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Sonho do desenvolvimento vira pesadelo com despejos de inquilinos em Pequim

04/01/2016 05h59

Antonio Broto.

Pequim, 4 jan (EFE).- Xihongmen, um bairro do sul de Pequim habitado por pessoas que vieram da zona rural e estão sendo despejadas à força, é um bom exemplo do pesadelo provocado pela especulação imobiliária, a construção desenfreada e a falta de garantias de moradia digna para muitos chineses.

Nessa região, uma das mais humildes da capital, milhares de pessoas foram expulsas de suas casas sem negociarem indenizações, enquanto outras viram seus lares serem derrubados sem terem tempo de tirar pertences. Outros tiveram os serviços básicos, como água e luz, cortados para que deixassem os imóveis.

Em um dos conjuntos de casas que resistem vive Qiuqiu, uma mulher que ainda tem eletricidade e água, mas teve a calefação cortada. Mesmo assim, ela está suportando o duro inverno de Pequim, quando as temperaturas chegam a ficar 20 graus abaixo de zero.

"É uma coisa dos exploradores que querem nos expulsar enquanto as autoridades olham para o outro lado", afirmou Qiuqiu em entrevista à Agência Efe, temendo que os tratores cheguem a qualquer momento para também derrubar sua casa.

Cerca de 20 mil pessoas moravam no bairro antes dos despejos. Muitas delas se mudaram para o local pagando por aluguéis muito baratos de forma antecipada - de 300 mil iuanes (US$ 45 mil) para viver por 50 anos, o que quase equivaleria a comprar as casas.

"Não tínhamos dinheiro para nada melhor", explicou Qiuqiu.

Depois do investimento, as autoridades disseram aos moradores que as casas eram ilegais, o que deu início aos despejos e às demolições. Vários episódios violentos foram registrados, com seguranças agredindo as pessoas para deixar os imóveis.

Outra vizinha afetada, Hua Li, explicou que, certo dia, homens segurando machados chegaram à sua porta. Quando ela chamou a polícia para denunciá-los, acabou presa por três dias. Pior, revelou a moradora, os seguranças também são imigrantes pobres.

"Nos dizem que nossas vidas não valem nada, que se nos matarem só terão que pagar 600 mil iuanes (US$ 90 mil) às autoridades", revelou.

Algumas das pessoas afetadas pelo problema disseram que as autoridades ofereceram uma compensação equivalente ao aluguel, mas outros garantem que não receberam nada ou que o dinheiro não é suficiente em uma cidade onde os preços subiram muito nos últimos anos.

Os protestos dos moradores pouco adiantaram. "Um jornalista do 'Beijing Times' veio fazer uma reportagem aqui. Os seguranças lhe deram uma surra e quebraram uma de suas pernas", disseram os moradores.

Os advogados também são proibidos na região, em um momento em que aqueles que defendem causas de coletivos discriminados estão sendo perseguidos pelo regime comunista que reduziu ao mínimo o ativismo de sua sociedade civil.

Um advogado que morava no bairro, e que também teve sua calefação cortada, tentou defender os moradores, mas acabou morrendo em novembro dentro da própria casa, intoxicado após usar um braseiro para tentar se proteger do frio.

"No dia em que ele morreu, a polícia veio com intenção de levar o corpo. Três moradores tentaram impedir, dizendo que deveriam esperar a chegada dos parentes do morto, mas acabaram presos", revelou Iuane, uma das vizinhas do advogado.

"Eles sabem que são responsáveis por sua morte. Se não tivessem cortado a calefação, ele não teria que usar o braseiro", afirmou.

Não estão claros os motivos do desmantelamento de Xihongmen, apesar de Hua garantir que os moradores estão sendo expulsos devido à construção do segundo aeroporto internacional de Pequim. A previsão é de que a cidade tenha o maior tráfego aéreo do mundo no fim de 2020.

O bairro está a vários quilômetros ao norte do lugar escolhido para a obra, mas Xihongmen pode dar espaço às estradas que levarão ao novo aeroporto da capital chinesa.

Enfrentar problemas é uma rotina dos moradores de Xhongmen. Vários foram para Pequim tentando ficar mais perto do governo central para tentar obter algum tipo de auxílio. Qiuqiu, por exemplo, se mudou depois de, grávida de sete meses, ser obrigada a abortar por descumprir a "política do filho único".

Muito emocionada, outra moradora, Shi Ting, disse que, quando seu marido morreu, ficou indefesa. Seu vizinho, um influente político local, acabou tomando as terras que pertenciam a sua família.

Muitos poderiam pensar que se trata, simplesmente, de pessoas azaradas, mas Qiuqiu está convencida de que não é só isso. "Não existe azar, mas sim as políticas ruins", afirmou.