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O que separa um trader de sucesso do resto do mercado? O "Ogro de Wall Street" explica

06/01/2016 09h15

SÃO PAULO - Viver a base de "trades", ou seja, conseguir se sustentar apenas com o dinheiro obtido com operações no mercado financeiro, é o maior sonho de qual aspirante a investidor. Mas a realidade nos mostra como é difícil atingir este objetivo: são poucos os traders que conseguem trocar a rígida a rotina de empregado pela autônoma vida de operador na Bolsa e ao mesmo tempo manter uma saudável saúde financeira. O que diferencia os investidores que alcançam esse ápice daqueles que ficam pelo caminho?

O InfoMoney conversou com André Machado, um investidor que já viveu o céu e o inferno na Bolsa antes de alcançar sua independência definitiva da vida corporativa.  Ex-executivo sênior da Microsoft - onde inclusive recebeu muitas premiações na área de TI -, Machado foi do céu ao inferno na Bolsa de Valores antes de alcançar sua independência definitiva.

De 2002 a 2005, Machado acumulou lucros extraordinários, até que em 2005 ele "quebrou" operando opções da Telemar. Após três anos trabalhando de novo no mercado de tecnologia, Machado voltou à Bovespa em 2008, onde fez fortuna operando vendido com as ações da Vale no agravamento da crise do subprime.

Hoje, ele é amplamente conhecido principalmente nas redes sociais, onde ele é conhecido como o "Ogro de Wall Street", apelido que ele conquistou pelo seu estilo pouco delicado de interagir com outros investidores.

Para André, dois pontos fundamentais separam os grandes investidores daqueles que não conseguem alcançar a independência: falta de disciplina e falta de paciência (ou excesso de ansiedade).

Isso é importante pois o sucesso nesse mundo não chega da noite para o dia: é preciso saber esperar e não ter pressa em ficar milionário. O caminho é árduo e exige aprendizado, por isso apenas os mais pacientes conseguirão aguentar, explica o investidor.

Confira abaixo a entrevista exclusiva que o André Machado concedeu ao InfoMoney:

InfoMoney - Você já viveu o céu e o inferno na Bolsa de Valores. Durante seu pior momento no mercado, que inclusive o fez voltar para o mercado de tecnologia (sua ocupação anterior), você chegou a pensar em nunca mais voltar a investir?

André Machado - Engraçado… Pior que não! Talvez por ter sido sempre bem sucedido na área de TI, tendo ganhado diversos prêmios no Brasil e exterior, eu não me considerava “incompetente” para ser trader. Apesar de ter quebrado na bolsa de valores e de todas as dificuldades em que coloquei a minha família - minha esposa teve que dar a luz do meu primeiro filho em um hospital público e quase tivemos que ir morar na casa dos pais dela -, eu sabia exatamente onde tinha errado, e também sabia o que me fazia ser pressionado quando operava. Então nesses anos de volta ao TI eu planejei cuidadosamente o meu retorno ao mercado. Uma prova disso é que eu nunca interrompi a assinatura da plataforma de trading que eu usava, mesmo no período em que fiquei sem operar por falta de grana ou tempo. Eu continuei analisando o mercado diariamente.

IM -  Passado todo o trauma, você deu a volta por cima no mercado em 2008, lucrando com a queda das ações da Vale. Olhando para a é, o que teria feito diferente se pudesse voltar no tempo?

AM - Eu teria me planejado melhor e seguido um plano mais conservador de aumento de capital, para só depois me dedicar integralmente ao trading. Isso porque eu tentei ganhar muito com opções, mas não pela ganância em si de fazer milhões, mas para aumentar o capital e retornar ao swing trade (operações de curto prazo, mas com duração maior de um dia), onde eu mandava bem desde o início e era muito mais tranquilo - operar opções é muito "punk". Mas eu queria um capital maior para me expor menos no swing trade e ficar menos dependente de ter que fazer 10% ao mês como era naquela época… Mas eu fazia! Mas sempre era um risco não conseguir o suficiente para pagar as contas e ver o principal diminuir…

IM - O que foi fundamental para você dar a volta por cima no mercado? Quais as lições que você sempre leva contigo até hoje?

AM - Uma coisa que é draconiana para mim hoje é a disciplina de interromper perdas o mais rápido possível. Nisso eu não falhei nunca mais! Outra coisa é  a disciplina, principalmente para esperar as horas de entrar em um trade. Há dias que acordo com sangue nos olhos e quero escalpelar [fazer operações de scalper] no dólar ou no índice usando gráficos de tick [tempo gráfico menor que 1 segundo]. Mas o meu "normal" é operar em tempos maiores e realizar poucas operações no dia - às vezes 1 só basta. Para mim, uma oportunidade boa é aquela que não precisamos procurar. Ela é tão óbvia, tão explícita, com uma probabilidade tão alta de dar certo, que não tem como ignorar. A falta de disciplina para esperar ou a dificuldade de gerenciar a própria ansiedade fazem com que o trader iniciante deixe essa oportunidade única passar, seja pela visão deturpada do mercado que vinha operando, seja pelos "stops" sucessivos que já tomou, seja pelo medo, ou até pela “cegueira” que bate algumas vezes quando se está operando gráficos de 1 ou 5 minutos.

