IPCA
0,83 Mar.2024
Topo

"Cautela" e "Sarneyzação": como os pedidos de prisão de Janot afetarão Temer e os mercados?

07/06/2016 13h55

SÃO PAULO - O governo interino de Michel Temer acumula mais um problema na sua lista. Aliás, a notícia desta terça-feira tem o potencial de ser a principal crise do governo do peemedebista, uma vez que inclui nome dos caciques do seu partido: hoje, foi noticiado que o presidente do Senado Renan Calheiros (AL), senador Romero Jucá (RR), o ex-presidente José Sarney (AP) e o presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (RJ) foram alvos de pedido de prisão feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. 

A notícia está sendo vista com cautela pelos mercados mas, caso ela tenha desdobramento desfavorável para o governo interino, pode gerar ainda mais incertezas no âmbito político e, consequentemente, no econômico, principalmente em relação às medidas de ajuste fiscal. Segundo fontes ouvidas pela Bloomberg, a notícia preocupa o Planalto porque pode atrapalhar a votação de medidas importantes no Senado e o ritmo do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff.  "O g overno está preocupado com provas que Janot tem também contra ministros e que possam levar a pedido de prisão de membros do governo e o p rocesso de impeachment está sendo conduzido por Lewandowski, não por Renan, mas se vice-presidente do Senado assumir, pode atrapalhar o rito já estabelecido", diz a fonte. 

Em meio a tantas incertezas, como o mercado e os analistas políticos estão vendo este notícia e qual será o impacto para os já conturbados cenários político e econômico? Confira abaixo a opinião de especialistas sobre o assunto:

Alex Agostini, Austin Ratings
Para o economista-chefe da Austin Ratings, Alex Agostini, outros fatores mexem mais com o mercado nesta terça-feira do que os pedidos de prisão contra os caciques peemedebistas, destacando que não há como fazer uma comparação tão direta entre os eventos de março, como o pedido de prisão contra Lula, as gravações que o envolveram e também tiveram Dilma atingida com os eventos de hoje. 

"Naquele momento, havia uma forte pressão em meio a inúmeros fatores, a economia entrou num processo de recessão muito profundo. Assim o mercado via a necessidade de mudança de modelo econômico, que surgiu com a figura de Michel Temer", destaca o economista. Atualmente, o mercado olha mais para as alterações na política econômica tendo como destaques o ministro da Fazenda Henrique Meirelles e o indicado ao Banco Central Ilan Goldfajn do que em relação ao que envolve os caciques do PMDB. Já com relação ao exterior, o mercado fica de olho nas sinalizações do Federal Reserve sobre quando ocorrerá a alta de juros nos Estados Unidos.

"Claro que, no médio prazo, essas questões têm um efeito para os mercados, caso haja realmente a prisão de Renan, o vice Tião Viana, que é do PT, assumir. Mas ainda é muito cedo para o mercado avaliar isso. Seria sofrer por antecipação", destaca o economista. Assim, não é algo imediato, com o mercado digerindo o movimento político mais para frente: essas notícias farão parte das discussões, mas não vão paralisar o governo e nem o mercado, diz ele.

"O mercado está monitorando e digerindo fato a fato, mas não está usando o noticiárioo político como um fator para determinar a sua estratégia", destaca ele. Além disso, é difícil haver um posicionamento claro, destaca, pois "não há uma única verdade, um único envolvido", em meio às delações de Marcelo Odebrecht e Nestor Cerveró que também podem comprometer a presidente afastada Dilma Rousseff. 

Carlos Melo, cientista político e professor do Insper
Para o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, os novos episódios reforçam a fragilidade em que se encontra o sistema político brasileiro e a necessidade de reformas estruturais. “Se alguém imaginava que o impeachment de Dilma resolveria a situação e estabeleceria uma paz no sistema político brasileiro se enganou. O PT é parte do problema, mas não ele todo. Trata-se de um problema geral do sistema político brasileiro. Enquanto não se fizer uma reforma, um novo pacto, talvez uma nova eleição, mudar os atores, essa turbulência vai continuar”, afirma.

Na avaliação do especialista, o pedido de prisão dos caciques peemedebistas feito pelo PGR não afeta diretamente o desfecho do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, mas tem impactos significativos sobre a governabilidade de Michel Temer. Segundo ele, a agenda negativa se sobrepõe as pautas econômicas necessárias e faz com que a equipe de Henrique Meirelles fique à sua própria sorte, com poder de ação limitado a propostas que não dependam do aval do parlamento.

