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Os novos banqueiros de Deus: Papa Francisco reforma o Banco do Vaticano, um lugar repleto de intrigas

Jeremy Kahn

07/05/2015 08h30

(Bloomberg Business) -- O papa Francisco escuta atentamente, na parte da frente do salão de conferências lotado, uma ilha de um homem de branco em meio a um mar de cardeais de batinas pretas e zucchettos -ou solidéus- escarlates. O Papa e esses "príncipes" da Igreja Católica Romana se reuniram na Sala do Sínodo da Cidade do Vaticano, um moderno edifício de aço e vidro localizado a alguns passos da Basílica de São Pedro, do Renascimento, para serem atualizados a respeito da saúde financeira da Santa Sé.

Em qualquer outro contexto, o cenário seria banal: apresentações de PowerPoint, tabelas, gráficos. Mas o Vaticano até recentemente considerava suas finanças algo tão sensível que suas contas completas eram conhecidas apenas pelo Papa e por seus assessores mais próximos. O briefing de 13 de fevereiro, diz o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, foi a primeira vez em que o Consistório de Cardeais teve um acesso tão detalhado aos livros contábeis. De forma igualmente inovadora, entre os expositores havia especialistas leigos e não apenas do clero. E alguns deles falaram em inglês, o idioma do comércio, e não apenas nas duas línguas oficiais do Vaticano: o italiano e o latim.

Como a revista Bloomberg Markets reportará em sua edição de junho, a reunião na Sala do Sínodo reforçou a noção de que o papa Francisco não é um Santo Padre dos antigos. Com sua postura a respeito da homossexualidade (sobre os padres homossexuais, ele disse uma vez, "quem sou eu para julgar?"), a contribuição para a reaproximação dos EUA e Cuba, e o conhecimento das redes sociais (ele tuíta!), Francisco ganhou as manchetes e agitou os fiéis. Ele revigorou uma igreja envenenada por anos de escândalos de abusos sexuais e vista até mesmo pelos católicos mais devotos como uma instituição sem sintonia com a modernidade. Além disso, a assembleia principesca ressaltou um lado mais terreno da reforma da igreja de Francisco: o risco de um confronto potencialmente paralisante com a Cúria Romana, o poderoso aparelho burocrático que governa a Santa Sé, ao atacar o esbanjamento, a má gestão e a corrupção.

Riquezas do Vaticano

O Vaticano não é uma potência financeira. À parte sua coleção de arte de preço incalculável, o Estado controla menos de US$ 7 bilhões em ativos -em uma avaliação generosa de sua carteira imobiliária-. Em separado, o Banco do Vaticano, formalmente conhecido como Instituto para as Obras de Religião, tem menos de US$ 6,5 bilhões em ativos, sendo que a maioria não pertence ao Vaticano, em si, mas às dioceses, ordens e instituições de caridade católicas. Contudo, a gestão das finanças do Vaticano é importante porque se reflete na autoridade moral da Igreja, diz Joseph F. X. Zahra, um homem de negócios e economista maltês que é um dos assessores financeiros mais próximos de Francisco.

Isso é especialmente importante em um momento em que o Papa está pregando a ética e o capitalismo socialmente responsável para os 1,2 bilhão de fiéis católicos e demais pessoas, diz Zahra. Para fazer frente a finanças turvas, e às vezes corruptas, o Papa está implementando padrões internacionais de contabilidade, utilizando os serviços de firmas de auditoria do grupo das Big Four como KPMG e Ernst Young, criando um novo ministério de Finanças para o Vaticano e mantendo uma folha de pagamento cada vez mais globalizada.

O Banco do Vaticano viu escândalos e intrigas suficientes para encher uma prateleira com romances de Dan Brown. O papa Pio XII criou a instituição em 1942 no território soberano da Santa Sé para contornar uma proibição imposta pelos EUA sobre transferências bancárias provenientes dos países do Eixo, incluindo a Itália. O banco não faz empréstimos, mas aceita depósitos, oferece serviços de gestão de ativos e processa transferências bancárias. Apenas a Santa Sé e organizações católicas, instituições de caridade, o clero e funcionários da Cidade do Vaticano deveriam ter contas lá. Ainda assim, a instituição, obscura e sem regulação, funcionou durante décadas como um banco offshore no coração de Roma, para irritação da polícia e dos órgãos reguladores europeus, cuja jurisdição terminava nos muros do Vaticano.

