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Cultivo de café se torna caminho para superar feridas do conflito na Colômbia

18/05/2017 10h00

Sebastián Montes.

La Secreta (Colômbia), 18 mai (EFE).- Os moradores da localidade colombiana La Secreta encontraram no cultivo do café a forma de voltar a criar raízes em um povoado que se viram obrigados a abandonar por causa da violência do conflito armado.

Chegar a La Secreta, que faz parte do município de Ciénaga, representa em si mesmo um desafio. Encravado em plena Sierra Nevada de Santa Marta e em frente ao mar do Caribe, a única forma de chegar até ali é um caminho pedregoso que serpenteia pela montanha.

Ocultas entre a folhagem emergem as humildes moradias camponesas das quais saíram seus quase 600 habitantes entre os dias 12 e 13 de outubro de 1998. Ali chegaram as paramilitares Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) que assassinaram 20 pessoas semeando o pânico no local.

"Os 'paras' eram os que mandavam aqui, tinham bases nas colinas e avistavam tudo o que alguém fazia, ninguém podia sair depois das seis da tarde ou lhe davam um tiro", disse à Agência Efe Luz Marina Charry, cujo marido foi assassinado no massacre.

As AUC impuseram sua lei e assassinaram quem acusavam de colaborar com os grupos guerrilheiros Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e Exército de Libertação Nacional (ELN).

Após longos anos vivendo em Ciénaga e no vizinho San Pedro de la Sierra, os habitantes de La Secreta encontraram uma oportunidade de retornar a sua terra no dia 15 de julho de 2003, quando o governo assinou um acordo de paz com as AUC.

Entre 2004 e 2005, sete anos depois do massacre, as pessoas começaram a retornar temerosas a La Secreta para recuperar sua vida e começaram a fazer o que melhor sabem: cultivar café.

A terra é fértil e generosa, uma autêntica mina de café que rapidamente deu resultados e na qual voltam a brotar as casas que continuam escondidas em algumas ocasiões por causa da intensa folhagem da montanha.

Os habitantes da aldeia contam que, para retomar seus cultivos, foi essencial a chegada da Unidade de Restituição de Terras (URT), da Unidade para as Vítimas, do Conselho Norueguês para Refugiados e da ONU em 2012.

"Com a chegada destas instituições retomamos o cultivo de café e começamos a gerenciar uma associação que tínhamos planejada há anos. Foi aí que o Conselho Norueguês e a Unidade de Restituição nos orientaram a buscar valor agregado para o produto", assegurou à Efe Silver Polo, líder comunitário de La Secreta.

Com a ajuda destas instituições, Polo criou em 2014 a Associação de Agricultores Orgânicos de La Secreta (Agrosec), à qual se uniram 66 famílias para cultivar café orgânico e exportá-lo.

Para começar, foi fundamental a contribuição de 24 milhões de pesos (cerca de R$ 25 mil) dada pelo governo a cada família.

O esforço deu seus frutos e as famílias de La Secreta exportam agora para Estados Unidos, Japão, Bélgica e Austrália, entre outros países.

Atualmente, essas 66 famílias vinculadas à Agrosec possuem 500 hectares de cultivos de café e estão trabalhando para agregar mais 200 que foram semeados há um ano por outras 40 famílias.

Apesar de ainda não abranger "nem sequer 1% da exportação total de café da Colômbia", os membros da Agrosec destacaram que a organização apresenta um crescimento interno anual de 50%, o que os levou a criar um novo objetivo para o futuro: converter-se em uma marca simbólica de café na Colômbia.

"Eu estou muito agradecida ao governo porque La Secreta estava voltando a se tornar pura montanha quando chegamos, mas agora com estes projetos produtivos recuperamos nossa vida e por isso agradeço a Deus todos os dias, pois eu estou viva por milagre", disse à Efe Gledis Ríos, uma das filiadas à Agrosec que perdeu parte de sua família no massacre de 1998.

As famílias de La Secreta reconhecem que a ajuda do governo colombiano foi essencial neste processo que lhes permitiu se afastar da dor da violência. Agora são exemplo de que podem deixar para trás os fantasmas de uma violência que se desvanece pouco a pouco, como disseram muitos deles.