Ex-chefe da Petrobras: 'Faltam coordenação e metas para superar a pandemia'
Pedro Parente cursou engenharia eletrônica e administração de empresas, mas sua imagem pública, no País, é a de um bem-sucedido gestor de crises. Na mais famosa delas, a do apagão, em 2001-2002, ele chefiava a Casa Civil do governo FHC e presidiu um comitê de gestão de crise com amplos poderes.
Conseguiu tirar o Brasil do buraco graças à forte colaboração da população, que reduziu o consumo de energia e ajudou a preservar a água nos reservatórios. "Foi bonito de ver a adesão da sociedade, sem necessidade dos cortes compulsórios", recorda o executivo nesta conversa.
No Brasil de hoje, com o coronavírus fazendo vítimas, o chamado "ministro do apagão" põe o dedo no que considera o "X" da questão: "a falta de coordenação entre os organismos envolvidos" e "uma enorme diferença entre a visão da autoridade máxima e a dos outros responsáveis pelo setor".
É uma análise de peso de quem já esteve lá. Entre outras, Parente dirigiu três ministérios no governo FHC — Planejamento, Casa Civil e Minas e Energia. Depois, passou à área privada, onde atuou no grupo RBS, na Bunge e na TAM.
No governo Temer, presidiu a Petrobras. Mas voltou à iniciativa privada no comando de um dos maiores grupos mundiais no setor de alimentos, a BRF, onde hoje preside o conselho de administração. "O foco da empresa agora é crescimento", avisa.
Como vê o futuro do País? "Sinto uma grande frustração quando vejo a enorme diferença entre o País que somos e o que poderíamos ser. Espero que a gente supere as diferenças para viver num Brasil plural e com uma agenda comum." Aqui vão os melhores momentos da conversa:
O sr. comandou o combate à crise do apagão no governo FHC. Que acha da gestão da atual crise sanitária?
Nesta crise de agora, vejo uma questão marcante: a falta de coordenação entre todos os organismos envolvidos. No apagão, esses órgãos eram todos federais - o Operador Nacional do Sistema (ONS), a Anel, o BNDES, ministérios - e a cooperação foi assegurada. Nesta da covid-19, tem União, Estados e municípios, e não se pode dizer que a articulação tenha acontecido de modo a reduzir o impacto da crise.
Em suma, não houve coordenação.
Houve uma tentativa no início, com o ministro (Luiz Henrique) Mandetta, mas ela acabou não acontecendo. No apagão, a articulação foi feita por delegação direta do presidente ao chefe da Casa Civil, que naquele momento era eu.
Que horizontes o sr. vê no combate à pandemia?
Uma característica desta crise é a falta de confiabilidade nas informações — o número de pessoas infectadas, as mortes, os que se curaram... — e isso prejudica a definição de políticas adequadas ao tamanho real do problema. A segunda é o desafio de se entender o que vai acontecer daqui para frente, como retomaremos a vida normal. Assim, me parece que virou uma típica situação da bala de prata: ou a vacina vem e dá certo, ou não sabemos o que vai acontecer. Pois, sem o acompanhamento dos casos e dos contatos feitos pelas pessoas infectadas, como vamos definir as ações?
Como era essa organização durante o apagão de 2001?
Naquela ocasião, o governo cometeu um erro de avaliação. Recebemos da área de energia a informação de que havia probabilidade de 5% de termos falta de energia. Imaginávamos que, caso necessário, um corte de 5% não seria uma coisa complicada. Não foi o que aconteceu. Dado o fato de que o nosso sistema dependia da natureza naquele momento, havia risco grande de coisas aleatórias afetarem. Aí, numa reunião na Câmara de Política Energética, os técnicos disseram que seria preciso um corte de energia em todas as cidades do Sudeste — no caso de São Paulo, por 4 ou 8 horas. Imagina o susto da equipe ao ouvir isso.
Assim de repente? Do zero para essa informação de 8 horas?
De repente, não. Mas governos têm o péssimo hábito de preferir escutar os otimistas, e não os realistas. Aí, quando a situação mostrou-se de uma gravidade maior, Pedro Malan defendeu junto a FHC que o problema deveria ser coordenado pelo chefe da Casa Civil, que no momento era eu. Apresentei ao presidente proposta de criação de um comitê de crise que deveria ter total autonomia e recursos. Ele concordou, saiu a MP e o comitê funcionou muito bem.
