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Análise: Não conte com inovação para superar estagnação

Satyajit Das

29/05/2017 11h23

(Bloomberg) -- Todos esperam que a inovação salve o mundo da estagnação econômica. Eu não tenho tanta certeza de que isso acontecerá.

A inovação tem dimensão suficiente para ser significativa dependendo do grau em que altera a atividade existente ou o desempenho de uma função. Ela precisa criar atividades relacionadas e auxiliares que por sua vez gerem empregos, riqueza e outras descobertas em um ciclo virtuoso. Precisa ter longevidade, precisa poder ser explorada por longos períodos.

Essas características são a razão pela qual a Segunda Revolução Industrial (eletricidade, motores de combustão interna, comunicação moderna, entretenimento, hidrocarbonetos e por aí vai) conseguiu elevar a produtividade e os padrões de vida.

As inovações da atualidade provavelmente não serão nem de perto tão poderosas.

A maioria das novas tecnologias traz benefícios significativos, mas não muda radicalmente a forma de fazer as coisas. Um automóvel sem motorista ou elétrico é apenas um novo tipo de carro. Não significa o salto quântico que o transporte motorizado representou em relação aos seus antecessores que dependiam de tração animal.

O e-mail melhora a velocidade da comunicação, mas não é tão radical quanto o advento da telefonia. Plataformas como eBay, Uber e Airbnb são meramente novos mercados que combinam compradores e vendedores. Os megadados são apenas uma forma mais sofisticada de gerenciar informações e análises estatísticas.

Além disso, muitas das empresas de tecnologia da atualidade se concentram no consumo, melhorando o marketing e a distribuição de produtos e serviços já existentes. Muitas focam no entretenimento e na comunicação, com impacto tangencial sobre a produtividade. A maioria enfatiza a melhora da velocidade, da capacidade, do poder e da eficiência, e não a mudança do trabalho em si.

O software de processamento de palavras não eliminou a necessidade de digitar documentos, mas eliminou os secretários e as equipes de digitação, forçando os indivíduos a realizarem a tarefa por conta própria.

As novas tecnologias também tendem a canibalizar setores existentes, o que limita seu efeito sobre o crescimento e a produtividade. Smartphones e tablets canibalizaram computadores, telefones celulares, tocadores de música portáteis como o Walkman e assistentes digitais como o antes onipresente Palm Pilot.

Eles substituíram as câmeras de baixa qualidade e os relógios. Eles incorporaram GPS e outras tecnologias independentes. A Alphabet e o Facebook desviam receitas de publicidade de jornais e revistas. A Amazon.com e outras empresas varejistas on-line tiraram participação de mercado das empresas consolidadas do setor. A Netflix canibalizou a televisão, as videolocadoras e os cinemas.

Poucas dessas empresas criam fluxos de renda completamente novos. O ganho de receita do smartphone é compensado pela queda da receita de todos os produtos que ele substitui. Os novos produtos redirecionam o capital de investimento e não são necessariamente incrementais, pelo menos não significativamente.

É verdade que muitas inovações recentes reduziram custos. Mas muitas vezes o fizeram usando produtos de qualidade inferior e trabalhadores pouco capacitados ou extraindo receitas de ativos pessoais. A Airbnb permite que as pessoas aluguem seus próprios alojamentos para acomodação.

O Uber permite que as pessoas usem seus próprios carros para oferecerem caronas aos outros (ou resultam em regulações de arbitragem). Muitos serviços de mídia e entretenimento on-line confiam em colaboradores que oferecem seus serviços gratuitamente.

Uma revolução desse tipo muda a economia do setor. As novas tecnologias têm taxas de publicidade reduzidas, o que beneficia os anunciantes, mas prejudica as empresas que dependiam delas. A Uber e a Airbnb geraram o mesmo efeito sobre os táxis e hotéis, reduzindo os lucros dos operadores estabelecidos. Produtos e serviços de custos mais baixos deixam mais renda disponível para os consumidores gastarem em outras partes.

Mas o custo menor normalmente vem à custa do emprego ou dos salários. A perda de renda compensa a economia. Em um modelo econômico que é 60 por cento ou 70 por cento movido pelo consumo, isso afeta a atividade econômica total.

Outro motivo para ceticismo é que muitos novos setores não exigem investimento substancial, nem criam empregos bem remunerados. Muitos podem ganhar escala facilmente: com as plataformas eletrônicas, a expansão da atividade não necessariamente exige uma expansão proporcional dos investimentos e da capacidade.

Muitas novas empresas de tecnologia, finalmente, se baseiam em modelos de negócio inverossímeis. Em vez de substituírem as concorrentes por meio da eficiência ou criando novos mercados, elas muitas vezes buscam simplesmente convencer os investidores de que seu domínio futuro do mercado é inevitável.

Embora possam ter crescimento a longo prazo e produtividade potencial limitados, essas empresas ainda geram apelo entre os capitalistas de risco, que esperam extrair valor a curto prazo vendendo o negócio a uma empresa consolidada ou abrindo seu capital. Normalmente, a concorrência aumenta os gastos por meio de uma expansão maior e de custos de aquisição de clientes, estendendo o período para recuperação do investimento e resultando em retornos ruins a longo prazo.

Resumidamente, há poucos motivos para acreditar que a onda atual de inovação superará a estagnação. Seu efeito geral sobre a atividade econômica e os padrões de vida é mais baixo do que se crê.

O fracasso dos remédios tradicionais em restaurar a saúde das economias avançadas tornou as autoridades, que muitas vezes precisam de assistentes para operar seus aparelhos digitais, vulneráveis ao canto da sereia da tecnologia, que promete um conserto rápido e indolor.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.