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Debate sobre taxação a 'super-ricos' cresce em um Congresso com milionários

Quase metade dos deputados declarou nas eleições de 2018 ter patrimônio superior a R$ 1 milhão - Luciana Amaral/UOL
Quase metade dos deputados declarou nas eleições de 2018 ter patrimônio superior a R$ 1 milhão Imagem: Luciana Amaral/UOL

Do UOL, em São Paulo

03/08/2020 10h59

A crise gerada pela covid-19 acendeu o debate no Brasil sobre a necessidade de aumentar os impostos do "andar de cima" junto com a proposta de reforma tributária em tramitação no Congresso.

A divulgação na semana passada de uma lista de 42 brasileiros que aumentaram sua fortuna em US$ 34 bilhões, mesmo durante a pandemia, fez crescer a pressão para que a reforma tire do papel o imposto sobre grandes fortunas e eleve o Imposto de Renda dos super-ricos para diminuir a desigualdade social no país.

A corrente que cresce no Congresso é de que a reforma tributária tem de ser mais ampla do que apenas a simplificação de impostos para ajudar a reconstruir o país na fase pós-pandemia. Proposta encabeçada pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), junto com acadêmicos e um grupo de entidades ligadas aos Fiscos, aponta um potencial de arrecadação de R$ 40 bilhões por ano somente com o imposto sobre grandes fortunas.

O imposto passaria ser a cobrado das pessoas com patrimônio a partir de R$ 10 milhões com alíquotas progressivas: de 0,5% (R$ 10 milhões a R$ 40 milhões); 1% (R$ 40 milhões a R$ 80 milhões a R$ 40 milhões) e 1,5% (acima de R$ 80 milhões).

"Somos um dos campeões mundiais de desigualdade e concentração de renda. Precisamos utilizar também esse imposto", defende Charles Alcântara, presidente da Fenafisco.

Congresso cheio de milionários

No Congresso, quase metade dos deputados declarou nas eleições de 2018 ter patrimônio superior a R$ 1 milhão, enquanto no Senado esse patamar chega a quase 66%. Isso quer dizer que muitos parlamentares podem ter de votar para ampliar os próprios tributos.

O deputado Hercílio Coelho Diniz (MDB-MG), com patrimônio de R$ 38 milhões, segundo declaração à Justiça Eleitoral, é a favor de taxar os "super-ricos".

"Temos de mudar nossa base tributária, migrar do consumo para patrimônio e renda", afirmou o dono de uma rede de supermercados na região do Vale do Aço, em Minas Gerais.

Já seu colega, o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) - R$ 28 milhões em bens - tem opinião contrária. Para ele, que atua no ramo de pisos e revestimentos industriais, a taxação sobre grandes fortunas não é eficiente. "Se mostrou absolutamente inócuo no mundo todo", disse. "A simples redistribuição de riqueza não resolve a causa da pobreza", afirmou.

Com patrimônio de R$ 238 milhões, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), empresário que fundou o Grupo Positivo, disse estar aberto ao debate. "Não tenho restrição a nenhum imposto isoladamente. Penso que só devemos criar ou modificar alíquotas de impostos já existentes dentro de uma ampla reforma tributária."

Reforma nos tributos

Para o sociólogo brasileiro e professor visitante da Universidade de Princeton, Marcelo Medeiros, o Brasil tributa pouco o patrimônio. "O Brasil tem IPTU (imóvel), ITR (propriedade rural) e IPVA (automóvel), que tributam pouco.

Esses tributos precisam ser reformados." Na sua avaliação, mais importante do que aumentar as alíquotas do Imposto de Renda (IR) para os mais ricos, é mudar também a base tributária e começar a tributar lucros e dividendos (a parcela do lucro distribuída aos acionistas de uma companhia).

O especialista recomenda como solução urgente a compensação tributária, modelo usado no mundo inteiro. Ou seja, o contribuinte paga na pessoa física o que não foi pago pela empresa. "O Brasil precisa fazer isso, o que elimina o discurso meio errado de que tem de reduzir antes a carga da pessoa jurídica para aumentar das pessoas físicas. Não precisa", avalia. A vantagem, diz ele, é que a compensação pode ser feita com mais calma, eliminando as distorções do sistema brasileiro.

Estudo técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do pesquisador Sérgio Gobetti, aponta que a maioria dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) - grupo do qual o Brasil quer fazer parte - reduziu, nos últimos dez anos a tributação do lucro nas empresas e aumentou a tributação dos dividendos distribuídos a acionistas.