'Previdência é crucial, mas é preciso mais reformas', diz Guillermo Ortiz
O sr. disse em entrevista há alguns meses que havia um risco de recessão no mundo em cerca de dois anos. Como vê esse cenário agora?
Toda a informação econômica que tem saído de distintas partes do mundo é fraca. Nos EUA, os dados por exemplo de construção de moradias iniciadas, produção industrial, gastos de investimento e os índices de gerentes de compra (PMI, na sigla em inglês) têm estado modestos. Na Europa, o segundo semestre do ano passado foi particularmente débil e os indicadores continuam a indicar desaceleração da atividade. Na Europa, esperava-se em 2018 crescimento de 2% ou algo mais, e vai terminar sendo 1,5% ou menos, e os dados do Japão também têm mostrado fraqueza. O panorama é de desaceleração da economia mundial, num contexto em que as tensões geopolíticas têm surgido. Os temas mais importantes são a guerra comercial, particularmente EUA e China. Há também o Brexit, que está em suspenso e em alguma medida tem influenciado na desaceleração na Europa. Dito tudo isso, o aspecto positivo para a economia mundial é que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) fez uma mudança de 180 graus no início do ano e a expectativa é de que não ocorra alta na taxa de juros nos EUA no restante do ano.
As projeções do Fed ainda apontam para algum aperto monetário neste ano, mas os investidores não esperam nada,
certo?
O mercado não espera altas e que o próximo movimento seja de corte, em 2020. A última ata do Fed mostra que mais ou menos 50% dos dirigentes acredita que não serão necessárias mais altas neste ano, enquanto outros pensam que pode haver oportunidade ou necessidade de fazer mais uma elevação. É uma mudança muito importante nas perspectivas em relação ao que havia no ano passado. É um suporte para o crescimento e, por outro lado, há boas notícias na tensão comercial entre China e EUA, e o mais provável é que estendam o acordo de trégua para além de 1.º de março. Isso tem sido positivo para os mercados financeiros em geral, tem havido um rali nas bolsas do mundo, particularmente nos EUA e nos emergentes. Temos uma situação em que há indicadores modestos, mas melhores perspectivas porque há certo relaxamento nas tensões globais, particularmente no caso de China. O mais provável é que neste ano tenhamos uma desaceleração do crescimento, mas a perspectiva de uma recessão é menor.
Como esse contexto pode afetar a América Latina? O Brasil, por exemplo, vende muita soja à China, então um acordo dela com os EUA poderia afetar isso. Por outro lado, uma guerra comercial seria prejudicial para todos.
O mais importante para a América Latina é que o crescimento da China se mantenha e se fortaleça. Os dados na China têm saído fracos também e o país realizou uma mudança importante em sua política. No início do ano passado, ela pensava em continuar com a desalavancagem da economia, a reduzir o nível de endividamento das estatais, Estados, municípios, etc., o que se refletiu em dados mais fracos de crescimento de crédito no sistema bancário. Isso se reverteu e a política agora na China é estimulativa, tanto na parte fiscal quanto na monetária, e estamos vendo um crescimento do crédito. A China já tocou o patamar mais baixo e devemos ter mais adiante dados melhores, o que deve beneficiar a América Latina, os prêmios das commodities, etc. A América Latina se beneficiará de uma economia mundial menos débil, mais robusta, e sobretudo do estímulo que a China coloca em sua economia. De todo modo, neste ano a perspectiva é de crescimento modesto para a América Latina, embora a dos emergentes seja melhor do que a dos países desenvolvidos.
Falando agora de Brasil, que tem desequilíbrios importantes em suas contas, déficit fiscal, a necessidade de ajuste e agora a discussão sobre a reforma previdenciária. Acredita que é possível haver ajustes sem sufocar a economia?
A proposta de reforma previdenciária apresentada há alguns dias contém elementos que apontam para evitar a deterioração das finanças públicas. Isso não é suficiente. A reforma da Previdência é o mais importante, mas não o único. O Brasil tem um problema de finanças públicas a longo prazo e outro estrutural, no sentido de que o gasto governamental do País é cerca de 40% do PIB, comparável ao de nações mais desenvolvidas. O desafio no Brasil é reduzir o tamanho do governo em relação à economia e entendo que esse é o propósito da política econômica do novo governo, fazer uma mudança mais estrutural das finanças públicas.
Acredita então que as reformas seriam um passo positivo?
Não um passo positivo, mas indispensável, porque obviamente todos aguardam isso. O rali que houve nos ativos brasileiros nos últimos tempos se deve a uma percepção de mudança importante na política econômica, que resultará em melhores perspectivas de crescimento para o Brasil. Dada a importância que o País tem para a América Latina, isso é importante para a região. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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