'EUA estão desmoronando': o multimilionário que pede que os mais ricos paguem mais impostos
Pode parecer estranho que um multimilionário peça que lhe cobrem mais impostos.
Nos Estados Unidos, entretanto, um grupo de magnatas formou a organização "Patriotas Milionários" justamente para pedir que os mais ricos contribuam mais para a arrecadação pública.
Ela é presidida por Morris Pearl, um ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock, que agora vive da rentabilidade de seus investimentos, após uma carreira de sucesso em Wall Street.
Pearl argumenta que os Estados Unidos deveriam seguir caminho semelhante ao da Argentina e criar um imposto sobre a riqueza para enfrentar a crise econômica gerada pela pandemia de covid-19.
Em dezembro passado, o país sul-americano aprovou um novo imposto sobre as grandes fortunas que será aplicado uma vez e que tributa aqueles que têm patrimônio superior a 200 milhões de pesos (cerca de R$ 13 milhões). Esse imposto deve variar de 2% a 3,5%, de acordo com o valor do patrimônio.
Com a nova medida, o governo de Alberto Fernández afirmou que planeja arrecadar cerca de US$ 3 bilhões, que devem ser usados para financiar suprimentos médicos e programas de ajuda econômica às famílias mais afetadas pela crise.
O magnata Morris Pearl não apoia apenas a criação de um imposto emergencial para mitigar os efeitos da pandemia. Ele defende que o sistema tributário dos Estados Unidos seja modificado para que os multimilionários façam contribuições maiores ? de maneira permanente ? aos cofres públicos, principalmente agora que a bolsa de valores está em um período de altas históricas.
"Nos últimos 10 meses, ganhei milhões de dólares" em meio a uma das piores crises econômicas das últimas décadas, diz Pearl. Por isso, acredita que ele e os demais milionários que tiveram grandes lucros deveriam pagar um imposto por suas fortunas.
Abaixo, confira a entrevista de Pearl à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
BBC News Mundo - Por que você escreveu que os EUA deveriam seguir o exemplo da Argentina e aprovar imposto sobre grandes fortunas?
Morris Pearl - Aqui nos Estados Unidos você só paga impostos pela sua renda, não sobre a sua riqueza.
Pessoas realmente ricas deveriam pagar um imposto sobre a riqueza. Por isso digo que os Estados Unidos deveriam copiar a Argentina e aprovar um imposto aos mais ricos.
BBC News Mundo - De que nível de riqueza estamos falando?
Pearl - De pessoas que ganharam milhões e milhões de dólares durante essa crise, como Jeff Bezos, o fundador da Amazon. Ele quase não paga impostos, porque não tem renda que seja entendida como um salário.
Ele não precisa receber um salário, porque é multimilionário. Os multimilionários, que aumentaram muito suas fortunas, também deveriam pagar impostos.
Aqueles que são realmente ricos não estão pagando muitos impostos.
Neste país, algumas pessoas se deram muito bem. O mercado de ações está em seu pico histórico. Banqueiros e advogados que trabalham em suas casas estão muito bem.
Mas as outras pessoas, que trabalham em restaurantes, hotéis ou companhias aéreas, estão com problemas. Muitos perderam o emprego, não têm condições de pagar o aluguel e isso, ao mesmo tempo, causa problemas aos proprietários desses estabelecimentos e aos locais em que essas pessoas compram (seus insumos).
Existe uma grande divisão entre os que têm e os que não têm.
BBC News Mundo - Quanto cresceu a desigualdade devido à crise econômica causada pelo novo coronavírus?
Pearl - Não tenho estatísticas, mas acho que aumentou muito. Algumas pessoas se tornaram extraordinariamente ricas.
Faz muitos anos que eu não trabalho, só faço serviços voluntários. Porém, ainda assim estou mais rico agora do que quando me aposentei.
Eu ganhei muito dinheiro no ano passado mesmo sem trabalhar. Mas aqui em Nova York há muitas pessoas desempregadas e há mais desigualdade social agora do que há um ano.
BBC News Mundo - Quanto mais rico você se tornou durante a pandemia?
Pearl - Nos últimos 10 meses, ganhei milhões de dólares.
BBC News Mundo - Vamos voltar para a Argentina. Quando esse imposto foi aprovado, que será cobrado somente uma vez dos mais ricos, houve forte oposição por parte dos empresários, que criticaram as medidas por taxar a riqueza produtiva. Eles dizem que esse imposto afeta novos investimentos e, portanto, a criação de empregos e a reativação da economia. Qual é a sua opinião?
Pearl - Para os Estados Unidos, estamos propondo que subam os impostos a quem tem uma riqueza superior a US$ 1 bilhão. Esse é um limite cerca de 400 vezes maior que o valor estabelecido na Argentina.
Grande parte da riqueza pode ser vista como riqueza produtiva, de uma forma ou de outra. Eu tenho ações da Amazon e, por exemplo, poderíamos dizer que essa é uma riqueza produtiva porque produz algo, mas não há nenhuma razão pela qual eu não tenha que pagar imposto pelo aumento gigantesco da minha fortuna no ano passado.
É que, no final, qualquer riqueza pode ser produtiva, dependendo de como a define. O que propomos é taxar uma riqueza a partir de US$ 1 bilhão.
Estamos falando dos mais ricos, que representam algumas centenas de pessoas.
