4 sinais de que gastos descontrolados pré-eleição vão cobrar fatura em 2023
Passada a eleição e uma campanha em que se discutiu pouco sobre propostas para a economia, uma pergunta fundamental agora é: como o governo que toma posse em 2023 vai equilibrar as demandas sociais com as contas públicas?
Como o governo que toma posse em 2023 vai equilibrar demandas sociais e contas públicas?
O desafio é grande para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente da República neste domingo (30/10).
No ano da eleição, o governo do presidente Jair Bolsonaro tomou uma série de medidas que aumentaram gastos públicos e reduziram receita. Entre elas, estão o aumento do valor do Auxílio Brasil, o benefício a caminhoneiros e taxistas, o corte de tributos sobre combustíveis, a ampliação do vale-gás e a limitação da taxa de ICMS (imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
Depois desse "pacote de bondades" pré-eleição, economistas destacam a "fatura" a ser paga.
O governo que assume em 2023 terá que decidir o que deve ser mantido — avaliando o que faz sentido prorrogar, visto que muitos apontaram o pacote da equipe de Bolsonaro como eleitoreiro. Mais que isso, a equipe econômica terá que encontrar espaço para essas medidas no orçamento, em meio a tantas outras demandas e em um cenário em que a receita gerada pela arrecadação de tributos promete ser menos favorável do que em 2022 (mais detalhes abaixo).
"2023 será um um ano difícil do ponto de vista fiscal", disse a economista Silvia Matos, pesquisadora sênior do FGV IBRE e coordenadora do Boletim Macro IBRE.
Ela apontou que será um desafio "acomodar tudo o que virá de impacto no ano que vem", visto que houve "um conjunto de políticas fiscais que foram feitas e que elevam muito a preocupação."
A economista destaca a expectativa sobre quais serão as regras adotadas para organizar o orçamento e dar sinalizações de que o governo está comprometido a segui-las. "Você não sabe ainda como será a política fiscal no ano que vem. E como você burlou regras fiscais para poder acomodar gastos, também cria uma incerteza: qual vai ser a nova regra fiscal?"
Para o economista Fábio Terra, professor de Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC), o governo tomou "medidas com fins eleitoreiros como se não houvesse amanhã".
Em quatro pontos, entenda a seguir as dificuldades para as contas públicas em 2023:
1. Auxílio Brasil e o espaço no orçamento
Uma das grandes perguntas para 2023 é como ficará o Auxílio Brasil, pago a famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica.
Com o valor de R$ 600, o benefício está previsto até dezembro deste ano. E, na corrida eleitoral, tanto Lula quanto Bolsonaro prometeram prorrogar esse montante.
No entanto, a proposta de Orçamento de 2023 enviada ao Congresso prevê um valor médio de R$ 405.
A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado estima que manter o benefício com o valor atual implicaria uma despesa adicional de R$ 51,8 bilhões. E já apontou que a prorrogação do benefício do valor de R$ 600 não cabe no teto de gastos da União de 2023.
"A manutenção do benefício adicional demandaria ajustes no Orçamento e eventualmente nas regras fiscais, quer seja para tornar o gasto adicional excepcional à regra do teto, quer seja para acomodar a despesa à regra existente. Ou seja, caso a opção seja por manter o Auxílio Brasil em R$ 600 no próximo ano, o governo precisará, em momento oportuno, divulgar como seria feito esse pagamento cumprindo a regra constitucional do teto de gastos", diz a IFI em relatório.
Fábio Terra diz que o auxílio é um programa extremamente necessário e que considera que "em 2022 só houve melhora do pagamento para fins eleitorais". Ele defende que agora "é preciso estruturar e sistematizar o programa para que ele não ceda tão logo passem as eleições".
2. Desonerações de tributos federais de combustíveis e a inflação de 2023
Em busca de reduzir o preço dos combustíveis nos meses que antecederam a eleição, o governo Bolsonaro desonerou tributos federais (PIS/Cofins e Cide) sobre gasolina, etanol, diesel e gás de cozinha até o fim deste ano.
Silvia Matos critica a desoneração da gasolina — que chama de política eleitoreira — e lembra que esse custo afeta mais as famílias com condições um pouco melhores. "Não era para os mais pobres", disse.
"Diesel é totalmente diferente", diz ela, em referência ao combustível usado em caminhões e que afeta o preço de diversos produtos comercializados no país. "Sou a favor de subsídio ao transporte público, ao gás de cozinha. Tudo aquilo que é para o mais pobre com certeza tem mérito e é justo."
A medida aliviou a inflação — cuja taxa em 12 meses chegou a dois dígitos. Agora, a projeção do mercado financeiro é de 5,6% no fim de 2022, segundo o Boletim Focus do Banco Central divulgado em 24 de outubro.
