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'Sem crescimento robusto, Brasil pode se tornar difícil de governar', diz Goldman Sachs

Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do segundo maior banco de investimentos do mundo, vê boa vontade de investidores com Lula. Mas avalia que país tem pouco tempo para mudar quadro econômico e social, sob risco de perder governabilidade - REPRODUÇÃO/TWITTER
Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do segundo maior banco de investimentos do mundo, vê boa vontade de investidores com Lula. Mas avalia que país tem pouco tempo para mudar quadro econômico e social, sob risco de perder governabilidade Imagem: REPRODUÇÃO/TWITTER

Thais Carrança - @tcarran

Da BBC News Brasil em São Paulo

18/01/2023 07h55Atualizada em 18/01/2023 08h25

Se o Brasil perder mais uma década em termos de crescimento econômico, pode acabar perdendo meio século. O alerta é de Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, segundo maior banco de investimentos do mundo.

"O que me preocupa é que, se a gente não encontrar um caminho de crescimento mais robusto e socialmente inclusivo, fique muito difícil de governar esse país. Que a governabilidade acabe se deteriorando muito, pela desestruturação do sistema institucional e pela pressão social", afirma o economista, em entrevista à BBC News Brasil.

Ramos ? que considera a década de 2010 perdida para o país, assim como a de 1980 ? não mudou sua percepção sobre o Brasil e o futuro do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com os acontecimentos de 8 de janeiro em Brasília, quando radicais bolsonaristas depredaram prédios públicos dos três poderes da República.

"A expectativa é de que isso tenha sido um episódio isolado", diz o analista. "Não está no meu cenário a possibilidade de uma ruptura institucional. Me parece que as instituições no Brasil são suficientemente robustas para proteger o regime democrático."

Nascido em Portugal, Ramos atua no Goldman Sachs desde 2003, tendo passado pelos cargos de vice-presidente e diretor administrativo. Especializado em finanças e com PhD em economia pela Universidade de Chicago ? considerada berço do liberalismo econômico ?, foi antes economista sênior do Fundo Monetário Internacional (FMI), trabalhando com Argentina, Brasil e Turquia. Atualmente, ele lidera sua equipe de analistas a partir de Nova York.

O economista vê boa vontade de investidores estrangeiros com o novo governo, mas alerta que, com a reabertura da China e uma Europa que administrou bem a crise do gás decorrente da guerra da Ucrânia, o país não está sozinho na disputa pelos fluxos de capitais internacionais.

Nesse cenário, o governo Lula tem como principal desafio este ano equacionar a questão fiscal, avalia Ramos. Mas precisa evitar a tentação de medidas intervencionistas e populistas que não deram bons resultados no passado.

"Não é uma lei da natureza que a América Latina não cresça e que as condições de vida não melhorem. É um reflexo de escolhas equivocadas dos últimos anos", diz Ramos. "É de fato inaceitável o crescimento ser tão medíocre, é preciso mudar isso, porque as condições de vida têm que melhorar. A América Latina está perdendo o trem do desenvolvimento."

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Ramos atua no Goldman Sachs desde 2003, tendo passado pelo cargos de vice-presidente e diretor administrativo. Especializado em finanças e com PhD em economia pela Universidade de Chicago, foi antes economista sênior do FMI - REPRODUÇÃO/ZOOM - REPRODUÇÃO/ZOOM
Ramos atua no Goldman Sachs desde 2003, tendo passado pelo cargos de vice-presidente e diretor administrativo. Especializado em finanças e com PhD em economia pela Universidade de Chicago, foi antes economista sênior do FMI
Imagem: REPRODUÇÃO/ZOOM

BBC News Brasil - Como o senhor viu o episódio da depredação dos prédios públicos em Brasília e como isso repercutiu entre os investidores internacionais?

Alberto Ramos - É um sinal da polarização profunda do ponto de vista político e social que o Brasil tem vivido nos últimos anos. Foi uma campanha muito dividida e parece que essa polarização não se resolveu com a eleição. Sempre que tem esse ruído institucional, político e social, é algo que deixa o investidor um pouco mais defensivo.

BBC News Brasil - Mas esses ataques mudaram de alguma forma o cenário que estava dado para o novo governo Lula? Isso pode afetar a governabilidade, na perspectiva do senhor?

