Dividendo da Vale foi suspenso, mas acionista pode exigir dinheiro em abril
A Vale suspendeu o pagamento de dividendos a seus acionistas depois da tragédia de Brumadinho (MG). Mas são esperados debates acalorados na assembleia de acionistas prevista para o fim de abril, incluindo possível pedido para que o dinheiro seja liberado.
Os dividendos são a distribuição de parte do lucro de uma empresa para quem investiu em suas ações. Ele foi suspenso porque a Vale terá muitos gastos com o desastre. A assembleia de abril será o primeiro grande encontro entre investidores e a diretoria da mineradora desde o rompimento da barragem.
Na avaliação de especialistas em direito societário, os acionistas poderão questionar a falta de transparência da empresa em relação aos riscos de suas barragens, cobrar a troca dos diretores que ainda não foram afastados e sua responsabilização pelas perdas causadas à mineradora e também exigir o pagamento dos dividendos prometidos.
A Vale é conhecida no mercado financeiro por suas generosas distribuições de lucros. Suas ações são muito procuradas pelos investidores justamente por causa dessa qualidade. Porém, a suspensão dos dividendos por tempo indeterminado frustrou a expectativa dos acionistas. A repetição de uma tragédia três anos depois de Mariana (MG) também surpreendeu negativamente, colocando em xeque a gestão da mineradora. A companhia perdeu mais de R$ 70 bilhões em valor de mercado em um único dia.
Por outro lado, a decisão da administração da Vale de suspender a distribuição de seus lucros pode ser considerada uma medida de prudência dos administradores, como forma de preservar o caixa da empresa em meio às incertezas financeiras geradas pelo desastre, como a suspensão de parte da produção, bloqueio de recursos, multas e indenizações que terão de ser pagas às famílias atingidas pelo desastre.
Falta de transparência deve ser questionada
Os especialistas avaliam que a companhia pode ter induzido investidores ao erro por não informar claramente sobre o risco de manter barragens a montante, mais baratas de se construir, porém mais inseguras do que outras tecnologias de construção.
Além da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho, a barragem de Fundão, da Samarco (empresa controlada pela Vale e pela BHP Billiton), que se rompeu em Mariana em 2015, também foi construída pelo método a montante. Dias depois da tragédia de Brumadinho, a Vale decidiu acabar com todas as suas barragens desse tipo.
"É preciso verificar se a empresa informou adequadamente os riscos, se seguiu todas as exigências de transparência previstas em lei para uma companhia de capital aberto [com ações negociadas na Bolsa]. O acionista tem direito de saber exatamente em que está investindo. Se ele não conhece o risco, não sabe qual é o valor correto da ação que está comprando", disse Raphael Zaroni, fundador do escritório Zaroni Advogados.
Acionistas podem pedir afastamento e punição da diretoria
A Vale já afastou alguns dos seus principais diretores, entre eles o presidente da companhia, Fabio Schvartsman, atendendo a uma recomendação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que investigam o caso de Brumadinho.
Os acionistas que se sentirem prejudicados podem se organizar para incluir na pauta da assembleia um pedido para o conselho de administração substituir os demais diretores e também solicitar a abertura de um processo pela empresa para responsabilizar os executivos e exigir a indenização pelas perdas causadas à empresa.
"Juridicamente é possível, mas não é fácil", afirmou Viviane Muller Prado, professora da Escola de Direto de São Paulo (Direito FGV).
"Para colocar na pauta da assembleia, você precisa do apoio de acionistas que detenham pelo menos 5% do capital. O controlador só não vota nessa assembleia se ele mesmo for o administrador. Não é o caso da Vale, que tem um controle difuso [há vários grandes acionistas]. Na prática, aprovar o afastamento e a responsabilização da diretoria dependeria da vontade desses grandes acionistas, que detêm a maioria dos votos", disse Prado.
Os fundos de pensão Previ, Petros, Funcef e Funcesp e a Bradespar (braço de investimentos do Bradesco) são os maiores acionistas da mineradora.
Por outro lado, se as investigações sobre a tragédia indicarem que a direção da Vale tinha conhecimento dos problemas na barragem, o quadro muda de figura. "Se a administração tinha a informação e não a transmitiu aos acionistas, a responsabilização é total e até criminal", afirmou André Camargo, professor do Insper Direito.
Suspensão de dividendo ajuda a reforçar o caixa
A decisão da direção da Vale de suspender o pagamento de dividendos logo após a tragédia foi considerada acertada pelos especialistas.
"Os diretores cumpriram com seu dever fiduciário naquele momento. Foi uma medida de prudência, já que houve uma perturbação do fluxo de caixa. Não seria razoável fazer uma distribuição grande de lucros nesse momento", declarou Camargo.
"Além do contexto ser inadequado para pagar dividendos em função da tragédia, não há clareza dos desembolsos que a companhia terá de fazer no futuro. São gastos que não estavam previstos em orçamento para compensar os danos ambientais e para indenizar as pessoas afetadas pelo desastre", disse.
Acionistas podem derrubar suspensão
A Lei das S/As, em seu artigo 202, parágrafo 4º, estabelece que a distribuição de dividendos não será obrigatória quando a administração informar à assembleia de acionistas que ela é "incompatível com a situação financeira da companhia".
"A decisão precisa ser analisada pelo Conselho Fiscal da companhia, que vai emitir um parecer para avaliação dos acionistas na assembleia, que poderão aprovar a suspensão ou revogá-la", afirmou Camargo.
Se os dividendos permanecerem suspensos, a empresa terá que criar uma reserva específica para guardar os recursos, que será utilizada futuramente, quando a suspensão for revertida.
Conflito ético
O professor do Insper explicou que os acionistas da Vale poderão ficar diante de um dilema ético durante a assembleia. De um lado, investidores com foco de curto prazo, interessados em receber logo a remuneração prometida. Do outro, acionistas com perfil de longo prazo, preocupados com a continuidade das operações da mineradora.
A pauta principal de qualquer assembleia geral ordinária (AGO) é a análise do resultado obtido pela empresa no ano passado, o que inclui a avaliação da gestão a determinação do destino do lucro de 2018. Acontece que a tragédia de Brumadinho aconteceu já em 2019, ou seja, após o período que será o foco de análise da AGO.
Por isso, alguns acionistas podem entender que o dividendo de 2018 é devido pela empresa e que deve ser pago. Outros podem concordar com a suspensão do pagamento como forma de preservar a companhia e garantir sua continuidade no futuro.
"As duas visões são válidas do ponto de vista jurídico, mas uma delas é eticamente questionável em meio a essa tragédia. Quem defender o 'pague dividendo mesmo assim' vai ficar mal na foto", disse Camargo.
O mais importante, na visão do especialista, é que todos os acionistas compareçam e participem ativamente da assembleia, defendendo seus pontos de vista. "Será uma assembleia extremamente populosa e tumultuada. Quem está disposto a exigir seus direitos deve ir. Não adianta você não comparecer e depois querer reclamar."
A Vale possui 247 mil acionistas, boa parte deles estrangeiros. Suas ações são negociadas nas Bolsas de Valores de São Paulo (B3), Nova York (Nyse), Paris (Euronext) e Madri (Latibex). A assembleia geral ordinária (AGO) está marcada para o dia 30 de abril. A reunião deverá acontecer na sede da mineradora, no Rio de Janeiro.
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