Por que deu certo?
Porque tínhamos meta de redução da energia. Sugerimos a redução voluntária e houve enorme adesão. Dissemos que cada residência tinha de economizar 20% da média do gasto de um ano antes. E foi bonito de ver a colaboração de todos e a preservação dos reservatórios de água. Sem necessidade de cortes compulsórios.
No caso da pandemia, hoje, como vê seu impacto na economia?
Vejo dois. O primeiro é, sem articulação, o tempo bem maior para que o País volte à normalidade. A crise poderia estar sendo menos longa e com custo menor em termos de saúde, vidas, empregos, fechamento de empresas. O segundo impacto é que, com uma boa coordenação, você teria informações mais eficientes, uma previsibilidade maior. Hoje, vivemos num grau de incerteza muito grande.
E como está, nesse cenário todo, a BRF? No começo, sei que houve temor no setor de distribuição de alimentos, com um município querendo fechar tudo, outro querendo abrir...
Quando bateu a gravidade do problema, houve muitos desencontros entre Poderes estaduais e municipais. Trabalhamos com viveiros de frangos e porcos onde tem de chegar alimento, ração. Os frangos não podem passar um dia a mais no viveiro. Felizmente, a empresa se preparou com antecedência, já em fevereiro. Criamos um comitê interdisciplinar, com a participação de um infectologista renomado da USP, o Esper Kallas. Fizemos também um acordo com grupo médico do Einstein.
Como isso funcionou?
Às vezes, surgia um problema numa cidade onde tínhamos uma unidade de produção, e mandávamos um aviãozinho com os médicos para orientar os prefeitos. Doávamos leitos hospitalares, equipamentos de UTI. Hoje, estamos numa situação quase normalizada. Digo "quase" porque ainda temos a questão de readequar o nível ótimo de estoques.
E o setor de exportação, voltou ao patamar anterior?
Para nós, essa é uma área fundamental. Temos um fator positivo que é a diversificação de mercado, cada vez mais trabalhando com produtos de marca, de valor agregado, reduzindo o impacto dos preços de commodities como milho e soja. A diversificação permite que 50% das vendas sejam no exterior.
A China tem um peso nisso?
A demanda da China tem forçado uma elevação de preços no mercado internacional. E essa influência só não é maior porque ela é que autoriza planta por planta a ser construída. Recentemente, preocupados com o risco de transmissão do coronavírus pelos animais importados, os chineses determinaram, sem base científica, o fechamento de plantas em diversos países, inclusive uma das nossas. Mas tudo o que a gente pode vender para a China está vendendo.
Pode dar números? Com a pandemia, o consumo caiu muito?
Tivemos uma redução de produção, em algumas unidades, por ocorrência da covid-19 em funcionários. Houve uma queda de produção que, no global, pode ter chegado a 10% ou 15%.
Como presidente do conselho da BRF, se fosse listar hoje as três maiores preocupações do grupo, quais seriam?
Observo que, em primeiro lugar, estamos num setor estratégico. Um setor que continuará com demanda crescente por muitos anos se levarmos em conta, em especial na Índia e na China, o fenômeno da urbanização. Isso leva a uma sofisticação do consumo: as famílias deixam de consumir proteína vegetal e passam à proteína animal. Então, a empresa, sob o ponto de vista da equação financeira, está numa situação muito melhor do que há dois anos. A questão agora é crescimento.
Hoje fala-se muito em ESG, a política ambiental, social e de governança, que já é uma prática quase recorrente de empresas. Ou não?
Essa é uma demanda crescente, que veio para ficar. Houve, creio que no ano passado, um importante manifesto de um conjuntos de CEOs que integram o ranking da Forty and Five Hundred, dizendo que hoje a empresa não tem mais de satisfazer o acionista. Ela tem de atender às comunidades, aos empregados, a sua cadeia de fornecedores e clientes.
Você, como cidadão, o que espera do País daqui para frente?
Eu sinto uma grande frustração quando vejo a enorme diferença entre o País que somos e o que poderíamos ser. Com os recursos que temos, os nossos empreendedores, os jovens com novas mentalidades. Espero que a gente supere as diferenças, para voltarmos a ser um País diverso, plural, onde se respeitem as diferenças e se crie uma agenda comum. Tem muita coisa que se poderia fazer, aqui, sem depender dos outros.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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