Ramos - No meu cenário não mudou nada, porque a expectativa é de que isso tenha sido um episódio isolado. Por mais triste que tenha sido, a expectativa é de que não se repita, pelo menos à escala do que aconteceu.

Acredito que a polarização vai continuar, que o presidente Lula vai continuar a enfrentar uma oposição relativamente combativa e aguerrida. Estamos bem longe do consenso de um presidente que tem uma popularidade extremamente alta. Então isso pode certamente limitar a governabilidade, mas isso já estava no nosso cenário de base, não alteramos nada com os eventos de 8 de janeiro.

BBC News Brasil - A possibilidade de uma ruptura institucional está no seu radar e no radar dos investidores, ou a resposta do governo foi suficiente para afastar esse tipo de temor?

Ramos - Não falo por outros investidores, mas não está no meu cenário a possibilidade de uma ruptura institucional. Me parece que as instituições no Brasil são suficientemente robustas para proteger o regime democrático. Há uma imprensa livre e vibrante, e as instituições têm performado o papel constitucional que se espera delas. Então não há um cenário de ruptura institucional.

'Acredito que a polarização vai continuar, que o presidente Lula vai continuar a enfrentar uma oposição relativamente combativa e aguerrida', diz Ramos - REUTERS - REUTERS
'Acredito que a polarização vai continuar, que o presidente Lula vai continuar a enfrentar uma oposição relativamente combativa e aguerrida', diz Ramos
Imagem: REUTERS

BBC News Brasil - Qual é a perspectiva do senhor para o crescimento do PIB brasileiro esse ano?

Ramos - A expectativa é de um crescimento modesto, por volta de 1%, que tem a ver um pouco com a diminuição do impulso relativo à reabertura da economia [após a pandemia], que estimulou bastante a atividade em 2021 e 2022.

Tem também a ver com a própria restritividade da política monetária [isto é, a taxa básica de juros elevada, com a Selic atualmente a 13,75% ao ano], as condições financeiras bastante restritivas, que infelizmente é o que é necessário para trazer a inflação de volta para a meta e reancorar as expectativas de inflação.

Também um mercado de trabalho que está relativamente apertado, com uma taxa de desemprego já próxima do nível neutro [quando o desemprego não é zero, mas está no ponto considerado de equilíbrio, sem acelerar a inflação], que é o reflexo do crescimento relativamente vigoroso de 2022.

Por fim, há também uma demanda externa mais limitada. Então teremos em 2023 uma desaceleração da atividade econômica que reflete o efeito combinado de todos esses fatores.

BBC News Brasil - E quais são os principais desafios que o senhor vê para a economia brasileira esse ano?

Ramos - Para esse ano, o primeiro desafio é equacionar a questão fiscal. Principalmente, qual será a âncora fiscal de médio e longo prazo. Essa é a grande questão.

O teto de gastos, que teve um papel fundamental em ancorar [as expectativas dos investidores com relação] a parte fiscal e a dinâmica da dívida vai ser substituído, e não há ainda indicação do que será esse substituto. Então esse é um ponto importante, manter as expectativas e o ancoramento do fiscal no médio e longo prazo.

BBC News Brasil - O senhor mencionou o crescimento vigoroso do ano passado que resultou nessa melhora do mercado de trabalho. O senhor começou 2022 prevendo uma alta de 0,8% para o PIB brasileiro e tinha gente prevendo até recessão. Mas o PIB de 2022 deve ter crescido próximo de 3%, segundo as expectativas mais recentes do boletim Focus. Por que os economistas erraram tanto as previsões no ano passado?

Ramos - Acho que todo mundo subestimou o impacto da reabertura da economia.

Depois teve o próprio efeito da guerra na Europa, entre Rússia e Ucrânia, que levou a um aumento significativo do preço de commodities, o que alavancou a melhora dos termos de troca do Brasil [relação entre os preços de exportação e os de importação do país], alavancando também o crescimento.

O crescimento global também foi bem maior do que se esperava.

E o quarto fator foi o impulso fiscal [as medidas de estímulo à economia feitas pelo governo Bolsonaro, como o Auxílio Brasil de R$ 600, entre outras], que foi bem maior do que se projetava no início do ano, embora parte disso tenha sido mitigada por uma política monetária mais restritiva e uma inflação mais alta. Então, no final, acho que essa foi a grande surpresa.

