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Impaciente, Merkel se isola mais em meio à crise migratória

Arne Delfs

18/02/2016 15h25

(Bloomberg) -- A tensão começa a pesar sobre Angela Merkel.

Abandonada para trilhar o caminho solitário que escolheu durante a crise dos refugiados da Europa, a chanceler alemã zombou de seus colegas líderes europeus nesta semana por se recusarem a sair em seu auxílio ao atrasarem um plano de reassentamento. Em uma refeição privada, no mês passado, com executivos de jornais alemães críticos à postura dela, ela orgulhosamente serviu comida árabe e se irritou com a piada de um convidado, que disse que o peixe devia ter sido pescado por um refugiado, segundo uma pessoa informada sobre o incidente.

Após uma década no comando do país dominante da Europa, a chanceler melhor conhecida por suas ações e palavras calculadas está perdendo a paciência em um momento de dificuldade para conseguir aliados para ajudar a diminuir a carga dos refugiados sobre a Alemanha e garantir sua própria sobrevivência política. O resultado é que ela em raras oportunidades pareceu tão solitária ao retornar a Bruxelas para uma cúpula da União Europeia, na quinta-feira.

"Está bastante difícil para Merkel no nível da UE, especialmente depois que a França deixou claro que não receberá mais nenhum refugiado", disse Jan Kallmorgen, sócio da consultoria política Interel, em Berlim, em entrevista. "Mesmo que um pequeno grupo de países da UE feche um acordo para um mecanismo de reassentamento, a Alemanha terá que aceitar a maior parte desses refugiados".

Considerando que até o ano passado ela podia confiar no apoio da França e da Polônia, agora Merkel se vê forçada a testar novas alianças para conter a maior ameaça ao seu mandato. E com o futuro da Grã-Bretanha na UE no topo da agenda da cúpula, a chanceler está ajustando suas táticas para adiar um confronto europeu para depois das três eleições estaduais da Alemanha, em março.

Plano A

Embora Merkel reconheça que a Alemanha não pode receber mais 1 milhão de candidatos ao asilo, como fez no ano passado, ela não vê alternativas à busca de uma solução internacional que evite fechamentos de fonteira dentro da UE, segundo uma segunda pessoa familiarizada com a forma de pensar da chanceler. Isso significa que não há plano B e que uma redução tangível nas chegadas é necessária antes de o inverno dar lugar à primavera, disse essa pessoa.

A falta de progresso na questão dos refugiados "pode piorar as tensões políticas na UE a um ponto em que essas tensões podem se tornar relevantes para os mercados", disse Holger Schmieding, economista-chefe do Berenberg Bank. "Neste ano precisaremos observar os riscos políticos com mais cuidado que os dados econômicos da Europa".

A abordagem dela coloca Merkel à mercê de líderes como o presidente russo, Vladimir Putin, cujos ataques aéreos em apoio ao presidente Bashar al-Assad estão aumentando o êxodo de refugiados vindos da Síria. Também levou a uma improvável aliança com a Turquia, cuja proposta de adesão à UE sofreu oposição de Merkel e em cujas mãos ela deposita, agora, a maior confiança de conter o fluxo de pessoas do Egeu para a Grécia e para o norte, até a Alemanha.

Laços gregos

Em mais um sinal de mudança nas alianças de Merkel, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, agora é o líder com o maior interesse em ajudar a interromper as chegadas de refugiados. Diante da oposição quase universal na UE, Merkel insiste que a Grécia permaneça na zona de viagens sem passaporte da Europa, conhecida como área de Schengen, segundo duas pessoas com conhecimento de sua estratégia. O raciocínio dela repete o da manutenção da Grécia na zona do euro durante a crise da dívida: aqueles países que querem fechar a fronteira aos imigrantes e deixar a Grécia do lado de fora subestimam as possíveis consequências disso, pois minar a área de Schengen pode causar riscos imprevisíveis à Europa, disse uma das pessoas.

O leque de variáveis e atores com quem Merkel lida transforma o afluxo de refugiados em um problema muito mais complexo que a crise do euro, um desafio que um assessor da chancelaria comparou a fazer malabarismo com 500 bolas ao mesmo tempo. A resposta pública de Merkel é um pedido de paciência.

"Estou profundamente convencida de que o caminho que eu tomei é o correto para o nosso país e para a Europa e de que avançaremos passo a passo", disse ela, em entrevista ao jornal Stuttgarter Zeitung publicada na segunda-feira. "Temos uma estrada longa pela frente".