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Recorde de americanos abandona empregos em busca de vida nova na pandemia

Nos EUA, há quem pretendia pedir demissão em 2020, mas foi forçado a adiar a decisão devido à pandemia - Getty Images
Nos EUA, há quem pretendia pedir demissão em 2020, mas foi forçado a adiar a decisão devido à pandemia Imagem: Getty Images

Redação*

BBC News Mundo

11/08/2021 20h38Atualizada em 11/08/2021 21h56

Ela trabalhava como professora de história em uma escola particular em um bairro rico da Califórnia. Era um trabalho de que gostava e no qual pretendia continuar. Mas a pandemia chegou e as coisas mudaram.

Foi forçada a voltar ao trabalho presencial quando as infecções por covid-19 continuavam a avançar.

Estava preocupada com o risco para sua saúde e com o aumento da carga de trabalho por ter que dar aulas online e presenciais ao mesmo tempo.

Agora, passado mais de um ano desde o início da pandemia, Melissa Villareala pediu demissão e está trabalhando em algo completamente diferente: desenho industrial.

Foi uma decisão muito difícil, relata a profissional, porque há um sentimento de culpa como professora. "Você não quer deixar os alunos", afirma.

No entanto, diz ela, "estava tão claro que não se importavam com minha saúde, a saúde das crianças ou o bem-estar mental de ninguém. É um negócio e se trata de dinheiro. A pandemia abriu meus olhos".

Sua demissão não foi motivada pela busca por um salário melhor, mas por melhores condições de trabalho, um dos principais motivos que tem levado milhares de americanos a pedir demissão nos últimos meses.

A 'Grande Renúncia'

É o fenômeno que tem sido chamado de a "Grande Renúncia", conceito que se popularizou nos Estados Unidos depois que 4 milhões de profissionais (2,7% da força de trabalho) deixaram o emprego em abril deste ano, estabelecendo um recorde histórico.

"Acredito que muitas pessoas estão pensando em fazer uma mudança em suas vidas e isso frequentemente implica em uma mudança em suas carreiras", diz Anthony Klotz, professor associado de administração na Mays School of Business da Texas A&M University, que cunhou o conceito de "Grande Renúncia".

Um estudo recente da empresa Gallup confirmou que há uma "taxa de rotatividade incrivelmente alta" e recorde de vagas em todas as categorias de emprego, desde trabalhos presenciais de atendimento ao cliente até cargos altamente qualificados.

É uma tendência que pode se manter, considerando que 48% da força de trabalho dos Estados Unidos está procurando ativamente — ou acompanhando de perto — novas oportunidades de emprego, observa o relatório.

Considerando que muitos trabalhadores não possuem contratos permanentes que garantam benefícios como assistência médica ou contribuição para aposentadoria, é provável que a alta rotatividade continue, dizem os especialistas.

As causas que levaram muitos ao êxodo laboral variam bastante. Há quem pretendia pedir demissão em 2020, mas foi forçado a adiar a decisão até este ano devido à pandemia.

Outros sofrem de exaustão devido a uma carga de trabalho excessiva. Existem também aqueles que desistem porque suas prioridades de vida mudaram.

Por exemplo, durante a pandemia, perceberam que queriam passar mais tempo com a família, aventurar-se a mudar de emprego ou abrir um negócio.

Muitos querem um trabalho flexível

E há aqueles que pediram demissão porque o empregador exigiu que eles voltassem ao escritório. São as pessoas que querem continuar trabalhando à distância ou, pelo menos, querem chegar a um acordo de trabalho de modelo híbrido.

A palavra-chave aqui é "flexibilidade".

Soma-se a esse cenário o problema de muitos trabalhadores de baixa renda - como funcionários de restaurantes e hotéis - que procuram emprego em outras indústrias por medo de pegar o coronavírus.

De fato, parte significativa dos que pediram demissão em abril trabalhava nos setores de serviços e varejo.

