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Análise: Ninguém venceria guerra cambial mundial hoje

Satyajit Das

17/08/2016 17h10

(Bloomberg) -- Faz um ano que uma queda repentina de 1,9% do yuan sacudiu os mercados internacionais e provocou o medo de uma guerra cambial mundial. A China conseguiu acalmar os ânimos, moderando a desvalorização da moeda local desde então.

Mas o que realmente deveria ser tranquilizador é saber que ninguém --nem mesmo a China-- poderia vencer uma verdadeira guerra cambial hoje.

A tentação de obter vantagem sobre os competidores com uma moeda mais barata não diminuiu, é claro. Primeiro, a desvalorização traz a promessa de aumentar as exportações ao torná-las menos caras.

Quando um país tem financiamento externo substancial em sua própria moeda, a desvalorização também arquiteta uma transferência da riqueza dos poupadores estrangeiros, porque o valor em dólar desses títulos de dívida cai.

A moeda mais fraca também pode estimular a inflação porque o custo mais elevado dos produtos importados aumenta os níveis de preço.

Menos intervenções

Nos últimos anos, os governos têm evitado interferir diretamente nos mercados cambiais, preferindo usar políticas monetárias para ajudar a derrubar o valor de suas moedas. Essas políticas --exibidas notavelmente no Japão e na Europa-- supostamente visam a aumentar a demanda.

Mas famílias e empresas se mostraram relutantes em tomar mais empréstimos para financiar o consumo ou o investimento. Em vez disso, os juros baixos, e, em alguns casos, negativos, serviram para reduzir o custo do serviço da dívida e, ao estimular a fuga de capitais, colocar pressão sobre as moedas.

Não está claro, no entanto, se essa estratégia de desvalorização implícita pode trazer benefícios maiores. Por exemplo, uma moeda mais fraca já não garante aumento das exportações.

A demanda externa continua lenta por causa da desaceleração do crescimento mundial. O crescimento do comércio se desacelerou acentuadamente desde 2014.

Empresas globais

Além disso, a complexidade das cadeias de abastecimento internacionais de hoje, com a produção espalhada em vários países, solapa as vantagens de uma moeda mais barata.

Quando o iene estava forte, montadoras japonesas de automóveis transferiram fábricas para lugares mais baratos no exterior. Essas empresas não vão trazer as operações de volta para casa a menos que tenham certeza de que o iene não vai se fortalecer novamente.

Estimativas recentes do Banco Mundial sugerem que a queda das moedas teve apenas metade da eficácia no aumento das exportações entre 2004 e 2012 que no período anterior de oito anos.

Exportações com menos importância

Em muitos países, as exportações também são muito menos importantes que antigamente. Os EUA, em particular, estão muito mais contidos, e as importações e exportações juntas respondem por cerca de 20 por cento do PIB.

Embora a Europa esteja mais exposta ao comércio, a maior parte dele ocorre dentro da zona livre, onde muitos países compartilham a mesma moeda.

A exposição internacional da China é complexa porque o país atua hoje principalmente como centro de manufatura ou montagem, usando mão de obra local para transformar componentes importados em produtos intermediários ou finais.

Por isso, um yuan mais fraco tem menos impacto sobre a atividade econômica do que anteriormente.

Setores afetados

Setores fundamentais, como a manufatura avançada, as tecnologias da informação, os produtos farmacêuticos e o entretenimento, têm menor probabilidade de serem afetados pelas flutuações cambiais devido ao alto conteúdo de propriedade intelectual, à concorrência limitada e à predominância de contratos de longo prazo.

Os serviços, que estão desempenhando um papel cada vez mais importante na China e em outros lugares do mundo, são principalmente locais: um a cada quatro empregos na indústria dos EUA está vinculado ao comércio internacional, mas apenas 6% das vagas em serviços são afetadas do mesmo modo.

Restrições comerciais

E os países simplesmente se tornaram melhores na defesa contra bens barateados artificialmente. Eles agora empregam uma série de restrições comerciais dissimuladas, de políticas de contratação altamente restritivas a provisões de conteúdos locais que favorecem os fornecedores nacionais.

Muitos oferecem subsídios e financiamento preferencial aos produtores domésticos. Em 2015, o número de medidas discriminatórias introduzidas pelos governos aumentou 50% em relação ao ano anterior, e os países do G-20 foram responsáveis por cerca de 80% delas.

Variação cambial

Por último, é importante lembrar que outros fatores podem compensar as vantagens obtidas com a desvalorização. A volatilidade cambial e a incerteza tendem a desestimular investimentos empresariais de longo prazo. Uma moeda mais fraca também reduz o poder aquisitivo dos cidadãos.

O euro perdeu mais de 30% do valor frente ao dólar desde 2011, o que efetivamente diminuiu a receita e o patrimônio dos consumidores da zona do euro. Os australianos, extremamente dependentes das importações, perderam parcela similar do poder aquisitivo. Junto com a estagnação das receitas, isso só reduz ainda mais a demanda global.

Uma guerra cambial só pode ser vencida se um único país recorrer à desvalorização. Por definição, é impossível que todos os países tenham simultaneamente a moeda mais barata. Isso não significa que os países não tentarão obter vantagens sobre os competidores. Mas as chances de que eles sejam bem-sucedidos estão menores que nunca.