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América Latina se sobressai pela autonomia dos bancos centrais

Sydney Maki, David Biller e Ben Bartenstein

12/07/2019 17h04

(Bloomberg) -- Enquanto o presidente americano, Donald Trump, ataca o Federal Reserve e reacende o debate global sobre a independência dos bancos centrais, a América Latina pende para o outro lado.

Após décadas de inflação galopante, os governos da região conseguem não se envolver na política monetária. A Venezuela é exceção, mas governos de direita no Brasil e Argentina estão fortalecendo a autonomia dos bancos centrais. Nem mesmo o novo governo populista do México cedeu à tentação de interferir.

"De certo modo, os bancos centrais são guardiões da credibilidade macroeconômica", disse Alejandro Cuadrado, chefe global de câmbio do Banco Bilbao Vizcaya, em Nova York. "No caso das grandes economias latino-americanas, acho que isso está bem compreendido."

A tendência na América Latina contrasta com o que ocorre em outros mercados emergentes, como Turquia e Índia, onde os bancos centrais têm sido pressionados a mudar de rumo pelos governantes. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, demitiu o comandante do BC e a Índia escalou um de postura mais branda quando o antecessor se demitiu após brigar com o primeiro-ministro.

Trauma

A hiperinflação é marca da América Latina ? no Chile na década de 1970, no Brasil nos anos 1990 e, mais recentemente, na Argentina.

"Por causa do trauma, as pessoas aceitam que é bom ter inflação baixa e só se pode garantir inflação baixa quando o banco central é independente ou autônomo", afirmou Monica de Bolle, diretora do programa de estudos latino-americanos da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins, nos EUA. "Isso torna a América Latina diferente de qualquer outro lugar."

O Chile deu autonomia à autoridade monetária em 1989 e iniciou o regime de metas de inflação no ano seguinte. O país nunca se arrependeu. A inflação recuou na década seguinte e tem se mostrado baixa e estável.

Aprendizado lento

Outros países demoraram mais para aprender.

A autonomia do Banco Central do Brasil foi comprometida durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, desencadeando um período de recessão, inflação e desemprego elevados, na visão de Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, em Nova York. Agora o país caminha na direção contrária, com maior probabilidade de o governo consolidar a independência formal da autoridade monetária.

O caso da Argentina é mais óbvio. Quando presidente, Cristina Fernández de Kirchner demitiu o comandante do BC quando ele se recusou a transferir bilhões de dólares das reservas internacionais para o pagamento de dívidas do governo. Seu sucessor, Mauricio Macri, subiu as metas de inflação no meio do mandato, alimentando boatos de que ele estava fazendo isso para que os juros caíssem depois. A mudança foi citada como gatilho para a devastadora crise de confiança enfrentada pela Argentina.

O país alterou essa trajetória desde então, permitindo que o BC implementasse uma das políticas monetárias mais rigorosas entre os emergentes a fim de defender o peso.

De lá para cá

Mesmo o polêmico líder esquerdista do México, Andrés Manuel López Obrador, repetiu várias vezes que seu governo não vai interferir na política monetária. Ainda assim, o pedido de demissão do ministro da Fazenda, nesta semana, intensificou o temor de que o presidente acabará fazendo pressão por cortes de juros diante da fraqueza persistente do crescimento econômico.

López Obrador "prejudicou a independência de praticamente todas as instituições até agora", afirmou Edwin Gutierrez, gestor de recursos da Aberdeen Asset Management em Londres, por e-mail. O BC "será o último a cair".

No resto da América Latina, a ortodoxia predomina.

A maioria dos políticos aqui sabe que, se a inflação alta voltar, sua aprovação cai e dificilmente são reeleitos, disse o ex-presidente do BC, Armínio Fraga, em entrevista realizada no Rio de Janeiro. Segundo ele, essas lições não ficam para sempre, mas parece que estão se mantendo.

--Com a colaboração de Philip Sanders e Carolina Millan.

Repórteres da matéria original: Sydney Maki em N York, smaki8@bloomberg.net;David Biller no Rio de Janeiro, dbiller1@bloomberg.net;Ben Bartenstein em Lima, bbartenstei3@bloomberg.net