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Relatório culpa indústria alimentar por obesidade e desnutrição

Corinne Gretler e Naomi Kresge

28/01/2019 15h24

(Bloomberg) -- A Big Food, como são chamadas as grandes empresas multinacionais de alimentos e bebidas, são retratadas como a nova Big Tobacco, as maiores multinacionais da indústria do tabaco, em um relatório abrangente que liga a influência do setor a uma epidemia global de obesidade e também à desnutrição e à mudança climática.

A Comissão sobre Obesidade do periódico médico-científico The Lancet considera que um setor focado no crescimento é culpado por um sistema que empanturra as populações com calorias vazias, ao mesmo tempo em que usa indevidamente terras, energia e outros recursos. Sem citar empresas, o relatório divulgado na noite de domingo pediu que a influência do setor -- liderado por multinacionais como Nestlé, McDonald's e Coca-Cola -- fosse restringida nas discussões relacionadas a políticas públicas.

Elaborado durante três anos, o relatório ecoou acusações feitas anteriormente a setores como tabaco, álcool, energia e armas de fogo, por usar influência política para moldar leis, políticas e diretrizes de saúde. O painel composto de 43 membros apontou as proezas do lobby das empresas de alimentos como uma explicação para recomendações nutricionais que às vezes são contrárias a evidências científicas.

"Embora os alimentos sejam claramente diferentes do tabaco porque são necessários para sustentar a vida humana, esse não é o caso dos alimentos e bebidas não saudáveis", disse William Dietz, professor da Universidade George Washington e um dos autores, em um comunicado. "As semelhanças com a indústria do tabaco estão nos danos que ambas provocam e no comportamento das corporações que lucram com isso."

A indústria de bebidas respondeu que continua comprometida com o apelo das Nações Unidas para melhorar a saúde pública com medidas como a oferta de bebidas com pouca ou nenhuma caloria, embalagens menores e marketing responsável, afirmou o Conselho Internacional de Associações de Bebidas, que tem sede em Washington, em uma declaração enviada por e-mail.

É "lamentável que os autores deste artigo adotem uma abordagem restritiva e excludente para problemas amplos", afirmou o grupo do setor. A Coca-Cola afirmou que apoia a visão do conselho. Representantes do McDonald's e da Nestlé preferiram não comentar antes de analisar o relatório.

A taxa global de obesidade quase triplicou nas últimas quatro décadas e mais de um terço dos adultos do mundo estão agora em uma faixa de peso que aumenta os riscos de doenças cardíacas, câncer e outros distúrbios, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. Ao mesmo tempo, quase metade das crianças com menos de cinco anos não obtém nutrientes necessários -- principalmente em países de baixa e média renda -- mesmo com o aumento do peso médio.

Mudança climática

A mesma abordagem insustentável da agricultura e da produção de alimentos que provoca obesidade e desnutrição também impulsiona a mudança climática, disseram os autores do relatório do The Lancet.

"A coexistência de obesidade e desnutrição nas mesmas crianças em alguns países é um sinal de alerta urgente -- e ambas serão exacerbadas pela mudança climática", já que a mudança nos padrões climáticos dificulta a produção de alimentos, de acordo com o comunicado.

O grupo pediu um acordo que exclua a indústria de alimentos e bebidas da elaboração de políticas, semelhante às convenções globais da OMS sobre o tabaco. E como a produção de alimentos é uma das que mais contribui para a mudança climática, US$ 5 trilhões em subsídios do governo dos EUA que atualmente são destinados a grandes empresas agrícolas e combustíveis fósseis devem ser direcionados para a agricultura e o transporte sustentáveis, segundo o relatório.

Repórteres da matéria original: Corinne Gretler em Zurich, cgretler1@bloomberg.net;Naomi Kresge em Berlin, nkresge@bloomberg.net