'Acho que todo mundo subestimou o impacto da reabertura da economia', diz Ramos, sobre por que economistas erraram previsões para o PIB de 2022 - TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL - TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL
'Acho que todo mundo subestimou o impacto da reabertura da economia', diz Ramos, sobre por que economistas erraram previsões para o PIB de 2022
Imagem: TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL

BBC News Brasil - A economia pode surpreender de novo esse ano?

Ramos - Pode. Nossa visão em relação à economia americana e global é um pouco mais construtiva do que a média do mercado. Achamos que não vai ter recessão nos EUA e temos projeções para crescimento da China, global e preços de commodities acima da média.

Então pode surpreender, a depender do grau de estímulo fiscal em 2023. Não descarto a possibilidade de ter um crescimento mais forte, como não descarto a possibilidade de um crescimento mais fraco. Nossa estimativa de um crescimento [do PIB brasileiro em 2023] de 1,2% tem risco para ambos os lados.

BBC News Brasil - Como o senhor viu o pacote de medidas anunciadas na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para reduzir o déficit público, mirando um déficit entre 0,5% e 1% do PIB esse ano?

Ramos - Foi um passo importante. Mostra que o governo está preocupado com a dimensão do déficit como saiu com a aprovação do Orçamento, que era um déficit de quase R$ 230 bilhões ou 2,3% do PIB. E que está comprometido em reduzir esse déficit.

O pacote em si não impressionou tanto. É um pacote com um viés muito grande para medidas de aumento da receita, medidas tributárias. E medidas que são transitórias, há poucas medidas permanentes, algumas delas de efeito duvidoso.

Gostaria de ver um pacote mais centrado na racionalização e redução do gasto. Num país que gasta mais de R$ 2 trilhões, certamente há gastos improdutivos, redundantes, mal alocados.

Seria importante que o pacote tivesse um viés mais focalizado no gasto do que na receita, porque teria uma implicação melhor para a inflação, com um componente permanente e acoplado à nova âncora fiscal, que é a discussão que vem pela frente.

'Foi um passo importante. Mostra que o governo está preocupado com a dimensão do déficit', diz Ramos, sobre pacote do ministro da Fazenda Fernando Haddad para reduzir déficit fiscal em 2023 - REUTERS - REUTERS
'Foi um passo importante. Mostra que o governo está preocupado com a dimensão do déficit', diz Ramos, sobre pacote do ministro da Fazenda Fernando Haddad para reduzir déficit fiscal em 2023
Imagem: REUTERS

BBC News Brasil - Haddad tem prometido apresentar ainda esse semestre o novo arcabouço fiscal para o país, que deve substituir o teto de gastos. Qual é a expectativa dos investidores internacionais com relação a essas novas regras?

Ramos - Há uma expectativa grande. É muito, muito importante ter uma âncora fiscal, particularmente alguma coisa que limite uma expansão desenfreada do gasto, dado que o nível de endividamento público é bastante elevado, e dado o histórico do PT nos últimos anos.

Mesmo nos anos Lula, no início de mandato, houve uma expansão do gasto muito elevada, mas nessa altura o preço de commodities ajudou muito, a receita também aumentava. Quando a receita parou de crescer, isso levou a déficit crescente.

Eu pessoalmente não acho que a regra do teto de gasto tenha sido assim tão ruim, acho que ela teve um papel muito importante de ancoramento de expectativa e também de limitar o gasto. E vai ter que ser por aí, pode ser uma regra com mais flexibilidade, que tenha um elemento contracíclico, que permita que não tenha que reduzir muito o déficit quando a economia está contraindo e a receita cai.

Infelizmente, acho que não há muitas alternativas a alguma regra que limite o gasto, só através disso é que você consegue ancorar as expectativas de médio e longo prazo. Vamos ver, é uma discussão que vem pela frente e o Congresso também terá papel importante nesse debate.

BBC News Brasil - Qual é a perspectiva que o senhor vê para o avanço das reformas estruturais nesse governo, particularmente a reforma tributária?

Ramos - Acredito que não vai haver grandes reformas estruturais, tirando a reforma tributária, que já está bastante avançada a discussão no Congresso.

