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Especialistas debatem se surto de coronavírus já é pandemia

John Lauerman

27/02/2020 14h40

(Bloomberg) -- Salas de aula vazias, restaurantes fechados e hospitais lotados. Essa era a cena na Cidade do México em 2009, quando uma nova cepa do vírus da gripe contaminou grande parte do país e se espalhou pelo mundo.

Apenas 11 anos após o surto de gripe suína, que infectou mais de 60 milhões de pessoas somente nos Estados Unidos e matou meio milhão em todo o mundo, o novo coronavírus ameaça desencadear outra epidemia global.

Autoridades de saúde tentam conter o vírus causador da Covid-19, uma doença semelhante à pneumonia que pode ser grave em uma minoria de pacientes e se espalhar por meio de outras pessoas que parecem saudáveis. A taxa de mortalidade, estimada em cerca de 2%, é mais alta do que o 0,1% da gripe sazonal, outra infecção pulmonar, mas é muito mais baixa do que a da Síndrome Respiratória Aguda Grave, ou SARS, o vírus que matou cerca de 9,6% das 8 mil pessoas infectadas. Agora, pesquisadores e rastreadores de doenças estão à beira de chamar o surto de coronavírus de pandemia, uma crise que provavelmente afetará o mundo inteiro.

"Estamos quase lá", disse William Schaffner, especialista em doenças infecciosas da Universidade Vanderbilt com experiência nas pandemias da gripe asiática, de Hong Kong e gripe suína.

Dois meses depois de surgir na província chinesa de Hubei, o coronavírus atinge pelo menos quatro continentes, com um número crescente de casos e enormes respostas no Irã, Coreia do Sul, Itália e Japão. Mais de 80 mil casos foram relatados, incluindo cerca de 2.800 mortes. Os EUA relataram um caso suspeito de transmissão na comunidade, que poderia não estar ligado a um surto estrangeiro.

Contudo, a maioria dos casos e focos é rastreável, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o que significa que o contágio de comunidade fora da China ainda é escasso. As perguntas sobre a natureza do vírus destacam a relutância da OMS em chamar o surto de pandemia, especialmente enquanto há sinais de transmissão mais lenta ou interrompida em alguns países.

Uma pandemia não tem uma definição numérica formal, disse Schaffner, que aconselhou os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA em infecções. É uma epidemia que se torna global, se espalhando por vários países. Na maioria dos casos, as medidas para conter a epidemia em uma região ou país falharam e o objetivo muda para a mitigação, na tentativa de aliviar o problema.

'Piora'

A distinção pode não ser necessária, de acordo com Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.

"A situação está piorando; tudo o que você precisa fazer é olhar para os números ", disse. "Se a tendência continuar da maneira que estamos vendo, teremos um problema. Independentemente do nome, não é boa coisa."

Mas a palavra ressoa nos departamentos de saúde estaduais e locais, hospitais, clínicas e asilos, disse Schaffner. Muitos deles têm planos para uma pandemia, desenvolvidos e aperfeiçoados após surtos anteriores, que precisam ser modernizados, revisados e implementados.

As razões para chamar o atual surto de pandemia agora são muitas, de acordo com Tom Frieden, ex-diretor do CDC e comissário de saúde da cidade de Nova York. Pesquisadores não conseguem rastrear todos os elos entre surtos em diferentes países; a propagação em hospitais e famílias mostra que o vírus é bastante transmissível; alguns países que não relataram casos provavelmente devem tê-los; e cálculos simples sugerem que os registros de passageiros com a doença provavelmente são apenas uma fração do número real.

"Uma pandemia é inevitável e devemos chamá-la assim", disse Frieden. "O que não é inevitável é que será grave."

Medidas simples como a lavagem frequente das mãos podem ajudar a impedir a propagação do vírus, dizem especialistas em saúde pública. Restrições de viagens como as implementadas na China diminuíram a expansão global, mas provavelmente não a impedirão, disse Fauci.

O surto de coronavírus não se parece em nada com a gripe de 1918 que matou cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que as pandemias da gripe asiática de 1956-1958 e de Hong Kong em 1968 mataram de 1 milhão a 4 milhões de pessoas.

Felizmente, diferentemente da maioria das cepas de gripe, o novo vírus parece deixar crianças relativamente incólumes, disse Schaffner. Isso sugere menos casos como os que testemunhou no surto de gripe suína, quando uma criança de cinco anos morreu no Hospital Vanderbilt depois de ser mandada para casa por outros dois prontos-socorros, lembrou.

Os tratamentos para a gripe melhoraram desde então, e os médicos já testam antivirais e vacinas contra o coronavírus. Outros sinais de uma pandemia ainda podem surgir, como falta de leitos hospitalares e pacientes esperando nos corredores à espera de atendimento, disse.

Para contatar o editor responsável por esta notícia: Daniela Milanese, dmilanese@bloomberg.net