Obra de 7.000 empregos que já consumiu R$ 3,2 bi completa dois anos parada
O que era para ser um marco na busca do Brasil pela autossuficiência em fertilizantes é, há dois anos, um canteiro de obra parada, em meio a ruas de terra, que já consumiu R$ 3,2 bilhões. Se retomada, a obra poderia reabrir cerca de 7.000 postos de trabalhos, apenas em Três Lagoas (MS).
A Unidade de Fertilizantes Nitrogenados 3 (UFN3) da Petrobras é um projeto com custo total estimado em R$ 4,2 bilhões. Deveria estar produzindo 1,2 milhão de toneladas de ureia desde o final de 2014, dobrando a produção brasileira e reduzindo de 70% para menos de 50% a dependência de importações do fertilizante.
A obra foi interrompida, já com a execução em atraso, no final de dezembro daquele ano, quando já estava cerca de 80% concluída, segundo a Petrobras.
"O custo [dessa paralisação na obra] é de pelo menos 7.000 empregos diretos e indiretos", diz o ex-diretor de Indústria da Secretaria do Desenvolvimento de Três Lagoas Cristovão Henrique. O número é equivalente a toda a perda de postos de trabalho em uma cidade como Maceió de janeiro e novembro de 2016.
De lá para cá, o que já foi construído perde valor, sem uso.
É um cenário muito triste, em que está tudo abandonado. E um patrimônio muito alto, sendo depredado, perdido.
Ana Cristina Carneiro Dias, promotora dos Direitos do Cidadão de Três Lagoas (MS)
A reportagem do UOL pediu à Petrobras para visitar as instalações e acompanhar os trabalhos de conservação dos investimentos já realizados, mas não obteve reposta. Em nota, a empresa disse que "reitera que adota ações de preservações e conservação das instalações".
Venda suspensa
A esperança na cidade é que a UFN3 fosse vendida e a obra, retomada. A Petrobras já anunciou que vai deixar o setor de fertilizantes para concentrar seus investimentos em energia, e que venderia empresas como a UFN3.
Porém, uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) do começo do mês passado suspendeu as vendas de bens e negócios da Petrobras. O TCU abriu exceção para cinco projetos, mas eles não incluem a UFN3.
"É uma pena [essa decisão]", diz o ex-secretário de Desenvolvimento de Três Lagoas, André Milton, que estava acompanhando as negociações entre a Petrobras para a venda da indústria. "A expectativa era de que até o meio de ano um grupo assumiria a empresa e retomaria as obras", diz. "Agora, vamos ver como vai ficar."
Consórcio deixou dívida de R$ 36 milhões
A decisão do TCU também surpreendeu empresários de Três Lagoas que cobram da Petrobras na Justiça dívidas de R$ 36 milhões que teriam sido deixadas pelo consórcio que executava a obra.
Formado pela Galvão Engenharia e pela empresa chinesa Sinopec, o consórcio, criado especificamente para o projeto, já foi dissolvido. Em uma decisão preliminar, a Justiça mandou congelar R$ 36 milhões das contas da estatal até a decisão do caso.
Segundo o presidente da Associação Comercial e Industrial de Três Lagoas, Atilio D'Agosto, apenas as 156 empresas que cobram dívidas do consórcio empregavam 1.100 trabalhadores. "Hoje, 70% delas não conseguiram se recolocar no mercado, encerraram suas atividades."
A ação foi encampada pela promotora Ana Cristina Carneiro Dias, que viu "caos social e econômico" na situação. "O Ministério Público detectou que aquela situação tinha atingido patamares de prejuízo econômico na cidade que estavam afetando o cidadão comum", diz ela.
Alojamento demitiu 42 e deve R$ 800 mil
Um dos empresários nessa situação é Humberto Garcia de Oliveira, dono dos Alojamentos Alvorada, que recebia 480 trabalhadores da obra da UNF3.
A paralisação acabou com 42 empregos diretos no alojamento, sem contar os empregos indiretos dos nossos fornecedores, como serviço de alimentação e lavanderia.
Humberto Garcia de Oliveira, dono dos Alojamentos Alvorada
Com a suspensão da construção, todos os empregados foram demitidos. "Consegui fazer a rescisão de 30, e 11 entraram com ações trabalhistas na Justiça", diz. O valor das causas ultrapassa os R$ 800 mil, e Oliveira diz contar com eventual pagamento das dívidas do consórcio para pagar a conta.
Questionada sobre a negociação para venda da unidade e sobre como ela seria afetada pela recente decisão do TCU, a Petrobras limitou-se a responder que "pretende sair do segmento de fertilizantes" e que "o processo de alienação da UFN3 que viabilize a conclusão do empreendimento está sendo avaliado pela empresa".
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