Mas a previsão não é de um alívio muito maior para o ano que vem. Para 2023, a expectativa é que a inflação fique em cerca de 5%, não muito abaixo de 2022.
E, nesse cenário, os juros altos também são um desafio. É que, nesses casos, o Banco Central aumenta — ou mantém elevada — a taxa básica de juros, a Selic, para tentar controlar a aceleração dos preços.
Desde março de 2021, a taxa básica de juros foi elevada por 12 vezes consecutivas. No período, subiu 11,75 pontos percentuais — o maior e mais longo ciclo de alta desde 1999. Em setembro, o Banco Central decidiu manter a taxa Selic em 13,75% ao ano. E manteve no mesmo nível na reunião de outubro.
Os juros altos tendem a reduzir o volume de empréstimos e gerar uma espécie de redução na oferta de dinheiro na mão de consumidores. Aí, uma tendência é a desaceleração da economia.
3. Desaceleração da economia e arrecadação mais fraca
A dificuldade de encaixar medidas que aumentam gastos ou que reduzem a receita é agravada por uma expectativa de que a arrecadação será mais fraca no ano que vem.
Neste ano, os efeitos das medidas nas contas públicas não são mais profundos porque há aumento de arrecadação, com resultados recordes. De janeiro a setembro, os dados da Receita Federal mostram que a arrecadação somou R$ 1,63 trilhão, o maior valor desde o início da série histórica, em 1995.
"O aumento de arrecadação decorre basicamente de três fatores: a retomada da economia, a inflação, e a bonança das commodities", explica Fábio Terra.
É que, quanto mais atividade econômica, maior tende a ser a arrecadação de tributos. E o preço das commodities em alta, devido à inflação, também gera um aumento no pagamento de impostos.
No entanto, o economista acrescenta que "todos estes fatores estão com fôlego reduzido para 2023".
"No campo interno, a retomada da economia será arrefecida pelos efeitos recessivos de uma alta taxa de juros, bem como a inflação já felizmente mostra comportamento de redução — e ambas implicam menor dinâmica arrecadatória."
E, no exterior, há a expectativa de uma possível recessão internacional. O Banco Mundial já alertou para esse risco em 2023, acrescentando que as crises podem causar danos duradouros às economias em desenvolvimento.
E essa possível recessão internacional puxaria os preços das commodities para baixo, aponta Terra.
"Dinâmica econômica esfriada, por fatores internos e externos, significa arrecadação diminuída. Mas e as contas das medidas de 2022 que chegarão em 2023? Como pagá-las?", questiona o economista.
4. O teto para o ICMS e o impasse com os governos estaduais
E um impasse do governo federal com os Estados também é um problema contratado.
Entre as medidas tomadas pelo governo Bolsonaro para tentar reduzir o preço do combustível do país em ano eleitoral, uma delas afeta diretamente os cofres estaduais — a imposição de um limite para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre itens como diesel, gasolina, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo.
Pelo texto aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro, os Estados ficaram impedidos de cobrar, para esses produtos, taxa superior à alíquota geral de ICMS, que varia de 17% a 18%, dependendo da localidade. Em alguns locais, a taxa antes chegava a cerca de 30%.
O ICMS é um imposto estadual e representa grande parte da receita dos Estados. Com a medida, a estimativa é que estados e municípios (que têm direito a uma parcela da arrecadação do tributo) tenham uma perda de arrecadação de cerca de R$ 80 bilhões anuais.
"A razão central dessa medida tem mérito: reconfigurar o que é considerado bem essencial, o que realmente precisa envolver esses produtos. Porém o governo Bolsonaro fez a proposta de colocação do limite máximo de cobrança de ICMS nestes produtos sem se preocupar em planejar como a queda da arrecadação por Estados e municípios seria compensada", diz Terra.
Estados entraram com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a mudança, alegando que o ICMS é um imposto de competência dos Estados e do DF, argumentando que a medida "feriu gravemente o pacto federativo e o princípio da autonomia dos entes subnacionais".
O tema está em discussão em uma comissão no STF formada por representantes dos estados e da União.
Fábio Terra destaca que, diferentemente de outras mudanças promovidas recentemente, esta não tem prazo para acabar. Ele considera esta "uma das medidas mais impactantes tomadas pelo governo com fins eleitorais".
"Estados e municípios terão que localizar formas de conseguir compensar a perda de arrecadação, certamente tributando outros produtos e/ou renegociando suas trocas financeiras com a União. Caso não façam isso, eles terão dificuldade em custear serviços públicos como saúde, educação e segurança pública, que são seus principais gastos", explicou, acrescentando que, dependendo de como isso acontecer, poderá pressionar a inflação.
"E se o preço do petróleo subir muito no mercado internacional, o preço dos combustíveis subirá no Brasil, mesmo com o teto do ICMS. O problema não era o imposto, mas a política de paridade internacional dos preços da Petrobras", diz.
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