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Combate a corrupção ou empobrece o país? Prós e contras das privatizações

Fernando Podolski/Getty Images
Imagem: Fernando Podolski/Getty Images

Téo Takar

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/08/2017 19h26

O pacote de privatização de 57 empresas e projetos, anunciado pelo governo, pode deixar dúvidas sobre os prós e os contras de vender tantos bens em tão pouco tempo. O governo tem pressa em obter recursos para conseguir cumprir a meta para as contas públicas nos próximos anos.

Embora, na visão de determinados especialistas, a privatização normalmente traga ganhos de eficiência para as empresas, alguns defendem que o processo precisa ser mais bem discutido, especialmente do ponto de vista dos interesses da população. Veja algumas opiniões.

Mais eficiência e menos corrupção

O principal ganho que as privatizações deverão trazer para o país será a melhora na gestão das empresas, diz Armando Castelar, chefe da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.

Historicamente, a transferência de empresas do controle público para o privado traz uma melhora significativa na gestão. As empresas se tornam mais eficientes. Você deixa de ter problemas relacionados às indicações políticas de cargos. Também ganha agilidade em processos de compras e licitações e reduz o espaço para a corrupção.

Armando Castelar, do Ibre/FGV

Castelar afirma, ainda, que empresas privadas tendem a ser melhor fiscalizadas do que as estatais.

"É muito mais complicado você fiscalizar uma estatal. Basta lembrar o próprio caso da Eletrobras, que se posicionou a favor da MP 579 [que alterou as regras do setor elétrico]. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou a empresa por entender que ela agiu contra o próprio interesse ao abrir mão das concessões de usinas. No fim das contas, a multa recaiu sobre a própria União, que é a controladora."

Prazo ambicioso demais

Para Castelar, dificilmente o governo conseguirá privatizar todos os 57 projetos apresentados nesta quarta-feira (23) até o fim de 2018.

"O Brasil ficou um grande período sem realizar privatizações, por causa da estratégia de governo adotada durante os governos Lula e Dilma. O que o governo Temer está apresentando agora é um levantamento de empresas que podem ser privatizadas."

Mas nós não vamos ver essas 57 privatizações saindo do papel nos próximos 12 meses. Alguns projetos são mais simples e podem andar rápido. Outros deverão demorar mais.

Armando Castelar, do Ibre/FGV

Muitas questões ainda sem resposta

O especialista da FGV diz que considera a privatização da Eletrobras bastante complexa e que há muitas questões ainda a serem esclarecidas, como o modelo de privatização que será adotado, qual será o formato de governança corporativa da empresa após a venda, entre outras questões regulatórias.

Sandro Cabral, professor de estratégia do Insper, também afirma que ainda há muitas dúvidas a serem esclarecidas sobre a venda da Eletrobras. "A empresa será vendida para um grupo só? Ou vai ser fatiada, como aconteceu com a Telebras? Qual é a intenção do governo? Estimular a competição no setor? Como ficarão as tarifas?"

Para Cabral, o plano de privatização deveria ser analisado com mais calma, para garantir a que os interesses da população sejam preservados.

Falta combinar com os políticos

Sandro Cabral, do Insper, também questiona se o governo conseguirá impor as privatizações tanto aos partidos de oposição como à base aliada.

"É sabido que o PMDB sempre foi fortemente ligado às estatais, principalmente à Eletrobras, ocupando cargos-chave na empresa", diz ele.

Será que o Temer já combinou essa venda com seus colegas de partido? Os outros partidos vão abrir mão dos cargos que possuem nas estatais? Você até pode ter um argumento econômico forte, mas nós sabemos que o mundo real da política não funciona bem assim.

Sandro Cabral, do Insper

Sem planejamento de longo prazo

A pressa do governo em fazer as privatizações, aparentemente sem um planejamento de longo prazo, preocupa os especialistas.

"O governo está adotando medidas voltadas unicamente a resolver a questão fiscal [das contas públicas] no curto prazo. Não há um plano estratégico para retomada do crescimento do país a partir dessas privatizações", afirma o economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, avalia que o governo está mais preocupado em reduzir o rombo em suas contas a todo custo do que em planejar o desenvolvimento do país.

Historicamente, essas ondas de privatização acontecem por pressão das circunstâncias. O governo até usa o argumento de que há uma estratégia setorial ou de crescimento por trás de determinada venda, mas o fato é que ele tomou a iniciativa de privatizar porque a situação fiscal é muito complicada.

José Francisco de Lima Gonçalves, banco Fator

Só deve atrair especuladores

Marcio Pochmann afirma que as privatizações, da forma como estão sendo apresentadas, atrairão apenas investidores especulativos.

"O empresário, seja brasileiro ou estrangeiro, não vai investir se não tiver perspectiva de crescimento. O que veremos é um investidor especulativo, apenas com objetivo de ganho financeiro", diz.

Vai comprar os ativos para depois revender por um preço maior.

Marcio Pochmann, Unicamp

Sem investimentos em tecnologia

Pochmann diz, ainda, que há o risco de o país depender ainda mais de tecnologias importadas após a nova rodada de privatizações. "Historicamente, o processo de privatização aconteceu descolado da inovação tecnológica. Toda a tecnologia desenvolvida nacionalmente pela Telebras na década de 1990 foi abandonada com a entrada de grandes empresas de telefonia estrangeira."

Segundo ele, grupos estrangeiros tendem a desenvolver suas próprias tecnologias nos países de origem. "É natural que os grupos estrangeiros prefiram manter seus centros de pesquisa próximos da matriz. Passamos a importar tecnologia porque não há nenhuma política que obrigue as empresas a investir em pesquisas aqui."

Privatização teve pico nos anos 1990

O plano do governo Michel Temer de privatizar a Eletrobras, o aeroporto de Congonhas e outros 55 empreendimentos de infraestrutura dá sequência a um histórico de vendas de grandes estatais que teve seu pico durante a década de 1990, nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Segundo o professor Marcio Pochmann, da Unicamp, o Brasil fez naquela época o segundo maior processo de privatização do mundo, com a venda de quase US$ 100 bilhões em bens, atrás apenas da desestatização da antiga União Soviética.

O processo de privatização no Brasil começou pelo setor siderúrgico, com a Usiminas, em 1991, e a CSN, em 1993. Na sequência, vieram a fabricante de aviões Embraer, em 1994, e a mineradora Vale, em 1997.

Foi durante o governo de FHC que aconteceu a maior privatização da história do país: o sistema Telebras. A empresa de telefonia foi desmembrada em 12 companhias, sendo oito de telefonia móvel, três de telefonia fixa e uma de ligações a longa distância. Na época, o governo arrecadou R$ 22 bilhões com a venda de sua participação nas operadoras.