“A pauta vai ser [Eduardo] Cunha, Renan [Calheiros], [Romero] Jucá. Não vai ser reforma tributária, previdenciária etc. E aí perdemos um tempo precioso”, observa. “A economia vai ficar por conta de ajustes limitados da equipe econômica. Isso atrapalha tudo que dependa do Congresso, tem um raio mais limitado e tempo de maturação mais longo do que reformas constitucionais, além de arrefecer o ânimo dos agentes econômicos”.

Com o agravamento das crises econômica e política, o atual governo sente na pele um processo que Melo define como “sarneyzação”. Para ele, Temer vive paradoxalmente um momento melhor e pior que seu correligionário, que assumiu com a morte de Tancredo Neves. Se, por um lado, não há os mesmos índices de inflação galopantes, o sistema político mais instável traz dificuldades para a superação da crise.

Na leitura do professor do Insper, o maior inimigo do presidente interino neste momento não é Dilma Rousseff, alvo de muito receio por parte do mercado financeiro, empresariado e parcela expressiva da opinião pública, mas sim “o agravamento da crise política que leve à percepção de que novas eleições possam ser uma alternativa”. Hoje, ele acredita que se trata de uma possibilidade que não pode ser descartada, apesar de menos provável. Com as delações de Marcelo Odebrecht, que miram a campanha presidencial de Dilma e Temer, os riscos de uma cassação via Tribunal Superior Eleitoral podem aumentar.

Cláudio Couto, cientista político e professor da FGV
O pedido de prisão de quatro caciques do PMDB pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, cria mais tumulto e instabilidade política do que já vínhamos tendo. Essa é a avaliação de Cláudio Couto, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas, que avalia a atual situação como complicada, sobretudo para um governo que tem uma dura agenda para aprovar. Para ele, nem mesmo um possível afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado poderia favorecer a reversão do processo de impeachment de Dilma. “Quais são as alternativas disponíveis? Se o processo não continuar dessa maneira, o que ocorre, volta a presidente Dilma? Será que os agentes políticos querem? Acredito que não”, diz.

Na avaliação de Couto, há três cenários que se destacam para o atual momento político brasileiro: 1) em meio ao aprofundamento da crise política, o TSE acelerar a cassação da chapa e que novas eleições sejam convocadas ainda neste ano. Para ele, essa não é uma alternativa de elevada probabilidade, mas pode crescer com o tempo, e teria menos embaraços jurídico que a convocação de um novo pleito por meio de uma PEC, que poderia ser questionada como mecanismo inconstitucional; 2) há notícias de que alguns senadores poderiam rever seus votos referentes ao impeachment de Dilma, o que poderia culminar em sua volta. Nesse sentido, ter-se-ia uma mandatária sem força política e a governabilidade necessária, sobre quem se especula a convocação de novas eleições. Grupos mais próximos de Dilma, porém, não sabem ao certo se ela aceitaria tal acordo e se haveria consenso político necessário para que a proposta vingasse; 3) passada a tormenta das investigações que provocam problemas para o atual governo, Temer sofreria uma “sarneyzação” e teria uma gestão de fragilidade política até a disputa eleitoral de 2018.

“É difícil que esse governo sobreviva de maneira forte”, analisa o professor. De qualquer forma, ele ressalta que ainda é preciso aguardar os desdobramentos práticos do episódio para saber seu real potencial. Não se sabe como o Supremo Tribunal Federal deverá proceder e como reagirão os principais atores políticos.  Independentemente do desfecho, Couto argumenta que o grande problema da política brasileira hoje é o sistema vigente, que, além de altamente fragmentado, é composto por uma série de “partidos cuja lógica se baseia predominantemente no fisiologismo político, na busca de cargos que têm por finalidade auferir renda”. Trata-se de um sistema que apresenta o risco de que quase sempre haverá corrupção. “Qualquer governo que tente montar base de sustentação precisará compor com esse tipo de parlamentar”, argumenta o professor. Ele também defende que uma reforma política é condição necessária para a superação da crise que abate o país em um nível mais complexo.

Juliano Griebeler, analista político da Barral M. Jorge
O analista político da Barral M. Jorge, Juliano Griebeler, ressalta que o pedido ainda deve ser analisado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e relator da Lava Jato no Supremo Teori Zavascki, devendo ser levado ao plenário do STF.

"Caso aceito, será um golpe forte contra o governo mais devido a prisão de Jucá, que é um importante aliado e articulador de Temer no Senado, e pela mudança na presidência do Senado, que deve ser assumida ainda que interinamente por um vice que é do PT". Tião Viana (PT-AC). Por outro lado, ressalta Griebeler, é  importante ressaltar que Calheiros não era um forte opositor à Dilma Rousseff. 

O analista político diz ainda ser preciso conhecer o inteiro teor do pedido mas, de qualquer modo, a prisão de um presidente do Senado seria uma intervenção muito grande de um poder sobre outro. 

