromper auxílio emergencial

Na visão do FMI, Brasil tem que estar preparado para esticar auxílio por mais tempo, se necessário - André Melo Andrade/Myphoto Press/Estadão Conteúdo
Na visão do FMI, Brasil tem que estar preparado para esticar auxílio por mais tempo, se necessário Imagem: André Melo Andrade/Myphoto Press/Estadão Conteúdo

Mariana Sanches

Da BBC News Brasil, em Washington

02/12/2020 16h04Atualizada em 02/12/2020 16h33

Em novo relatório sobre a economia brasileira divulgado nesta quarta-feira (02), o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que o Brasil mantenha "o teto de gastos constitucional como uma âncora fiscal para apoiar a confiança do mercado".

O órgão alerta, no entanto, que isso não pode ser feito às custas da retirada abrupta de medidas fiscais de apoio à economia em meio à pandemia, como o auxílio emergencial.

E que o país deve estar preparado para esticar tais medidas por mais tempo, em 2021, "no caso de as condições econômicas se mostrarem significativamente piores do que o esperado".

A expectativa dos analistas do FMI é que o Brasil cresça 2,8% em 2021, após uma contração de 5,8% da economia em 2020.

De acordo com o relatório, o país atravessou dificuldades para retomar o ritmo de crescimento após a crise de 2015-2016, mas parecia ter boas bases para um crescimento mais significativo em 2020, o que não se concretizou por causa da pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais de 5 milhões de brasileiros e matou mais de 170 mil.

O FMI elogia as medidas tomadas pelo país para reagir ao impacto da covid-19. "A resposta do governo à crise foi rápida e considerável. As autoridades implementaram programas emergenciais de transferência de renda e retenção de empregos, aumento dos gastos com saúde, apoio financeiro aos governos locais e linhas de crédito para pequenas empresas", diz o documento.

Desde abril, o governo federal tem distribuído um auxílio emergencial, cujo valor inicial era de R$ 600, a famílias que perderam renda durante a crise sanitária e econômica. A estimativa é de que mais de 60 milhões de pessoas tenham sido alcançadas pelo benefício.

O fim do auxílio emergencial?

O governo, no entanto, lida atualmente com o dilema sobre como manter algum tipo de transferência de renda mais robusta nos próximos meses, dado o custo do programa e o aperto nas contas públicas. Diferentes formas de custeio foram apresentadas e rechaçadas pelo presidente Jair Bolsonaro.

"Não vou tirar dos pobres para dar aos paupérrimos", afirmou Bolsonaro em mais de uma ocasião. Entre as propostas formuladas pelo Ministério da Economia, sob a batuta de Paulo Guedes, estavam medidas como corte em reajuste de aposentadorias e pensões e o fim do abono salarial.

O tema se tornou ainda mais sensível diante do fato de que a popularidade do presidente reagiu positivamente ao início da assistência financeira.

Recentemente, dada a redução do valor do benefício para R$ 300 e a possibilidade de que a transferência seja interrompida, a aprovação a Bolsonaro inverteu de tendência e vem caindo.

A extinção do auxílio emergencial poderia lançar 15 milhões de brasileiros na pobreza. Parte dos auxiliares do presidente passaram a flertar com o furo no teto de gastos para garantir a manutenção do programa. Há cerca de dez dias, questionado sobre a possibilidade de prorrogação do auxílio emergencial, Bolsonaro respondeu: "pergunta pro vírus".

Reformas para manter programa de distribuição de renda

Segundo o FMI, a resposta para manter um programa mais abrangente de distribuição de renda não passa por extrapolar o limite dos gastos públicos.

Para o fundo, o teto funciona como um lastro para investidores internacionais do qual o país não pode prescindir, ainda mais considerando-se o grande fluxo de dólares de investidores que deixaram o Brasil nos últimos meses.

A saída para os economistas do FMI seria apostar em reformas estruturais, "para realocar recursos sob o teto de despesas e fortalecer a rede de segurança social de forma permanente".

Desde 2019, no pré-pandemia, após a aprovação da reforma da previdência, o governo patinava para encaminhar ao Congresso propostas consistentes de reformas tributária e administrativa.

Entre os empecilhos estão a possibilidade de queda na arrecadação e a resistência política de grupos de interesse, como funcionários públicos, em alteração em seus benefícios empregatícios.

Não há consenso dentro da gestão Bolsonaro sobre o escopo dessas reformas, e há poucos meses a resistência em avançar com a agenda de reformas gerou um desmonte do secretariado de Paulo Guedes no Ministério da Economia.

Mas, segundo o FMI, o governo terá que enfrentar a questão de modo "urgente" para aumentar a produtividade e garantir a criação de postos de trabalho que retirem parte da população da pobreza.

O relatório nota ainda que o fim do orçamento de guerra aprovado em 2020 vai levar a uma restrição profunda nos gastos federais, em um contexto em que o país precisa ter margem para voltar a atuar na economia caso seja necessário, já que as sequelas da pandemia ainda são desconhecidas.

"Acabar com as transferências de dinheiro para famílias vulneráveis e trabalhadores informais enquanto o mercado de trabalho ainda está fraco pode levar a uma maior desigualdade de renda e de gênero", diz o estudo.

"Manter algum apoio no próximo ano (2021) permitiria alguma margem de manobra para lutar contra os efeitos da pandemia e reduzir a vulnerabilidade do Brasil às cicatrizes relacionadas à crise", recomenda o FMI, conhecido por pregar um receituário de austeridade fiscal.