IM - Como você define o “Investidor André Machado” nos dias de hoje? Quantas horas por dia você opera, quais são seus horários favoritos, quais os ativos que você mais gosta de operar, etc…

AM - Eu gosto muito de acompanhar os 8 papéis que representam 50% do peso do Ibovespa, gosto muito de operar contratos futuros de Ibovespa e de café. Dólar eu também opero bastante, mas confesso que, apesar dos ganhos muito maiores, eu não gosto tanto quanto gosto do índice, pois acho a Análise Técnica do índice é bem mais previsível que a do dólar. Tem dias que opero só de manhã, tem dias que opero só a tarde, tem dias que não opero e fico estudando, lendo ou com as crianças. Não bato mais ponto como antes...

IM - Além de trader e professor da BM&FBovespa, você também administra uma página no Facebook, a “O Ogro de Wall Street”, que possui mais de 4.700 membros. Você sente que este grupo ajuda investidores a ter melhores resultados no mercado? E você acha que, se tivesse algo semelhante na sua época de investidor iniciante sua curva de aprendizado teria sido diferente?

AM - Com certeza! Hoje o grupo foi desenhado justamente para focar no que eu senti falta 14 anos atrás. Antes, o que havia eram uns fóruns muito ruins, com conteúdo zero. Modéstia à parte, mas meu grupo é muito melhor que esses fóruns. Após passar por tudo que eu passei na vida operando em renda variável e ter dado a volta por cima, eu decidi que teria a missão de mudar o "mindset" dos novos operadores e também daqueles que ainda não tenham adquirido consistência no mercado e foi aí que pensei em criar o grupo, tornando ele um canal de comunicação democrático e com muito conteúdo para todos.

IM - Quanto tempo do seu dia (ou semana) você destina para monitorar esta página no Facebook?

AM - Hoje, gasto muito mais tempo monitorando a página e respondendo aos posts do que operando. É difícil precisar em tempo, mas estou sempre conectado pelo iPad e pensando em novas estratégias para agregar mais conteúdo aos membros. Apesar do alto custo das muitas oportunidades perdidas por conta desse ativismo, os feedbacks que recebo dos membros me realizam hoje mais que ganhar dinheiro. E realização profissional é tão ou mais importante quanto realização financeira, principalmente nesta profissão tão solitária. Hoje não conseguiria mais abandonar tanta gente que cativei, me sinto responsável por elas.

IM - Tornar-se trader exige muita disciplina e paciência. O que você acha que é a coisa mais difícil para um aspirante a investidor aprender sobre o mercado?

AM - Falta de disciplina e de paciência provocam uma ansiedade enorme para entrar no mercado e para “bater a meta diária”. Existem muitas “fórmulas de sucesso”, “setups”, “métodos" sendo difundidos. Não que eles não funcionam, talvez todos eles funcionem. Mas a ansiedade faz com que os aspirantes tentem de tudo, sem consistência em nada. Realmente o mais importante é gerenciar essa ansiedade e é por isso que foco tanto nas Finanças Comportamentais, é através dela que o trader acha ferramentas para controlar as emoções, inclusive a própria ansiedade. Estudar o mercado e saber esperar a hora certa: isso é o mais difícil para quem está acompanhando e vendo o mercado subir e descer o tempo todo.

No mercado, há uma nova oportunidade a cada segundo. Mas o melhor e o mais fácil poucos fazem: que é esperar a hora que um grande movimento começa e "pegar carona" nele. Como digo sempre: o jeito é operar feito uma vovó, com muita cautela, e não ficar olhando a grama do vizinho! O mercado sobe e desce centenas de pontos todos os dias, mas nem todos esses movimentos são tão explícitos. Depois que eles passam, fica “fácil” analisar… Importante é entrar nos óbvios! Não perder esses.

IM - Na sua opinião, por que tantas pessoas não conseguem ter sucesso na Bolsa de Valores?

AM - Eu digo que o que extermina os traders iniciantes são dois medos: 1) medo de perder oportunidade e 2) medo de deixar dinheiro na mesa. Esses 2 medos são reflexo puro da ganância, falta de paciência, indisciplina e muita ansiedade. O primeiro medo faz com que se entre em qualquer sinal de entrada, gerando muitos stops e gradativamente enevoando a percepção do trader e sua confiança no que faz, e fazendo perder as melhores oportunidades. Já o segundo medo faz o trader sair antes das operações vencedoras, fazendo com que a conta nunca feche: muitos stops (medo 1) com ganhos pequenos (medo 2).

IM - Você possui todo seu capital destinado para trades, ou possui alguma carteira mais “conservadora”, com ações de longo prazo e ativos de renda fixa? Se possui esta carteira, qual seu planejamento financeiro para aportes nesta carteira?

AM - Hoje tenho meu capital todo em Renda Variável, mas nesse momento que vivemos comecei a estruturar gradativamente uma carteira conservadora para longo prazo. Entradas fracionadas do que seria uma entrada padrão.

IM - Para finalizar: o que precisa ser feito para que o Brasil um dia tenha uma cultura de investimento parecida com economias desenvolvidas, como os EUA?

AM - Precisamos investir cada vez mais em informação e educação. Crises não servem de desculpas para deixar de se investir em renda variável no Brasil. Afinal, crises também acontecem lá! Devem sempre lembrar, é na crise que aparecem as melhores oportunidades de investimentos, é o momento em que o dinheiro muda de lado.