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Como o Fed passou a dar maior importância ao mercado acionário

Matthew Boesler

31/03/2017 09h47

(Bloomberg) -- Há duas décadas, William Dudley está por trás das mudanças no pensamento das autoridades monetárias sobre como guiar a economia pelos altos e baixos do mercado financeiro. No papel de responsável pelo escritório regional do banco central dos EUA (Federal Reserve) em Nova York, ele está mostrando isso na prática aos colegas do Fed durante o atual ciclo de aperto monetário.

Resumidamente, a contribuição de Dudley é fazer com que as autoridades prestem mais atenção nas oscilações das bolsas e em seus impactos sobre a economia. Inspirado pelo trabalho do Banco do Canadá na década de 1990, ele vem desenvolvendo desde então uma ideia que pode fazer o Fed acelerar - ou desacelerar - o ritmo de acréscimos nos juros, dependendo dos movimentos do mercado.

"Não acho que estejamos retirando a jarra de ponche ainda. Só estamos adicionando um pouco mais de suco de frutas", brincou Dudley na quinta-feira durante um discurso em Sarasota, na Flórida.

O título do discurso era "A Importância das Condições Financeiras na Condução da Política Monetária". Seus comentários foram parecidos com os de um discurso que ele fez 21 anos atrás e ajudam a explicar porque o Fed teve tanta dificuldade para subir os juros em 2016 e porque aparentemente o trabalho do banco central americano está mais fácil neste ano.

No início da década de 1990, o banco central canadense, com sede em Ottawa, enfrentava um problema de comunicação: a volatilidade dos fluxos de capitais no mercado financeiro internacional estava provocando oscilações na moeda local. Por sua vez, isso atrapalhava o cumprimento das metas econômicas por meio da ferramenta tradicional de política monetária, a taxa de juros de curto prazo, segundo relato de Charles Freedman, que foi vice-presidente do Banco do Canadá entre 1988 e 2003.

"Para haver entendimento sobre isso, nós desenvolvemos um 'índice de condições monetárias' que, basicamente, juntou os dois canais", disse Freedman, que hoje é professor de economia da Universidade Carleton, em Ottawa.

"Era possível olhar para aquele índice e concluir que os juros não tinham se mexido, mas a taxa de câmbio sim e, portanto, as condições de mercado e monetárias haviam se tornado mais flexíveis ou rígidas, dependendo da direção", ele contou.

A ideia logo pegou em Wall Street, inclusive no Goldman Sachs, onde Dudley atuava como economista-chefe.

Em fevereiro de 1998, Dudley e sua equipe no Goldman perceberam uma sinalização do então presidente do Fed, Alan Greenspan, que havia dito ao Congresso que, embora os juros ajustados pela inflação tivessem subido, "em virtualmente todos os outros aspectos, os mercados financeiros continuavam com uma postura de acomodação e, de fato, a julgar pelo avanço dos preços das ações, estavam proporcionando ímpeto adicional ao gasto doméstico". Dois anos depois, a bolha da internet estourou nas bolsas.

Ferramenta popular

Após o depoimento de Greenspan, a equipe de Dudley acrescentou uma métrica do mercado acionário ao índice de condições monetárias, transformando-o em um "índice de condições financeiras" - uma ferramenta que ganhou popularidade entre os analistas nos últimos dois anos, à medida que o Fed tenta se livrar dos juros próximos de zero em uma economia global propensa a ataques de nervos.

Os investidores já haviam adotado a visão de que Greenspan efetivamente sustentaria o mercado acionário cortando os juros quando as bolsas desabassem, como havia feito em 1987. O que distinguia a abordagem de condições financeiras era a sinalização para ajustar a política monetária na direção oposta quando os preços dos ativos avançassem.

Hoje, Dudley é vice-presidente do comitê que define a taxa básica de juros nos EUA. Essa influência e a importância que ele dá há tanto tempo ao mercado acionário significam que a instituição, com a equipe atual, pode ser mais sensível a oscilações exageradas dos preços das ações nas duas direções do que quando estava sob outra chefia.