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América Latina não mostra compaixão pela Venezuela

Mac Margolis

02/02/2016 16h23

(Bloomberg) -- Quando o chefe de Estado da Venezuela chegou a Quito, no Equador, na semana passada para a cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, seu tom era quase irreconhecível. Não houve elogios ao socialismo do século 21 nem as farpas ensaiadas do falecido presidente Hugo Chávez contra o imperialismo yankee. Em vez disso, arrependimento e súplicas.

"A Venezuela está em uma situação muito difícil; tive uma série de reuniões com nossos países irmãos, com nossos presidentes irmãos", disse o presidente Nicolás Maduro, sucessor de Chávez, no dia 27 de janeiro, antes da abertura do encontro regional. "Propus uma série de medidas possíveis para que a América Latina responda à emergência econômica da Venezuela, para aumentar o comércio livre, a complementaridade e a solidariedade".

Mais tarde, naquele mesmo dia, Maduro pediu que os líderes adotassem "um plano comum" para enfrentar "a atual crise econômica" que a região está atravessando, mas ficou uma pequena dúvida sobre qual país ele queria envolver.

Depois de quase 17 anos de excessos autocráticos e de experimentos econômicos de tentativa e erro, não surpreende que a economia latino-americana que mais depende do petróleo esteja em péssima forma. A inflação pode estar em mais de 700 por cento e a criminalidade explodiu.

A Venezuela ficou em último lugar na América Latina no mais recente Índice de Percepção de Corrupção (IPC), divulgado pela Transparência Internacional sobre a corrupção percebida no setor público. Promotores dos EUA indiciaram autoridades venezuelanas e prenderam dois parentes do presidente acusados de tráfico de drogas, e o país acabou de perder seu direito de votar na Assembleia Geral das Nações Unidas por não cumprir suas obrigações.

A novidade em Quito não foi apenas a sinceridade oficial em relação à bagunça da Venezuela, mas também a relativa indiferença do restante da região em relação a ela.

Há poucos anos, quando Chávez estava no comando, o carismático homem-forte podia encantar os inimigos com seus floreios retóricos e despertar compaixão mesmo quando suas políticas davam errado. Maduro ? que herdou de Chávez a arrogância, mas não a sagacidade e as habilidades de cúmplice maquiavélico ?, nem tanto.

A destruição da economia em nome da revolução e a prisão de dissidentes também já não caem tão bem em uma região onde a democracia constitucional está ganhando terreno. Os líderes latinos não chegaram a dizer "não" diretamente aos pedidos de Maduro, mas também não correram ao resgate. As negociações de paz na Colômbia, a turbulência no Haiti e a surto devastador de zika foram os principais assuntos na cúpula e eclipsaram os problemas da Venezuela.

A Argentina foi além ao esnobar a Venezuela. O recém-eleito presidente Mauricio Macri pediu abertamente que o país libere seus presos políticos e condenou seu questionável histórico de direitos humanos. Embora Macri, que está se recuperando de uma costela quebrada, não tenha participado da cúpula, ele enviou a vice-presidente Gabriela Michetti, que deu alguns golpes.

Em uma reunião a portas fechadas, Maduro supostamente disse a Michetti que a Argentina deveria cuidar da própria vida. Michetti se esquivou com habilidade ao observar que a Venezuela se expressou corajosamente quando uma brutal junta militar governava a Argentina, então era simplesmente correto retribuir o favor demonstrando solidariedade diante de "práticas que vão de encontro à defesa dos direitos humanos".

Essas diferenças não se alastraram para a assembleia principal, mas isso foi importante. "A posição de Macri é a crítica mais forte à Venezuela já feita por um presidente latino-americano no poder", disse Javier Corrales, cientista político do Amherst College. Corrales observou que a denúncia de Macri chegou depois de uma educada, mas crescente, onda de críticas a Maduro, como uma carta aberta assinada por 26 ex- líderes mundiais, uma votação na Câmara de Deputados chilena para retirar seu embaixador da Venezuela e uma carta severa, dirigida ao diretor do comitê eleitoral da Venezuela, do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, Luis Almagro.

Mesmo assim, resta saber até que ponto a ousadia da Argentina se repetirá em outros governos latino-americanos, em que turbulências internas ou agendas políticas parecem ter convencido alguns chefes de Estado a fazer vista grossa.

Depois que a Venezuela recusou o enviado do Brasil para monitorar as eleições parlamentares de dezembro, o Brasil abandonou a missão de supervisionar as eleições. Mas a presidente Dilma Rousseff, que está enfrentando uma campanha por seu impeachment, ainda não disse publicamente nenhuma palavra áspera contra Maduro e rejeitou o pedido de Macri de suspender a Venezuela do Mercosul. Do mesmo modo, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, protestou quando Maduro decidiu deportar imigrantes colombianos no ano passado, mas acabou rapidamente com a discussão - talvez por medo de que o governo esquerdista da Venezuela pudesse retirar seus esforços para ajudar Santos a chegar a um acordo de paz com as guerrilhas marxistas da Colômbia.

Esse acanhamento pode estar perdendo adeptos. Um grupo de pesquisa de opinião pública do Equador descobriu recentemente que 75 por cento dos entrevistados acreditavam que os líderes latino-americanos precisavam levantar a questão dos direitos humanos na Venezuela durante a cúpula. Talvez as pessoas tenham sido estimuladas pela atmosfera política na própria Venezuela, onde opositores ao regime de Maduro agora estão em vantagem no Congresso e recentemente recusaram o pedido do presidente por poderes extraordinários para lidar com a crise econômica.

Talvez seja esperar demais que o restante da região dê as costas a um vizinho em problemas, mas a América Latina não parece muito disposta a dar apoio um regime que está caindo. A voz mais ardorosa de apoio à Venezuela em Quito veio - notavelmente - de Cuba.

A cúpula não terminou em uma explosão de exaltação bolivariana, como já aconteceu antes, mas em uma convocação moderada para a luta contra a pobreza, melhora da segurança alimentar e aumento da integração regional diante dos ventos contrários da economia. É provável que esse plano não ajude muito a Venezuela com seus problemas internos, menos ainda a seus prisioneiros políticos, mas para uma região que tantas vezes já se rendeu aos encantos da voz no microfone, essa notícia é realmente animadora.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.