"Há muita rotatividade em empregos de baixa remuneração em que as pessoas realmente não têm uma progressão na carreira. Se você encontrar um emprego que ofereça apenas um pouco mais, mudar não tem nenhum custo para você", explica Julia Pollak, economista na agência de empregos online ZipRecruiter.

Seja porque querem mais dinheiro, um tratamento melhor, mais flexibilidade ou mais tempo para sua vida pessoal, muitos americanos estão se arriscando a mudar de emprego.

Salário não é a única questão

Mulher em home office - Getty Images - Getty Images
Embora os incentivos financeiros sejam um começo, para muitas pessoas não se trata apenas de dinheiro
Imagem: Getty Images

Embora o fenômeno da "Grande Renúncia" seja transversal, "as tendências mais relevantes estão relacionadas a funções que tradicionalmente têm baixos salários e a trabalhadores essenciais", diz Alison Omens, chefe de estratégia da empresa JUST Capital, à BBC.

É o caso dos trabalhadores de saúde que, com a chegada da pandemia, foram obrigados a trabalhar mais horas, atender a população e, em muitas casos, sem garantia de licença médica.

Casos semelhantes ocorreram no setor de serviços e no comércio varejista.

Empresas como a rede de lojas de departamento Target e a multinacional de eletrônicos Best Buy aumentaram salários, enquanto o McDonald's e a Amazon oferecem bônus de contratação.

Ainda assim, uma pesquisa da empresa de busca de executivos Korn Ferry encontrou que 94% dos varejistas têm problemas para preencher vagas.

Parte do problema, Omens explica, é que embora os incentivos financeiros sejam um começo, para muitas pessoas não se trata apenas de dinheiro. Trata-se de encontrar empregos que ofereçam mais benefícios, possibilidade de crescimento e tratamento digno, mesmo que o salário não seja muito melhor.

"Perguntamos às pessoas se aceitariam um salário menor para trabalhar em uma empresa que se alinhava com seus valores", acrescenta o especialista, "e, em geral, as pessoas dizem que sim".

Mudança geracional

Alguns especialistas dizem que a "Grande Renúncia" não foi causada apenas pela pandemia. Eles argumentam que a alta rotatividade de empregos é uma tendência que vem de muito tempo antes e que a pandemia apenas a acelerou, especialmente no caso dos mais jovens.

Soma-se a isso a liberdade proporcionada pelos avanços tecnológicos para se conectar de qualquer lugar, sem ter que ir ao escritório todos os dias.

Cada vez mais os trabalhadores autônomos ou prestadores de serviço oferecem sua mão de obra sem depender de uma relação contratual com um único empregador.

Um estudo realizado pela empresa Upwork indica que um em cada três americanos dedica parte do seu tempo a trabalhos independentes de seu emprego formal.

Qual será o verdadeiro impacto?

Enquanto alguns analistas acreditam que a "Grande Renúncia" é um fenômeno temporário que não terá um impacto de longo prazo, outros argumentam que é parte de uma transformação mais profunda no mercado de trabalho dos Estados Unidos.

Anthony Klotz, da Texas A&M University, argumenta que as empresas que não se adaptarem ao "novo normal" correrão o risco de enfrentar uma fuga de talentos.

"As empresas que oferecem maior flexibilidade em termos de trabalho remoto e híbrido têm mais possibilidades de recrutar trabalhadores globalmente", diz Klotz.

O pesquisador considera que uma das consequências de longo prazo de todas essas mudanças é que os trabalhadores terão muito mais opções em termos de arranjos distintos de como e onde seu trabalho será realizado.

Por outro lado, a pandemia deixou algumas lições sobre o quanto é de interesse das empresas cuidar de sua força de trabalho.

Ben Kiziltug, da firma de gestão de recursos humanos Personio, diz que as empresas que administraram bem seus funcionários durante a crise não estão sendo tão afetadas pela "Grande Renúncia".

Por outro lado, aqueles que não atenderam às expectativas de seus funcionários são os mais suscetíveis a perdê-las.

(*Com a colaboração de Kate Morgan)