Medidas sem precedentes

A primeira medida de Francisco foi convocar a Roma um grupo de seis leigos católicos do calibre de Davos, entre eles, Joseph F. X. Zahra, ex-presidente do conselho do Bank of Valletta, de Malta, e atual diretor do banco central da ilha, que presidiu o grupo; George Yeo, ex-ministro de Relações Exteriores de Cingapura; Jochen Messemer, presidente do conselho da seguradora Ergo, e Jean-Baptiste de Franssu, ex-diretor da divisão europeia da gestora de ativos Invesco. Eles se reuniram na Casa Santa Marta, a pousada de calcário onde Francisco resolveu morar, evitando os tradicionais apartamentos papais do Palácio Apostólico.

O pontífice incumbiu o grupo de descobrir como tornar as operações financeiras do Vaticano transparentes e responsáveis. "Ele queria ter certeza de que eram os valores da Igreja que estavam realmente movendo a administração e as finanças da Santa Sé", diz Zahra

Em fevereiro de 2014, agindo segundo as recomendações da comissão de Zahra, o Papa anunciou as primeiras grandes mudanças na estrutura da Cúria desde o papado de Paulo VI, 50 anos antes. Estabeleceu uma nova Secretaria de Economia -- em sua essência, um Ministério da Economia do Vaticano -- e um Conselho de Economia, com 15 integrantes, para assessorá-lo sobre as políticas. O conselho é liderado por um cardeal, mas inclui sete membros laicos com poder de voto -- incluindo Zahra e dois de seus comissários. Pela primeira vez, pessoas de fora do clero têm um papel maior do que o de meros assessores. "Este é um passo muito significativo", diz Kerry Robinson, diretor-executivo da Mesa Redonda Nacional de Liderança em Gestão da Igreja, em Washington, que assessora as dioceses dos EUA.

Para chefiar a nova secretaria, Francisco nomeou o cardeal australiano George Pell. Ex-jogador de rúgbi sem meias palavras, Pell, 73, tem a reputação de ser um administrador implacável e um dos defensores mais ferrenhos das reformas financeiras dentro do Colégio de Cardeais. Ele também é alvo de críticas: uma comissão do governo australiano fez advertências a Pell sobre seus esforços insistentes em dissuadir vítimas de abuso sexual por clérigos de tomarem medidas judiciais. Diferentemente de Francisco, Pell é um conservador teológico, defensor, por exemplo, da Missa Tridentina pré-Concílio Vaticano II. Mas Robert Mickens, editor-chefe da revista católica on-line Global Pulse, vê na nomeação de Pell uma prova da genialidade política de Francisco, um exemplo da máxima "mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda". Pell não aceitou o convite para conceder entrevista para essa reportagem.

Banco quase fechou

O Banco do Vaticano, em si, teve a sorte de sobreviver à limpeza financeira de Francisco. Em um determinado momento, o Papa considerou a possibilidade de simplesmente fechá-lo. "São Pedro não tinha conta bancária", disse Francisco durante uma missa no dia 11 de junho de 2013. Mas as iniciativas de reforma de Ernst von Freyberg, o financista aristocrático alemão que assumiu a presidência do banco nos últimos dias do papado de Bento XVI, convenceram Francisco de que a instituição ainda serve a um propósito vital: ajuda dioceses pobres, especialmente na África e na Ásia, salvaguarda seus recursos limitados e permite que as instituições de caridade transfiram dinheiro aos necessitados em lugares remotos ou devastados pela guerra, como a Síria. Além disso, a Santa Sé depende dos lucros do banco. Sem a renda proveniente do banco, o Estado iria operar no vermelho.

Após poupar o Banco do Vaticano do fechamento, Francisco tem grandes planos para a instituição. Em julho de 2014, ele substituiu von Freyberg -- que deixou o cargo para cuidar dos negócios de navegação e engenharia de sua família -- por Franssu, da comissão de Zahra. A experiência do francês na gestão de ativos foi um fator-chave para sua nomeação, diz Zahra. O Papa quer criar um polo para o investimento católico. A visão de Francisco é a de um banco que ofereça às instituições católicas retornos atrativos e socialmente responsáveis.