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Pequenos mineiros ignoram regras globais sobre `ouro de sangue'

Susanne Barton, Godfrey Marawanyika e Ezra Fieser

26/11/2018 12h01

(Bloomberg) -- Quando seus colegas mineiros o tiraram de um buraco no deserto, Keith Gushure estava coberto de lama.

Gushure, 21, segurava uma picareta e um martelo. Ele tinha passado as últimas 18 horas escavando para tentar extrair ouro da mina de 17 metros que ele ajudou a cavar, um dos vários buracos profundos que pontilham a paisagem plana e seca de Umguza, no Zimbábue, 372 quilômetros a sudoeste da capital Harare.

Apesar do calor, Gushure sorri. Ele conseguiu extrair do poço escuro o bastante do metal precioso para justificar mais uma vez ter passado os últimos quatro meses longe da esposa e do filho.

"Tenho que alimentar minha família", disse ele.

Gushure e outros como ele - o eufemismo do setor para o trabalho extenuante que eles fazem é mineração "artesanal", como se eles fossem refinados ourives ingleses - terão mais dificuldade para vender esse ouro legitimamente sob novas diretrizes da London Bullion Market Association (LBMA). Parte do que eles mineram pode ser classificada como "ouro de sangue" - ou seja, ouro produzido fora de qualquer regra de segurança ou ambiental e que possivelmente contribui para crimes como trabalho infantil, escravidão e financiamento de armas ilegais. Investidores internacionais exigiram que os produtores respeitem padrões de mineração responsáveis.

"Embora os mineiros daqui queiram cumprir as normas, muitos não conseguirão", disse Dosman Mangisi, porta-voz da Federação de Mineradores do Zimbábue. "É uma ideia nobre, mas pode ser cara demais para nós."

O programa Responsible Gold Guidance, da LBMA, lançado em 2012, é obrigatório para as refinarias credenciadas pela LBMA, que são auditadas anualmente e devem publicar relatórios. O programa declarou sua primeira vitória recentemente na República Democrática do Congo, onde sabe-se que rebeldes vendem minerais para financiar a rebelião armada. Uma refinaria de "boas remessas" conseguiu rastrear seu ouro artesanal até fontes que cumprem as normas.

Em 1º de janeiro, a associação apresentará uma nova versão das diretrizes que abrangem os chamados padrões ambientais, sociais e de governança. O apetite dos investidores por esses critérios aumentou nos últimos anos, e gestores de ativos como a BlackRock passaram a oferecer um número crescente de fundos.

As diretrizes são as mesmas para refinadores de produtores de grande e pequeno porte, o que deixará muitos mineiros artesanais, que fornecem 20 por cento do ouro do mundo, fora da equação.

"As novas diretrizes foram elaboradas para encorajar os refinadores a trabalhar mais de perto com as mineradoras a fim de garantir que elas estejam minerando com responsabilidade", disse a CEO da LBMA, Ruth Crowell, por e-mail. O principal objetivo da associação é "buscar e encorajar melhorias anuais nesses padrões, em vez de aplicar requisitos que somente as maiores mineradoras conseguirão cumprir".

Os mineiros de pequena escala respondem por mais da metade da produção de ouro do Zimbábue e são uma parte tão importante da economia que o governo fechou os olhos para as violações, segundo Jee-A van der Linde, economista da NKC African Economics na Cidade do Cabo.

Segundo a lei do Zimbábue, os produtores são obrigados a vender seu ouro para a Fidelity Printers and Refiners, uma unidade do banco central. Mas, "dada a escassez de empregos e a incapacidade dos zimbabuanos de seguir canais formais, esses mineiros artesanais provavelmente acabam vendendo seu ouro no mercado paralelo", disse Van der Linde. A Fidelity não respondeu a pedidos de comentários.