A magia de Puerto Williams, a cidade mais ao sul do planeta
Júlia Talarn Rabascall.
Puerto Williams (Chile), 20 fev (EFE).- Em meio ao nevoeiro que abraça os riscos inóspitos do maciço Dentes de Navarino, no arquipélago da Terra do Fogo, se sobressai o telhado verde da única igreja de Puerto Williams, considerado o local habitado mais ao sul do planeta.
A esta remota cidade chilena, na Ilha Navarino, em frente ao mar de águas cor de chumbo que banha a costa do canal de Beagle, cabe a honra de ser a última cidade mais meridional do continente americano, dez quilômetros mais ao sul que a cidade argentina de Ushuaia.
Puerto Williams tem um ar de fim do mundo, de cidade do Velho Oeste, com ruas sem nome nem sobrenome varridas pela nevasca subantártica e com grandes porções de terra erma à espera de novas famílias.
A metade de seus 2.200 habitantes são marinheiros da marinha do Chile que trabalham na base naval localizada na cidade. A outra metade se dedica ao turismo ou à pesquisa, pois a cidade está em uma das últimas 24 regiões virgens do planeta: a Reserva de Biosfera Cabo de Hornos.
Entre as pequenas casinhas de um andar e portas abertas, de vez em quando se descobre um cavalo, uma galinha ou uma bicicleta soltos. Várias crianças brincam na praça central, dominada por um pequeno supermercado.
No ar flutuam as palavras do locutor da rádio local, que são divulgadas graças a pequenos alto-falantes instalados no exterior do estabelecimento. "O futuro Hospital de Puerto Williams será inaugurado nos próximos meses", anuncia.
A poucos metros fica um restaurante de comida colombiana, um local sem janelas que garante servir as melhores empadas de centolla (caranguejo gigante típico da costa chilena). Dentro, a cumbia e as luzes vermelhas moldam o ambiente e alguns turistas bebem cerveja para atenuar a comoção causada por desembarcar no puro limite do planeta, onde não há internet e quase não existe conexão telefônica.
Alguns chegaram em pequenos aviões vindos de Punta Arenas, outros de barco desde Ushuaia ou de veleiro de qualquer outra parte do mundo. Para estes últimos, Puerto Williams é um marco em sua travessia, pois a partir daqui começa a viagem até a Antártida ou ao Cabo de Hornos.
A maioria deles costuma recuperar forças no singular porto da cidade, onde reina o "Micalvi", um cargueiro pintado de branco e marrom que, após navegar por várias décadas pelo Reno acabou atracado permanentemente nas frias águas do sul.
O robusto mercante é hoje um equipamento flutuante do porto e oferece apoio logístico para navegantes e turistas de todas as latitudes, como o marinheiro polonês Sebastian Sobaczynski, que chegou da Antártida a bordo do "Polonus", um pequeno veleiro sem motor.
Quando cai a noite, a grande sala multiuso do "Micalvi" se transforma em um animado bar, onde as epopeias dos diferentes clientes afloram à medida que vão se amontoando as taças de pisco sour, o coquetel nacional do Chile. A do polonês cativa todos os visitantes.
A inquietação por reeditar os passos de Ernest Shackleton estimulou este arquiteto da Cracóvia a deixar tudo para trás e se tornar tripulante de uma travessia até o continente branco que, como aconteceu com a expedição do grande explorador anglo-irlandês, acabou com o veleiro preso no gelo antártico.
Sobaczynski não quis abandonar a embarcação no deserto gelado e, por um dólar, a comprou de seu proprietário e convenceu dois amigos poloneses a ajudarem a repará-la. Após quatro meses trabalhando a 40 graus abaixo de zero e acompanhados apenas por um séquito indolente de lobos marítimos, os três marinheiros conseguiram pôr de novo o veleiro na água. "Quando retornar à Polônia vou escrever um livro", contou o marinheiro à Efe.
Alguns estrangeiros ficam presos pela beleza endêmica destes paisagens. Foi o caso de Sergio, um colombiano de Medellín que, após perder família, casa e trabalho, decidiu começar a caminhar rumo ao sul do mundo. Alguns anos depois, chegou a Puerto Williams.
