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Motoqueiros entregam dólares na Argentina em meio à quarentena

Patrick Gillespie

28/04/2020 15h39Atualizada em 25/03/2021 14h14

(Bloomberg) — Circulam pelas ruas desertas de Buenos Aires em motos ou carros com janelas escuras. Caso a polícia peça informações, mostram as autorizações para entregar alimentos ou material de limpeza doméstica.

Mas essas pessoas estão, na verdade, entregando dólares ilegalmente.

A demanda por moeda forte na Argentina tem aumentado em meio aos temores de um iminente default da dívida que lembra as traumáticas crises passadas. Ao mesmo tempo, o confinamento por causa do coronavírus obriga poupadores a serem criativos sobre a maneira como usam o mercado paralelo para evitar os rígidos controles monetários introduzidos em setembro e vender os pesos depreciados em troca de dólares, considerados um porto seguro.

"Nos últimos 70 anos, a Argentina viu uma queda vertical no valor do peso, então o único refúgio que preserva a economia é uma moeda estável, o dólar", disse Gustavo Quintana, analista da PR Corredores de Cambio, em Buenos Aires.

O peso se desvalorizou cerca de 30% no mercado paralelo desde o início do confinamento em 20 de março, caindo para um recorde de 120 pesos por dólar nos últimos dias, segundo dados compilados pelo site de notícias Ámbito Financiero. O custo de comprar um dólar pela taxa não oficial agora é quase o dobro do câmbio oficial do banco central, de 66 por dólar.

O colapso assustou formuladores de políticas que estão tomando medidas para reduzir a volatilidade.

O governo do presidente Alberto Fernández tenta reestruturar US$ 65 bilhões em dívidas e recentemente fez uma oferta aos credores estrangeiros. O governo não fez pagamentos de juros na semana passada e, se nenhum acordo for alcançado até 22 de maio, o país entrará em default pela quinta vez desde 1980.

Após décadas de inadimplência, crises cambiais, inflação alta e políticas voláteis, pessoas gritando "câmbio! câmbio!" no centro de Buenos Aires tornou-se parte da cidade. No entanto, em meio à pandemia de coronavírus, ninguém está vendendo nas ruas e, em vez disso, os doleiros decidiram fazer entregas nas casas dos clientes.

O negócio não está isento de riscos. A polícia parou um homem que alegava entregar produtos de limpeza e que usava um relógio caro. Eles finalmente deixaram o homem ir depois que ele mostrou uma caixa de material de limpeza.

"Não é novidade, estamos acostumados que nos persigam", disse o homem, que pediu para não ser identificado. "Os argentinos sabem que uma inflação realmente alta está chegando e estão tentando colocar tudo em dólares."

Outro doleiro que falou com a Bloomberg News disse que também trabalha como entregador da Glovo, um serviço de entrega de alimentos que concorre com o Uber Eats. Ambos entregadores observaram aumento desse tipo de demanda devido a temores econômicos, enquanto algumas casas de câmbio do mercado paralelo não estão funcionano durante a quarentena, reduzindo a oferta de dólares e adicionando pressão extra à taxa.

©2020 Bloomberg L.P.