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Estado de emergência: por que PEC que libera gastos em ano eleitoral é tão polêmica?

Estado de emergência: por que PEC que libera gastos em ano eleitoral é tão polêmica? - Getty Images
Estado de emergência: por que PEC que libera gastos em ano eleitoral é tão polêmica? Imagem: Getty Images

29/06/2022 18h38

O Senado começou a debater na quarta-feira (29/06) uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, entre outras coisas, prevê o pagamento a um voucher de R$ 1 mil a caminhoneiros autônomos e a ampliação de benefícios como o auxílio-gás e Auxílio Brasil.

A medida tem impacto previsto de R$ 38,75 bilhões além do teto de gastos do governo e chega ao Congresso cercada de polêmicas.

Por se tratar de um ano eleitoral, a legislação eleitoral proíbe a criação de novos benefícios sociais como o planejado "voucher" para caminhoneiros. A PEC, porém, prevê o reconhecimento de um suposto "estado de emergência" provocado pelo aumento no preço dos combustíveis.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o reconhecimento do estado de emergência é uma forma de evitar a proibição prevista na lei eleitoral.

A PEC vai a votação a pouco mais de três meses das eleições presidenciais e em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em segundo lugar nas principais pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em março deste ano, 68% das pessoas entrevistadas atribuem a Bolsonaro a responsabilidade pela alta no preço dos combustíveis como gasolina, óleo diesel e gás de cozinha.

Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em dois turnos tanto pelo Senado quanto pela Câmara dos Deputados e ter três quintos dos votos dos parlamentares nas duas casas. Após a aprovação, ela é promulgada automaticamente, sem necessidade de sanção presidencial.

O texto que vai a votação nesta semana prevê a criação de um novo benefício e a ampliação de outros quatro. O benefício novo é um voucher de R$ 1 mil a serem pagos mensalmente a caminhoneiros autônomos entre julho e dezembro de 2022. O impacto no orçamento seria de R$ 5,4 bilhões.

A medida também prevê um aumento de R$ 200 no valor pago do Auxílio Brasil, que atualmente é de R$ 400, além do cadastro de 1,6 milhão de famílias que estão na fila de espera do benefício. O custo da medida é de R$ 26 bilhões.

A PEC também determina ampliação de R$ 53 no valor do auxílio-gás, atualmente em R$ 112,60. O custo dessa ampliação é de R$ 1,05 bilhão.

A proposta também prevê o pagamento de um subsídio para garantir a gratuidade de idosos no transporte público num aumento de despesas estimado em R$ 2,5 bilhões.

A PEC também determina um repasse no valor de R$ 3,8 bilhões em créditos tributários para a manutenção da competividade do etanol, usado na mistura da gasolina vendida nos postos de combustíveis do Brasil.

No relatório da PEC enviado ao Senado, o relator da matéria, Fernando Bezerra (MDB-PE), diz que é preciso reconhecer a situação de emergência do país porque a lei nº 9.504 de 1997, também conhecida como Lei Eleitoral, veda a concessão de benefícios em anos em que são realizadas as eleições.

"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei", diz um trecho da lei.

O relatório de Fernando Bezerra toca, justamente, neste ponto. Para justificar a suposta necessidade reconhecimento do estado de emergência, o senador cita o aumento no preço dos combustíveis. No documento, há até menção à guerra na Ucrânia, que começou em fevereiro.

"Em primeiro lugar, é essencial reconhecer que o País passa por uma situação de emergência provocada pelo forte aumento no preço dos combustíveis, com seus impactos diretos sobre o custo de vida, e indiretos, via efeitos de segunda ordem sobre a inflação", diz um trecho do relatório entregue pelo senador.

Em outro trecho, o parlamentar deixa evidente a importância do reconhecimento do estado de emergência para a estratégia do governo.

"O reconhecimento do estado de emergência é importante para dar o necessário suporte legal às diferentes políticas públicas, focadas nos mais vulneráveis", diz um trecho do relatório.

'Drible' na legislação

Para o economista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, o efeito prático do reconhecimento do estado de emergência é a possibilidade legal de o governo criar benefícios e ampliar gastos em um ano eleitoral.

"O reconhecimento da emergência daria o amparo legal que o governo precisa para não ser punido pela legislação eleitoral", disse Couri à BBC News Brasil.

Na avaliação do professor de Finanças e Controle Gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (COPPEAD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rodrigo Leite, o reconhecimento do estado de emergência previsto na chamada PEC dos Combustíveis é uma espécie de "drible" na legislação eleitoral, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e no teto de gastos.

Isso aconteceria porque a situação de emergência daria respaldo legal para o governo criar benefícios ou ampliar gastos no período eleitoral. "A Lei Eleitoral proíbe os governos de criarem benefícios em ano de eleições para evitar que os governantes tenham vantagens ante os outros candidatos. Mas com o reconhecimento do estado de emergência, o governo ganha uma espécie de passe livre para gastar", disse o professor.

Segundo ele, a justificativa usada na PEC para pedir o reconhecimento do estado de emergência não é plausível.

"Não faz sentido alegar que o aumento do preço dos combustíveis cria uma emergência no Brasil porque esta não é uma situação que deve mudar no curto prazo. O governo quer implementar um remédio de curto prazo pra uma situação que não se resolverá no curto ou médio prazos", disse o professor.

Leite afirmou ainda que o impacto orçamentário da PEC deverá complicar a condução do país independentemente de quem vença as eleições.

"Ela vai gerar um rombo de R$ 38 bilhões. E já havia a previsão de um déficit anterior que era de uns R$ 40 bilhões. Não é algo que a próxima administração vai conseguir resolver nos seus primeiros anos", disse Rodrigo Leite.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61989461


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