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Será que a Concacaf vai poder limpar sua barra?

Tariq Panja e David Voreacos

23/02/2016 13h07

(Bloomberg) - No dia 12 de fevereiro, as principais figuras de uma organização que foi um dos núcleos do dinheiro, do poder e da corrupção no futebol internacional por um quarto de século se reuniu a portas fechadas em Miami.

Desta vez não havia praias pontilhadas de palmeiras ou piscinas de fundo azul -- nada de suítes de hotéis cinco estrelas, nem contas de bar de US$ 25.000, nem strippers pagas com cartão corporativo.

E também não havia gordos envelopes de dinheiro para lubrificar as lucrativas engrenagens do futebol pelas Américas.

Em vez de tudo isso, foi entregue uma mensagem dura às oitenta e poucas pessoas reunidas no Sheraton Miami Airport naquela sexta-feira: limpem tudo ou tudo estará em risco.

Aquela reunião de emergência de 24 horas da Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe sintetizou tudo o que deu errado com o futebol e com o órgão que o administra, a Fifa -- e a dificuldade de desenrolar a teia de corrupção e ganância que envolveu o esporte mais popular do planeta.

Poucas pessoas nos EUA tinham ouvido falar do poder real do futebol nessa parte do mundo: a Concacaf, há décadas um dos lugares mais sujos do sujo negócio do futebol mundial.

Assim como a Fifa, cuja administração do futebol internacional e da Copa do Mundo virou praticamente sinônimo de corrupção, a Concacaf atualmente tem dificuldades para sanar décadas de pecados. Subornos, contratos arranjados, escândalos em votações -- a lista é longa.

Ambas as organizações insistem que levarão transparência e democracia aos negócios realizados há tempos nas sombras. Mas até mesmo quem está por dentro se preocupa a respeito de quanto as coisas mudarão ou, pior, até mesmo se é possível mudar. Um primeiro teste se dará nesta semana, quando a Fifa elegerá um sucessor para seu presidente em desgraça, Sepp Blatter, e a Concacaf votará sua própria série de reformas.

O resultado, em ambos os casos, é bastante incerto. Mas uma coisa está clara: a Concacaf, cujo alcance se estende do Panamá ao Canadá e inclui as potentes equipes nacionais dos EUA, está em uma encruzilhada desesperada. Documentos internos analisados pela Bloomberg mostram que o comportamento incorreto de alguns atores no passado foi pior do que se acreditava inicialmente. Entrevistas com dezenas de pessoas associadas ao grupo pintam o quatro de uma organização em crise.

Foi diante desse cenário que os delegados da região chegaram ao Sheraton em Miami no início do mês. Uma dupla de americanos estava lá para recebê-los: Carlos Vincentelli, consultor em Miami, e Samir Gandhi, advogado em Nova York. Eles trabalham desde junho para endireitar o barco da Concacaf.

Nem todos ficaram felizes em vê-los. Apesar das queixas de alguns membros, a dupla cortou orçamentos, congelou salários, estabeleceu um sistema de gestão limpa de recursos e encerrou 18 contratos questionáveis. Eles também propuseram mudanças abrangentes -- de diretores independentes a limites aos mandatos -- que, dizem eles, satisfará o Departamento de Justiça dos EUA, que ainda está investigando a organização.

Dentro do Pan Am Ballroom, no Sheraton, Vincentelli -- que trabalha para a Alvarez Marsal, uma empresa talvez mais conhecida por seu trabalho no processo de falência do Lehman Brothers -- expôs o estado precário das contas da Concacaf.

O que se vê é preocupante. Acusações criminais nos EUA e registros da Concacaf analisados pela Bloomberg News oferecem os detalhes completos da má gestão financeira, que continua muito depois da renúncia em 2011 do presidente Jack Warner, cujo indiciamento, em maio, ajudou a destronar Blatter na Fifa. O sucessor de Warner, Jeffrey Webb, prometeu reformas e declarou seu sucesso em 2014, dizendo que "a nova Concacaf está construída sobre uma base de confiança e transparência".

Mas o novo regime de Webb teve uma notável semelhança com o antigo e documentos analisados pela Bloomberg mostram que de 2012 a 2015 ele gastou o dinheiro da organização livremente. Além de um salário anual de US$ 2 milhões e o uso de um jato privado, Webb cobrou da organização "viagens de delegação" -- um eufemismo para extravagâncias ao redor do mundo. Uma viagem da Jamaica ao México custou US$ 96.000, segundo uma fatura analisada pela Bloomberg.

