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Equipe forense trabalha para identificar mortos na África do Sul

Pauline Bax

31/10/2018 13h11

(Bloomberg) -- Depois de manipular o corpo de um homem que morreu de traumatismo por objeto contundente em um aparente acidente de carro, a antropóloga forense Trisha-Jean Mahon passou para a maca seguinte na sala iluminada de néon do necrotério em Johannesburgo, na África do Sul. Como muitos dos cadáveres do lugar, este não tinha identidade.

"Ah, ele tem tatuagens", disse ela, olhando atentamente para as letras grosseiramente esboçadas na perna esquerda do jovem. "Fantástico!"

Tatuagens, DNA e cicatrizes são indícios vitais que Mahon, 28, e sua equipe de cientistas forenses integrada principalmente por mulheres coletam na tentativa de identificar milhares de pessoas que são enterradas anonimamente na África do Sul todos os anos. Acredita-se que a maioria dessas pessoas são migrantes que foram para o país mais industrializado da África em busca de trabalho, em particular para Johannesburgo, o centro econômico do país.

O grande número de corpos não identificados que passam pelas morgues da África do Sul é um fardo para o Estado e um dilema moral para os cientistas forenses. Quando as pessoas são enterradas em campos fora da cidade, três meses depois, no máximo, as chances de serem identificadas algum dia são quase nulas.

"Não podemos analisar casos antigos. Não temos um banco de dados eletrônico -- trabalhamos com papel", disse a patologista forense Candice Hansmeyer, que foi fundamental na criação do projeto-piloto apoiado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha para melhorar a coleta e o armazenamento de dados post-mortem.

Quando estiver funcionando, a Cruz Vermelha espera lançá-lo em outros países africanos.

Sem identificação

Dados de 11 morgues de Gauteng, a mais populosa das nove províncias da África do Sul, destacam o tamanho do problema: uma média de 5 por cento dos casos permaneceu sem identificação no ano passado, ou cerca de 901 pessoas. Isso pode ser comparado com 31 corpos não identificados na Inglaterra e no País de Gales, que juntos têm aproximadamente a mesma população que a África do Sul.

Os números geralmente são maiores no necrotério de Johanesburgo, um prédio de tijolos de dois andares perto de Hillbrow, um bairro famoso pela pobreza e pelos crimes violentos. É uma das duas instalações provinciais com um scanner de raios-X de corpo inteiro, o que significa que muitas vezes a equipe forense tem que trazer corpos de outros necrotérios e fazer fila na entrada dos fundos para esperar um turno.

É um lugar sombrio, com sinais de sangue nos pisos de cimento úmidos, lixeiras transbordando de equipamentos de proteção usados e um odor marcante no ar.

Mas Mahon está entusiasmada enquanto dirige as sessões de identificação com três colegas e dois alunos que ajudam no projeto.

Duas vezes por semana, ela examina os corpos que não foram identificados sete dias após chegarem às instalações. Tiram fotos de joias, roupas, cicatrizes, tatuagens e piercings. O DNA é obtido a partir da unha de um dedo do pé, de cabelos e de sangue. Os dentes são estudados e são feitas novas impressões digitais.

Toda essa informação é ingressada em um formulário padronizado com base nas diretrizes da Interpol e colocada em um banco de dados eletrônico. Desde julho de 2017, a unidade conseguiu identificar 39 de 108 corpos anônimos escolhidos aleatoriamente -- uma pontuação que Mahon considera "ótima -- estávamos esperando zeros". Dos identificados, 16 eram cidadãos sul-africanos.