BBC News Mundo - Mas na Argentina alguns empresários dizem que tiveram que vender máquinas para pagar o imposto. Quer dizer, não estamos falando apenas daqueles que são muito ricos...
Pearl - Na Argentina, eles tributaram 2% do patrimônio de uma pessoa a partir de um determinado valor.
Quem tem que pagar esse imposto fica com os outros 98%. Portanto, me parece bom que os muito ricos fiquem com 98% de suas fortunas.
BBC News Mundo - Estamos falando de um imposto que varia de 2% a 3,5% que foi promovido por um governo considerado de esquerda. Você acredita que nos Estados Unidos tal medida teria apoio político no Congresso?
Pearl - É difícil saber. Algum apoio, sim, existe. Dentro do Partido Democrata há um amplo espectro de posições políticas, algumas mais à esquerda e outras mais ao centro. A verdade é que não sei o que vai acontecer politicamente.
Estamos muito motivados a aplicar algum imposto à riqueza, mas não sei se haveria apoio suficiente no Congresso para aprovar uma lei desse tipo.
BBC News Mundo - Qual é exatamente a sua proposta para os Estados Unidos e quanto poderia ser arrecadado?
Pearl - O imposto teria de ser pago por algumas centenas de pessoas. Sobre quanto dinheiro poderia ser levantado, não acho que seja o mais importante.
Ao contrário da Argentina, os Estados Unidos emitem dólares, o que nos permite ter uma margem de déficit orçamentário. Não estou tão preocupado sobre quanto dinheiro poderíamos conseguir. Estou mais preocupado com o fato de termos uma desigualdade crescente.
No fim de 2017, o sistema tributário foi alterado e isso agravou a desigualdade (no período, durante o governo Donald Trump, houve uma reforma tributária que reduziu impostos e favoreceu as empresas). Por isso, acredito que temos que mudar o rumo e os mais ricos precisam pagar mais impostos que o cidadão comum que trabalha para viver.
BBC News Mundo - Aqueles que se opõem à criação de um imposto sobre a riqueza costumam argumentar que a Europa é o melhor exemplo do fracasso desse imposto, já que na década de 90, 12 países tinham esse imposto, e agora somente três continuam: Suíça, Noruega e Espanha. E a razão do fracasso, dizem especialistas, é que os ricos levaram o dinheiro para outros países para evitar esse imposto...
Pearl - Não acho que as pessoas vão deixar os Estados Unidos. Pessoas que moram aqui e pagam impostos se sentem seguras aqui. Este é um país seguro, em comparação a outras nações.
A situação é diferente da Europa. Como existe a União Europeia, é mais fácil transferir o dinheiro de um país para outro. E quem tem fortuna nos Estados Unidos, em geral, paga menos impostos do que em outros países europeus.
Bom, quem quiser pagar menos impostos pode morar até no Zimbábue, por exemplo, mas não acho que queiram morar lá.
O pagamento de impostos é exatamente o que te permite viver em um país como os Estados Unidos.
BBC News Mundo - No debate no Reino Unido sobre a criação de um imposto único sobre o patrimônio para enfrentar os efeitos econômicos da pandemia, alguns dizem que isso pode abrir a porta para o aumento de outros impostos. O que pensa a respeito disso?
Pearl - Não estamos propondo um imposto de uma única vez nos Estados Unidos. Estamos propondo que os multimilionários paguem mais impostos de maneira permanente.
Isso afetaria uma pessoa em um milhão.
BBC News Mundo - O que acha da ideia de aumentar os impostos sobre as empresas, não apenas do patrimônio pessoal?
Pearl - Sim, também concordamos em aumentar os impostos sobre as empresas. Em nossa organização, Milionários Patriotas, estamos preocupados com grandes empresas que dizem que seus lucros estão em outros países com impostos menores, como a Irlanda, por exemplo.
BBC News Mundo - Algumas pessoas criticaram o senhor, dizendo que sua postura em relação aos impostos é bastante cínica, porque agora que está aposentado defende o aumento dos impostos, mas nunca fez isso enquanto trabalhava em Wall Street. Por que não fez isso antes?
Pearl - Venho defendendo isso nos últimos 10 anos. Antes, quando trabalhava, ganhava dinheiro com o salário que as empresas de Wall Street me pagavam.
O que mudou é que agora todo o dinheiro que ganho vem da minha fortuna. São os lucros que faço com meus investimentos. É por isso que um imposto sobre a fortuna me afetaria muito mais agora do que antes, quando eu estava trabalhando.
BBC News Mundo - Como você bem sabe, há multimilionários que não têm nenhum interesse em reduzir a desigualdade, que não têm nenhum tipo de ação para tentar contornar esse cenário. Como você convence essas pessoas de que devem pagar mais impostos?
Pearl - O que estou dizendo é que o nosso país está desmoronando. Temos gente protestando nas ruas e temos tumultos. A razão por trás dos protestos é a enorme desigualdade. Não é o país onde eles querem viver.
Se a desigualdade piora, dificulta que o país seja atrativo para investimentos. Digo aos meus amigos ricos que eles também deveriam ser a favor de reduzir a desigualdade, porque temos um país muito dividido e isso não é uma característica de um bom lugar para ter a sua família e fazer investimentos.
Os melhores lugares para investir são aqueles onde há uma classe média forte, não um lugar repleto de pobreza.
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