Há uma proposta que já amadureceu bastante na Câmara, uma proposta que também já amadureceu bastante no Senado e o [secretário especial para a reforma tributária do Ministério da Fazenda] Bernard Appy é uma autoridade do ponto de vista fiscal e tributário. Então acho que alguma coisa vai sair, agora depende de como for configurada essa reforma.

A ideia do governo, pelo menos durante a campanha, é que seria uma reforma neutra do ponto de vista de arrecadação. Eu tenho minhas dúvidas.

Há dois componentes: o dos impostos indiretos e o do imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas. Talvez aí [no imposto de renda] é que vai ter um sistema mais progressivo, que aumente a arrecadação. Vamos ver como é que fica. É um tema complexo, que claramente tem ganhadores e perdedores, que põe em lados contrários indústria versus serviços, Estados pobres contra Estados ricos. Sempre foi um tema muito espinhoso e difícil.

Mas eu acho que, dentro do tema de grandes reformas estruturais, provavelmente ficamos por aí. Não estou muito otimista com outras reformas, como a administrativa, que possivelmente seriam necessárias para alavancar o crescimento.

BBC News Brasil - Num relatório de 2019, o senhor declarou a década de 2010 como "perdida" para o Brasil, assim como a de 1980. São duas décadas perdidas para a economia brasileira em 40 anos. E o senhor alertava para o risco de a gente perder também a década atual. O senhor avalia que esse risco persiste ou algo mudou na sua visão desde então?

Ramos - Olha, não mudou muito. Acho que esse risco segue latente. Tivemos a pandemia, que levou a uma contração violenta da atividade. Seguiu-se uma recuperação em "V" bastante rápida, mas a dinâmica do crescimento, o crescimento potencial do Brasil, continua relativamente baixo. Daí a importância das reformas estruturais, que tornem a economia mais competitiva, mais flexível. Que aumentem o investimento público e privado.

Há um Estado gigante, obeso e ineficiente no Brasil, se não for possível reduzir o tamanho do Estado, pelo menos que o Estado gaste melhor. Seria muito importante focar na qualidade do gasto, para que o efeito multiplicador do gasto que temos hoje seja maior, tenha maior impacto econômico e social do que tem sido o caso nos últimos anos.

Algumas declarações da ministra [do Planejamento] Simone Tebet vão um pouco nessa direção e seria muito importante aprofundar essa agenda.

'Seria muito importante focar na qualidade do gasto', diz Ramos. 'Algumas declarações da ministra Simone Tebet vão um pouco nessa direção' - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
'Seria muito importante focar na qualidade do gasto', diz Ramos. 'Algumas declarações da ministra Simone Tebet vão um pouco nessa direção'
Imagem: GETTY IMAGES

BBC News Brasil - O que o país precisa fazer então para sair desse ciclo de baixo crescimento e da fome sempre à espreita?

Ramos - O problema já foi extensamente debatido, não precisa criar nenhuma comissão para analisar por que o Brasil cresce pouco. É um país que gasta muito e investe pouco, tem uma produtividade muito baixa, o nível de investimento em capital físico e capital humano é relativamente limitado. É um país pouco integrado na economia global, tem um sistema tributário muito oneroso, o déficit de infraestrutura é significativo. Então a agenda é conhecida, agora é começar a trabalhar nela. Não precisa descobrir a pedra filosofal [substância lendária que transformaria qualquer metal em ouro].

BBC New Brasil - Durante o governo Bolsonaro, vimos os investidores muito reticentes com o país, com alguns grandes fundos de investimento inclusive interrompendo aportes em títulos públicos brasileiros por conta da destruição da Amazônia. Parecia ter uma certa ansiedade pela volta à normalidade. O senhor acredita que estão dadas as condições para os investidores estrangeiros voltarem?

Ramos - Acho que sim, há uma boa vontade muito grande com relação ao governo Lula e acho que aí pode ser até onde se observe a maior diferenciação entre os governos Bolsonaro e Lula, nessa agenda ambiental, o impacto que isso tem fora do país e nos investidores. Pode e vai certamente alavancar os fundos que são mais sensíveis a esses sistemas e alguns fundos específicos, como o Fundo Amazônia e outros que foram interrompidos durante o governo Bolsonaro. Então vejo isso claramente como uma via, e até uma via mais rápida, de atração de capital no curto prazo.