"Há lugares no mundo que têm uma magia e energia especial, e esta cidade é um deles. Estou contente de tê-la encontrado. Daqui já não saio, quero morrer entre estas montanhas, rios e céus", confessou. EFE
jtr/cd/rsd
(foto) (vídeo)
Puerto Williams (Chile), 20 fev (EFE).- Em meio ao nevoeiro que abraça os riscos inóspitos do maciço Dentes de Navarino, no arquipélago da Terra do Fogo, se sobressai o telhado verde da única igreja de Puerto Williams, considerado o local habitado mais ao sul do planeta.
A esta remota cidade chilena, na Ilha Navarino, em frente ao mar de águas cor de chumbo que banha a costa do canal de Beagle, cabe a honra de ser a última cidade mais meridional do continente americano, dez quilômetros mais ao sul que a cidade argentina de Ushuaia.
Puerto Williams tem um ar de fim do mundo, de cidade do Velho Oeste, com ruas sem nome nem sobrenome varridas pela nevasca subantártica e com grandes porções de terra erma à espera de novas famílias.
A metade de seus 2.200 habitantes são marinheiros da marinha do Chile que trabalham na base naval localizada na cidade. A outra metade se dedica ao turismo ou à pesquisa, pois a cidade está em uma das últimas 24 regiões virgens do planeta: a Reserva de Biosfera Cabo de Hornos.
Entre as pequenas casinhas de um andar e portas abertas, de vez em quando se descobre um cavalo, uma galinha ou uma bicicleta soltos. Várias crianças brincam na praça central, dominada por um pequeno supermercado.
No ar flutuam as palavras do locutor da rádio local, que são divulgadas graças a pequenos alto-falantes instalados no exterior do estabelecimento. "O futuro Hospital de Puerto Williams será inaugurado nos próximos meses", anuncia.
A poucos metros fica um restaurante de comida colombiana, um local sem janelas que garante servir as melhores empadas de centolla (caranguejo gigante típico da costa chilena). Dentro, a cumbia e as luzes vermelhas moldam o ambiente e alguns turistas bebem cerveja para atenuar a comoção causada por desembarcar no puro limite do planeta, onde não há internet e quase não existe conexão telefônica.
Alguns chegaram em pequenos aviões vindos de Punta Arenas, outros de barco desde Ushuaia ou de veleiro de qualquer outra parte do mundo. Para estes últimos, Puerto Williams é um marco em sua travessia, pois a partir daqui começa a viagem até a Antártida ou ao Cabo de Hornos.
A maioria deles costuma recuperar forças no singular porto da cidade, onde reina o "Micalvi", um cargueiro pintado de branco e marrom que, após navegar por várias décadas pelo Reno acabou atracado permanentemente nas frias águas do sul.
O robusto mercante é hoje um equipamento flutuante do porto e oferece apoio logístico para navegantes e turistas de todas as latitudes, como o marinheiro polonês Sebastian Sobaczynski, que chegou da Antártida a bordo do "Polonus", um pequeno veleiro sem motor.
Quando cai a noite, a grande sala multiuso do "Micalvi" se transforma em um animado bar, onde as epopeias dos diferentes clientes afloram à medida que vão se amontoando as taças de pisco sour, o coquetel nacional do Chile. A do polonês cativa todos os visitantes.
A inquietação por reeditar os passos de Ernest Shackleton estimulou este arquiteto da Cracóvia a deixar tudo para trás e se tornar tripulante de uma travessia até o continente branco que, como aconteceu com a expedição do grande explorador anglo-irlandês, acabou com o veleiro preso no gelo antártico.
Sobaczynski não quis abandonar a embarcação no deserto gelado e, por um dólar, a comprou de seu proprietário e convenceu dois amigos poloneses a ajudarem a repará-la. Após quatro meses trabalhando a 40 graus abaixo de zero e acompanhados apenas por um séquito indolente de lobos marítimos, os três marinheiros conseguiram pôr de novo o veleiro na água. "Quando retornar à Polônia vou escrever um livro", contou o marinheiro à Efe.
Alguns estrangeiros ficam presos pela beleza endêmica destes paisagens. Foi o caso de Sergio, um colombiano de Medellín que, após perder família, casa e trabalho, decidiu começar a caminhar rumo ao sul do mundo. Alguns anos depois, chegou a Puerto Williams.
"Há lugares no mundo que têm uma magia e energia especial, e esta cidade é um deles. Estou contente de tê-la encontrado. Daqui já não saio, quero morrer entre estas montanhas, rios e céus", confessou. EFE
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