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Investimento agrícola chinês em Moçambique gera protesto local

Bloomberg News

23/05/2017 12h29

(Bloomberg) -- Dentro de um condomínio fechado patrulhado por guardas armados, torres enormes e edifícios de concreto elevam-se sobre os campos onde Silva Muthemba antigamente cultivava milho e engordava seu gado.

Os celeiros e câmaras de vigilância neste lugar da região sul de Moçambique fizeram parte de uma onda de investimentos chineses em companhias agrícolas e fazendas no exterior, há uma década, que desencadeou acusações de apropriação de terras enquanto o país asiático tentava conseguir alimentos suficientes para seu futuro.

O governo de Moçambique se uniu à província chinesa de Hubei para desenvolver a região, na esperança de que a produtividade voltasse aos níveis registrados antes da guerra civil de 16 anos do país africano. Foi assim que chegou a Wanbao Grains & Oils, empresa com sede em Hubei que gastou US$ 250 milhões em irrigação, maquinário e preparação do local de 20.000 hectares para cultivar arroz e milho.

Mas o projeto se tornou uma lição sobre as armadilhas de tentar iniciar grandes projetos agrícolas em países pobres, uma história de política, protestos e desastres naturais que explica por que o modelo de investimentos agrícolas da China no exterior está tendendo mais à compra de marcas estabelecidas em países desenvolvidos.

"Perdemos terras de pastagem para os chineses", disse Muthemba, ao lado de sua casa nas vastas planícies da província de Gaza, perto da foz do rio Limpopo. "Eles disseram que teríamos empregos no cultivo do arroz, mas não temos."

Diante da redução da área de terras aráveis boas e de uma população de 1,4 bilhão habitantes que estão comendo mais, as companhias agrícolas chinesas vêm comprando ou arrendando fazendas no exterior há décadas. Depois da crise mundial de alimentos, quando os preços dos grãos subiram entre 2006 e 2008, esse investimento ficou a todo vapor. Mas muitos projetos foram assolados por corrupção, desconfiança, resistência local e restrições comerciais.

"Em geral, eles não atingiram os objetivos que estabeleceram", disse Shenggen Fan, economista agrícola que cresceu em uma fazenda perto de Xangai e agora chefia o Instituto Internacional de Pesquisa sobre Políticas Alimentares, com sede em Washington. "A conclusão geral foi que não foi um bom investimento ? foi rápido demais."

A família de Muthemba estava entre os 8.000 que perderam o acesso às terras agrícolas no Baixo Limpopo há cinco anos, o que provocou manifestações, de acordo com Anastacio Matavel, que chefia o Fonga, um grupo de cerca de 270 organizações não governamentais em Gaza.

Armando Ussivane, presidente da empresa do governo moçambicano que gerencia o Vale do Limpopo e concedeu o contrato da Wanbao, disse que a terra havia sido abandonada desde a guerra civil e que nenhuma família foi deslocada.

Ele disse que a ideia era que os chineses trariam tecnologia e investimento para restabelecer a irrigação, aumentar os rendimentos e ensinar os agricultores locais, para que pudessem ajudar a antiga colônia portuguesa a se tornar menos dependente das importações. A Wanbao tinha construído escolas e estradas para a comunidade local e havia treinado 300 fazendeiros locais, disse Ussivane em uma entrevista por telefone.

Telefonemas para o escritório da Wanbao na China não foram respondidos, e o governo de Hubei preferiu não fazer comentários sobre a situação no Vale do Limpopo. Funcionários do projeto disseram que não estavam autorizados a falar com a imprensa. O Ministério da Agricultura da China não respondeu aos pedidos de comentários.

Em frente a uma das seis barracas de palha que compartilha com sua família, Muthemba disse que os moradores concordaram com o projeto porque o governo prometeu que eles receberiam de volta terras melhores para a agricultura. "Mas o tempo está passando, e nada."