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Argentina anseia por dólares da soja, mas fazendeiros recuam

Jonathan Gilbert e Ignacio Olivera Doll

19/03/2019 15h27

(Bloomberg) -- Aimar Dimo sorria de orelha a orelha quando mostrava no telefone celular o vídeo de uma colheitadeira que trabalhava na enorme safra de milho de sua fazenda nos Pampas. O banco central argentino, que luta para defender a moeda importante de pior desempenho no mundo, ficará feliz se a safra for vendida rapidamente e trouxer dólares para o país.

Dimo e outros fazendeiros não têm intenção de fazer isso.

Diante da fraqueza da moeda local e da guerra comercial que tirou a vitalidade dos mercados globais, agricultores planejam armazenar boa parte da colheita. Eles apostam que os preços vão subir e que o peso vai se depreciar - exatamente o que o banco central quer evitar.

As autoridades elevaram o juro anual para acima de 60 por cento, na tentativa de sustentar a taxa de câmbio até a entrada dos recursos gerados com a venda da safra recorde de milho e da quinta maior safra de soja da história do país, estimados em US$ 22,5 bilhões.

"Está claro que o ritmo de vendas pelos fazendeiros está mais cauteloso do que o normal", disse Gustavo Idigoras, presidente da Ciara-Cec, a câmara de exportação e processamento agrícola da Argentina, que tem entre seus integrantes as tradings internacionais Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus. "Eles estão especulando sobre a moeda e os preços em Chicago."

Os fazendeiros entraram em contratos para venda de 8,6 milhões de toneladas de soja, ou apenas 16 por cento da safra. Nesta mesma época no ano passado, a parcela compromissada era de um terço, segundo dados oficiais.

Dever patriótico

O périplo do banco central reacendeu um antigo debate sobre se os fazendeiros têm dever patriótico de vender a soja para sustentar o peso - e melhorar o saldo comercial e fiscal da Argentina - em vez de armazenar o produto, fazendo uma espécie de poupança.

Dimo não compra a ideia. "Ninguém vai vender para bancar o herói", disse ele na semana passada durante uma feira agrícola realizada perto de Rosário.

Outro fazendeiro, Ricardo Yapur, dono de 15 quilômetros quadrados de terras em Pergamino, na província de Buenos Aires, pretende vender apenas a metade do que colheu para pagar as dívidas que contraiu para o plantio.

Depois disso, a intenção é entregar o restante a exportadores "caminhão por caminhão" para pagar as contas do dia a dia, como a mensalidade da escola dos filhos. "Não é especulação", disse Yarur. "É proteger minha moeda, que é o grão."

Endividados

No entanto, em uma potencial queda de braço com o banco central, os agricultores não têm somente vantagens. Após a seca severa do ano passado, muitos se endividaram para plantar soja e milho. Agora precisam honrar esses pagamentos e cumprir acordos de permuta com fornecedores de sementes, agroquímicos e combustíveis. E eles também precisam de recursos para plantar trigo de inverno e cevada.

E o banco central tem outra fonte de dólares a caminho. Na segunda-feira, representantes do Fundo Monetário Internacional liberaram acesso ao próximo desembolso de uma linha de crédito à Argentina, no valor de US$ 10,9 bilhões. O Tesouro usará o dinheiro para ofertar US$ 60 milhões por dia no mercado de câmbio a partir de abril.

A quantia se soma aos US$ 4,1 bilhões a serem pagos em títulos que vencem em 22 de abril e 7 de maio, dando mais força ao peso. Sendo assim, fazendeiros que apostam em depreciação cambial podem ser pegos de surpresa.

Mas há outro fator importante neste enredo: a inclinação dos argentinos a dolarizar suas economias em anos de eleição. A população já está apertando os cintos após o PIB encolher 2,5 por cento no ano passado. Se a ex-presidente Cristina Fernandez de Kirchner disparar nas pesquisas de intenção de voto com promessas de reverter as reformas pró-mercado do atual presidente Mauricio Macri, a fé no peso pode ser abalada.

(Com a colaboração de Patrick Gillespie e Alec D.B. McCabe)