BBC News Brasil - E para os demais investidores, depende dessa agenda toda que o senhor falou, ou essa boa vontade é generalizada?

Ramos - Não, acredito que não há uma boa vontade generalizada. Até porque o Brasil não é a única oportunidade de investimento no mundo. Há a reabertura da economia da China, com a saída da [política de] "covid zero". A Europa parece que vai conseguir evitar uma recessão, porque manejou a restrição do gás de maneira eficiente. Então o Brasil tem competidores nesse fluxo de capital global, talvez mais do que se imaginava há três meses.

E, além de toda a questão da sustentabilidade fiscal, há a política micro [referente ao ambiente de negócios]. Isso me preocupa um pouco mais nesse começo um pouco atribulado do novo governo. O marco regulatório de setores importantes da economia, o manejo das empresas públicas e dos bancos públicos, a tendência de interferir em certas variáveis da economia, por exemplo, a política de preços da Petrobras, "campeões nacionais", crédito subsidiado.

Uma agenda que tem sido característica dos governos do PT e que não teve resultado muito favorável lá atrás, me parece estar voltando com força. Então eu acho que não vai ter nenhuma explosão fiscal, que o governo entende de alguma maneira a importância de conter a parte fiscal, mas vejo com alguma preocupação essa agenda micro.

Manejo das empresas públicas e bancos públicos e tendência do PT de interferir em variáveis da economia como o preço da gasolina preocupam economista do Goldman Sachs - ARQUIVO/AGÊNCIA BRASIL - ARQUIVO/AGÊNCIA BRASIL
Manejo das empresas públicas e bancos públicos e tendência do PT de interferir em variáveis da economia como o preço da gasolina preocupam economista do Goldman Sachs
Imagem: ARQUIVO/AGÊNCIA BRASIL

BBC News Brasil - Por fim, o senhor analisa toda a América Latina. Como avalia a posição do Brasil hoje em relação aos demais países da região?

Ramos - A América Latina está com um problema de crescimento parecido com o Brasil. Crescimento baixo, fricção política, ativismo social. Então parece um fenômeno um pouco mais abrangente do que só a realidade do Brasil.

Há problemas institucionais, políticos e algum receio de investidores no Chile, na Colômbia, na Argentina há 30 anos, no Peru com o impeachment do presidente [Pedro Castillo, que perdeu o cargo em dezembro]. Então, dentro desse contexto, é um problema mais sistêmico da América Latina, o do baixo crescimento, crises institucionais, pressão social.

E olha, há que ter um pouco de simpatia por isso [o descontentamento popular], porque o progresso socioeconômico da América Latina na última década tem sido extraordinariamente baixo. As condições de vida não melhoraram, então o votante médio está insatisfeito. E ele vai, grita e com razão. Quer dizer, não é uma lei da natureza que a América Latina não cresça e que as condições de vida não melhorem. É um reflexo de escolhas equivocadas dos últimos anos, então é importante que essa ansiedade, que esse sinal chegue à classe política.

O Congresso, o governo, o Judiciário, todo mundo tem a sua cota de responsabilidade na integridade institucional e no próprio crescimento. É de fato inaceitável o crescimento ser tão medíocre nos últimos anos, é preciso mudar isso, porque as condições de vida têm que melhorar. A América Latina em geral está perdendo o trem do desenvolvimento.

O que me preocupa é que, se [o Brasil] voltar a perder mais uma década, acaba perdendo meio século. E que, se a gente não encontrar um caminho de crescimento mais robusto e socialmente inclusivo, fique muito difícil de governar esse país. Que a governabilidade acabe se deteriorando muito, pela desestruturação do sistema institucional e pela própria pressão social. Então temos que encontrar uma resposta a esse anseio do votante médio, que é extremamente legítimo. Se não dermos uma resposta cabal, que mude esse quadro econômico e social, te garanto que a coisa pode piorar, essa é a parte que me preocupa.

Agora, é sempre possível tornar uma situação ruim pior. E me preocupa às vezes que alguns atalhos populistas, que parecem dar uma resposta de curto prazo, mas não uma resposta estrutural de médio e longo prazo, possam potencialmente agravar um problema que é real.

Vamos ver, mas acho que o relógio está contando, o tempo está avançada. A gente não tem muitos anos para dar uma resposta um pouco mais abrangente sobre isso.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64312369