Webb também usou seu cartão de crédito corporativo para contas de bar e strip clubs e pelo menos uma delas foi de mais de US$ 25.000. Webb e seu vice, Enrique Sanz, aprovavam as despesas um do outro, um acordo que ajudou a dar uma BMW X5 nova para Sanz e concedeu negócios à esposa de Sanz.

O advogado de Sanz, Joseph A. DeMaria, disse que não havia nada de anormal nas transações. Sanz devolveu uma parte do preço do BMW como parte de seu contrato de rescisão, disse ele, e sua esposa, uma designer de móveis de luxo, cobrou da Concacaf uma tarifa com desconto.

O advogado de Webb, Edward O'Callaghan, não deu retorno aos vários telefonemas para comentar o assunto.

Quando o escândalo da Fifa se aproximava, Webb, aliado próximo de Blatter, ficou na defensiva. Ele usou o dinheiro da Concacaf para contratar uma empresa de segurança para varrer sua residência em Atlanta e o escritório da Concacaf em Miami em busca de dispositivos de escuta, segundo faturas e mensagens de texto analisadas pela Bloomberg News. Os investigadores também tentaram espionar o chefão do futebol nos EUA, Sunil Gulati, segundo mensagens de texto e um representante da Concacaf.

"Eu acho isso nojento", disse Gandhi. Ele fazia parte da equipe da megaempresa Sidley Austin LLP, de Chicago, que a Concacaf contratou em 2012 para catalogar os excessos da administração anterior. Mas Webb tinha instruções estritas para esses investigadores: as operações atuais da organização não estavam dentro do escopo do trabalho deles. "As pessoas dizem, 'por que vocês não agiram mais?'. Ocorre que se o cliente diz 'não faça isso', você não pode fazer".

Em maio, Webb e Warner foram indiciados sob acusações como extorsão, lavagem de dinheiro e conspirações de fraude eletrônica (um dos homens fortes do futebol na região, Chuck Blazer, famoso por ter usado recursos da Concacaf para manter seus gatos em um apartamento do Trump Tower, já havia secretamente se declarado culpado de acusações similares). Webb estava entre os sete funcionários da Fifa presos no Baur au Lac, em Zurique, mesmo hotel onde os delegados do futebol se hospedarão neste fim de semana.

Webb se declarou culpado em 23 de novembro de sete acusações no processo. Warner, que negou irregularidades, está se defendendo da extradição em Trinidad.

No Sheraton de Miami, Vincentelli disse aos participantes da reunião que a Concacaf, com receitas de cerca de US$ 80 milhões em um bom ano, após a prisão de Webb tinha escassos US$ 11 milhões em caixa. Desse total, US$ 9 milhões estavam fora do alcance, em contas nas Ilhas Cayman controladas por Webb. Naquele momento, disse Vincentelli, a Concacaf tinha apenas US$ 2 milhões restantes no banco. A American Express cancelou os cartões de crédito e o JPMorgan fechou a conta bancária da organização. Uma dezena de empresas financeiras rechaçou a organização antes de o U.S. Century Bank e o International Finance Bank concordarem em administrar suas contas.

A Concacaf usou parte desse dinheiro para contratar Vincentelli e trouxe de volta a Sidley Austin e Gandhi para que realizassem outra investigação interna.

Os problemas financeiros que eles descobriram refletiu o problema abrangente da organização: a investigação em andamento do Departamento de Justiça dos EUA. Em Miami, Gandhi apresentou um quadro jurídico desolador. Doze integrantes da Concacaf estão entre as 39 pessoas acusadas pelas autoridades federais dos EUA.

E então Gandhi deu uma notícia que foi considerada boa: a procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch, se mostrou favorável à Concacaf e inclinada a considerar a organização não como criminosa, mas como vítima. Assim, a organização poderia receber uma parte da restituição esperada de US$ 190 milhões, disse Gandhi. Mas para continuar nas boas graças do Departamento de Justiça, alertou, a organização precisa cooperar e adotar reformas -- ou correrá o risco de ser acusada.

No Sheraton, em meio a sanduíches e garrafas de água, os pesos-pesados da região estudaram suas opções.

"A verdade é que temos muita sorte de ter outra chance", disse Paul Hewlett, secretário-geral da Associação de Futebol das Ilhas Virgens Britânicas. "Se não fizermos uma reforma podemos ter problemas realmente sérios".