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Mito de US$ 2,6 tri: Anistia fiscal nos EUA não afetaria dólar

Andrea Wong

17/11/2016 10h05

(Bloomberg) -- Gente que aposta na alta do dólar enxerga no plano de Donald Trump de repatriar para os EUA até US$ 2,6 trilhões em lucros guardados no exterior uma oportunidade imperdível. O problema é que a maior parte do estoque pode já estar denominada na moeda americana.

Na semana passada, o dólar registrou o maior avanço em quase cinco anos, também devido à expectativa de que a proposta de anistia de impostos do presidente eleito embale a procura pela moeda.

No entanto, no caso da Apple -a integrante do S&P 500 com mais dinheiro guardado no exterior-, mais de 90 por cento dessa montanha de US$ 216 bilhões já estão em dólar, de acordo com ex-funcionários com conhecimento direto da situação que pediram anonimato. Na Microsoft, a segunda neste ranking, só os títulos denominados em dólar representam 66 por cento do caixa total, de acordo com documentos apresentados às autoridades. Os dados sugerem que, mesmo se Trump conseguir emplacar uma anistia fiscal similar à proposta de campanha de um período extraordinário com alíquota de 10 por cento, os efeitos disso seriam mínimos sobre a moeda de reserva preferida do mundo.

"Essas informações não são explícitas, mas a maioria do dinheiro já está em instrumentos financeiros denominados em dólar", disse Richard Lane, analista sênior da Moody's Investors Service. "Tudo o mais constante, não deve haver impacto direto sobre o dólar."

Código tributário

O código tributário dos EUA exige que as empresas locais paguem imposto sobre lucros obtidos no exterior, mas esses lucros só são tributáveis quando remetidos para a controladora. Assim, centenas de multinacionais americanas reinvestem seus lucros no exterior indefinidamente. O montante chegava a US$ 2,6 trilhões em 2015, de acordo com o Comitê Conjunto de Tributação do Congresso.

Não é fácil determinar quantos dólares as empresas mantêm no exterior. Primeiramente, não há dados oficiais. Em segundo lugar, as empresas são obrigadas somente a descrever de forma ampla os ativos que possuem e pouquíssimas detalham a moeda em que seus ativos estão denominados. Em terceiro lugar, raramente as empresas listam seus ativos por país de domicílio e, assim, investidores e estrategistas têm dificuldades para identificar a localização de instrumentos financeiros denominados em dólar.

Historicamente, os efeitos sobre o dólar de medidas de repatriação aplicadas a pessoas jurídicas são minimizados por questões de política monetária e atividade econômica.

A última vez em que o Congresso decretou um período de anistia fiscal, em 2004, 843 empresas trouxeram para casa aproximadamente US$ 300 bilhões. Embora o dólar tenha se fortalecido 13 por cento no ano seguinte, o principal determinante dessa valorização foi a decisão do banco central americano (Federal Reserve) de quase dobrar a taxa básica de juros para 4,25 por cento, de acordo com o JPMorgan Chase, o segundo maior do mundo na negociação de câmbio.

Para o banco, qualquer impulso ao dólar seria igualmente insignificante desta vez. O Fed estará próximo do fim do atual ciclo de aperto monetário em cerca de dois anos, bem quando o dinheiro guardado no exterior estaria a caminho de casa, o que atenuaria seu impacto já marginal, disse John Normand, responsável por pesquisa de câmbio, commodities e juros internacionais do JPMorgan. Em dezembro, o Fed elevou a taxa básica de juros pela primeira vez em quase uma década.

"O recado da experiência passada é que mudanças monetárias relativas são mais importantes e dominantes do que os fluxos corporativos de repatriação na determinação dos movimentos cambiais", escreveu Normand em relatório a clientes. "Essa questão de repatriação de lucros corporativos é uma distração para os mercados de câmbio."