MCM Consultores
Em relatório, a MCM Consultores afirmou não crer na prisão dos caciques peemedebistas , sendo essa posição especialmente válida em relação a Jucá, Renan e Sarney. 

“As conversas entre eles e Sérgio Machado que já foram divulgadas não ensejam medida tão extrema, na nossa avaliação”, avalia a MCM, destacando ser " importante lembrar também que a autorização última a respeito da prisão de senadores é tomada pelo plenário do Senado. No caso de Delcídio, a autorização foi concedida”.  Para a MCM, s erá mais difícil ocorrer o mesmo nos casos de Renan e Jucá. Porém, pode haver algo mais grave ainda não revelado.

Machado ressalta que  Teori Zavascki, muito provavelmente, levará a questão ao plenário do STF: "g anha força, por outro lado, a hipótese de o STF decidir a favor do afastamento de Calheiros e Jucá de seus mandatos em caráter provisório, tal como ocorreu com Eduardo Cunha”. Segundo a MCM, "n este caso, o vice-presidente do Senado, o petista Jorge Viana, assumirá a presidência do Senado”. 

Para a consultoria, Jorge Viana na presidência do Senado não deve influenciar o andamento do impeachment, cujo cronograma já foi definido e dificilmente será alterado. Além disso, quem preside o processo é o presidente do STF, Ricardo Lewandowski. Assim, a MCM n ão acredita que chance de reversão do impeachment cresça com Jorge Viana no comando do Senado. 

“Mas Jorge Viana, caso chegue à Presidência do Senado, será um obstáculo à execução da agenda legislativa do governo Temer. Não é um obstáculo intransponível, pois a maioria do Senado apoia o governo, mas aumentará as dificuldades para a votação dos assuntos de interesse do Planalto”.

Pedro Costa Júnior, analista político e professor da ESPM, FACAMP e Faculdades Integradas Rio Branco
O governo do presidente interino Michel Temer naufraga a passos largos, enquanto um vácuo de poder começa a surgir na ausência de alternativas de clara viabilidade política em meio à crise. Essa é a leitura que faz o analista político e professor Pedro Costa Júnior, que vislumbra dois cenários ganhando força com o aprofundamento do impasse -- ambos relacionados à maior possibilidade de a presidente afastada Dilma Rousseff sair vitoriosa em julgamento de impeachment. O primeiro seria a manutenção do perfil da equipe econômica escalada pelo peemedebista, comprometida a realizar o ajuste fiscal ortodoxo. Provavelmente, neste caso, haveria uma repetição, em alguma medida, da experiência pós-reeleição, quando Joaquim Levy foi nomeado ministro da Fazenda e enfrentou dura resistência da base governista de esquerda. O segundo cenário apontado pelo especialista seria uma guinada 180º da petista, com a adoção de um ciclo de políticas desenvolvimentistas para destravar a economia, uma alternativa que ele aponta como difícil e que precisaria contar com importante apoio do setor produtivo e investidores.

Costa Júnior disse que a notícia do pedido de prisão de caciques peemedebistas pode ser lida como um movimento ousado e surpreendente. "Se o Supremo acatar, vamos ter reviravolta no cenário nacional e internacional, uma vez que fica insustentável um governo peemedebista com seus principais líderes na prisão", afirma. Em um contexto de delações premiadas explosivas, apesar de ainda ser cedo para tais especulações, imagina-se o que Sarney ou Renan teriam a revelar sobre seus correligionários. Em um cenário desses, a situação do presidente interino ficaria em estado grave. Neste caso, ele concorda com a percepção dos demais analistas políticos sobre a possibilidade de novas eleições presidenciais: as chances hoje não são grandes, mas podem crescer e tornarem-se reais. "Pode chegar ao momento em que essas eleições se tornem inevitáveis".

Além disso, o analista político e professor destaca o monitoramento preocupado dos eventos em curso no Brasil em nível global e os protestos contrários ao governo de Michel Temer como agravantes à sua sustentação. "A comunidade internacional está muito preocupada com o que está acontecendo no Brasil. A leitura dos editoriais dos grandes jornais é muito destoante do que a imprensa local fala", afirma. "Imagine como vão ser as Olimpíadas. As manifestações vão sair do controle, multiplicando-se com o mundo inteiro olhando para o Brasil. O caldo deve engrossar até lá". Corroborando com esse quadro, Costa Júnior chama atenção para o ganho de força das manifestações que pedem a volta da presidente Dilma Rousseff -- apesar de mais fracas que as que clamam pela saída do peemedebista -- e o curioso fato de nenhuma pesquisa de popularidade ter sido divulgada nessas semanas.