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Brancos continuam recebendo 50% a mais do que negros no Brasil

Mesmo com dispositivo legal do Estatuto da Igualdade Racial, diferenças pouco mudaram na sociedade - Getty Images
Mesmo com dispositivo legal do Estatuto da Igualdade Racial, diferenças pouco mudaram na sociedade Imagem: Getty Images

Mariana Hallal

Em São Paulo

20/07/2020 07h50Atualizada em 20/07/2020 09h55

No dia em que o Estatuto da Igualdade Racial completa dez anos, o Brasil mostra que pouca coisa mudou na prática. O dispositivo foi implementado 122 anos depois da abolição da escravatura e trouxe uma série de diretrizes para se efetivar a inclusão da população negra na sociedade.

Em 2012, início da série histórica do IBGE para a medição, o rendimento médio mensal dos brancos foi 57,3% maior que o dos negros. Em 2019, quase nada havia mudado: a população branca recebeu, em média, 56,6% a mais que a população negra.

Os números também mostram que as pessoas negras ainda ocupam postos de trabalho mais precários. Os dados mais recentes, de 2015, revelam que os negros eram maioria em atividades braçais como cultivo de mandioca (85,9%), serviços domésticos (64,7%) e construção civil (63,9%).

Por outro lado, eles são minoria em áreas que exigem maior qualificação como informática (31%), arquitetura e engenharia (26,9%) e em cargos de gestão empresarial (23,6%).

"Se a gente olhar os dados de grandes corporações, o percentual de negros em cargos de liderança é ainda menor", afirma Jefferson Mariano, doutor em Desenvolvimento Econômico e professor da faculdade Cásper Líbero. Ele levantou a série de dados do IBGE a pedido do jornal O Estado de S. Paulo.

Em algumas carreiras, a presença de pessoas negras é tão pequena que nem é possível mensurar. Segundo o economista, isso acontece quando o porcentual de pessoas ocupando essas posições é menor que um. É o caso, por exemplo, da área de produção cinematográfica.

Dificuldades

Apesar de ser considerado um dispositivo legal importante por especialistas, o Estatuto da Igualdade Racial trouxe poucas melhorias reais para a população negra.

Mário Theodoro, que foi secretário executivo da Seppir (Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) entre 2011 e 2013, culpa o racismo. "A questão do racismo ainda é muito mal resolvida no Brasil", diz.

Para ele, a sociedade brasileira ainda não está disposta a admitir o preconceito existente e combatê-lo.

Ele, que é doutor em Economia e autor de diversas publicações que tratam da desigualdade racial no Brasil, afirma que o documento é um marco legal fundamental. "O Estatuto é uma boa referência. É uma peça a ser utilizada numa política de igualdade racial", avalia.

Uma barreira encontrada por Theodoro ao tentar criar políticas públicas para efetivar o cumprimento do Estatuto foi a desinformação. Poucos gestores conheciam o documento e suas diretrizes.

O ex-secretário fala que tentou propor algumas ações para tentar diminuir a desigualdade racial, mas não obteve sucesso. Uma das propostas era liberar empréstimos do BNDES apenas a empresas privadas que contassem com programas de ações afirmativas.

As instituições que desejassem participar de licitações públicas deveriam cumprir o mesmo critério. "Não conseguimos nem convencer nossos pais de que isso era fundamental", completa.

Pequenos avanços

Um dos artigos do Estatuto ressaltado pelos especialistas é o que trata da adoção de ações afirmativas para acesso ao ensino superior e ao trabalho. "A cota é a única política em vigor no Brasil para reverter esse círculo vicioso que mantém a população negra em uma posição inferior", afirma Mário Theodoro.

Os resultados da política de cotas já podem ser observados. Dados do IBGE mostram que a presença de negros nas universidades dobrou entre 2011 e 2019, passando de 9% para 18%. Os números são referentes a estudantes que frequentam o ensino superior na idade adequada, entre 18 e 24 anos. "Ainda vemos uma grande desigualdade, mas já há um avanço tímido", fala Jefferson Mariano.

Mas, diferentemente das cotas sociais, as cotas raciais enfrentaram - e ainda enfrentam - uma grande resistência entre os brasileiros. Theodoro diz que, mais uma vez, é o racismo se manifestando. "O problema é que a cota veio para mudar a cor da elite. Para que a elite tenha a cor mais parecida com seu povo."

Para Mariano, dificilmente as ações de combate à desigualdade racial terão espaço no país durante o governo Bolsonaro. "Esse tema não faz parte da agenda do grupo à frente do governo", afirma.

A principal preocupação do economista é que as poucas conquistas sejam perdidas. "Já vemos um retrocesso devido ao esvaziamento de setores de discussão sobre o tema."