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Por que o NE, que gera 86% da energia eólica, não tem conta de luz barata?

ABEEólica/Divulgação
Imagem: ABEEólica/Divulgação

Vladimir Goitia

Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/06/2019 04h00Atualizada em 03/06/2019 15h32

Resumo da notícia

  • Nordestinos pagam pela luz valores praticamente iguais aos de todos os brasileiros, apesar de usarem vento
  • Conta de luz não é mais barata para eles porque a produção entra num sistema comum a todo o país
  • Se o valor variasse, o Nordeste pagaria mais caro quando o vento fosse fraco. O pico de geração na região é entre julho e dezembro
  • Um fator que pesa na conta de todos os brasileiros é a política de impostos sobre a eletricidade

No dia 13 de novembro de 2018, por um período de duas horas, 100% da energia consumida no Nordeste veio dos parques eólicos instalados na região, que geram hoje 86% de toda energia eólica (do vento) produzida no país.

Mesmo assim, os consumidores nordestinos pagam pela conta de luz valores praticamente idênticos aos de todas as regiões do Brasil, sem benefício algum nas suas tarifas, apesar de o Nordeste ser o maior gerador de energia eólica do país.

Mas se todo o consumo de energia elétrica do Nordeste é produzido lá, a tarifa de luz não deveria ser mais barata para os consumidores dessa região? Isso não acontece porque o modelo elétrico brasileiro não funciona de forma seletiva nem regionalizada, segundo explicações de lideranças do setor elétrico.

Isto é, toda a energia gerada em qualquer região do país (eólica, solar, térmica ou hídrica) é colocada num sistema a partir do qual ela é distribuída igualmente e com os mesmos preços para todas as regiões do país. É o Sistema Interligado Nacional (SIN). Ou seja, a energia "viaja" o Brasil todo.

Vento produz quase 10% da energia do país

A capacidade instalada (ou capacidade de geração) dos 602 parques eólicos no país (506 estão no Nordeste) é de 15.104 MW (ou 15,1 GW), pouco mais de 9% do total do país, incluindo todas as fontes (165 GW). Ao final de 2023, serão pelo menos 19,7 GW de energia eólica, segundo a ABEEolica.

Elbia Gannoum, presidente da ABEEolica (Associação Brasileira de Energia Eólica), disse ao UOL que o SIN, criado em 1998 e coordenado e controlado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), é o mais democrático, o mais distributivo e o mais seguro possível.

"O Nordeste, até antes da chegada dos parques eólicos, foi sempre dependente de energia importada do restante do país. Hoje, ele até exporta excedentes. Mas há períodos do ano em que a produção da região cai e, nesse caso, precisa importar de novo energia elétrica", afirmou Elbia.

Ela explicou que o pico de geração de energia eólica no Nordeste é entre julho e dezembro, podendo chegar a 8 GW em média. Mas entre janeiro e abril pode cair a até 2 GW. E é nesse período que o Nordeste precisa ou de energia hidrelétrica importada do resto do país ou exige a ligação de termelétricas, excessivamente caras.

Por que não é mais barato no Nordeste?

Exemplo hipotético da razão de a conta de luz no Nordeste não ser mais barata:

Em outubro, período de maior geração de energia eólica no Nordeste, a tarifa para os consumidores daquela região poderia ser reduzida em 50% em relação ao resto do país.

Em janeiro, quando a geração eólica na região cai drasticamente (pelo menos 75%), seria necessário que as termelétricas entrassem em operação. Nesse caso, a tarifa teria de subir 200%, já que a geração de termelétricas é excessivamente cara.

Ou seja, num primeiro momento haveria energia suficiente para atender a demanda e permitir reduzir o preço, mas num segundo momento a situação se inverteria.

"Por isso, não acho justo, honesto nem correto fazer esse tipo de conta. Nem para o Nordeste nem para o restante do país. O sistema elétrico brasileiro foi matematicamente muito bem pensado desde que entrou em operação. Ele é muito bem elaborado e, hoje, é até copiado no exterior", disse a presidente da ABEEolica.

Cálculo é correto, diz especialista

Roberto D' Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico (Ilumina), concorda com Elbia. Para ele, não teria sentido fazer cálculos diferentes a esse do SIN. "O Nordeste, assim como todas as outras regiões do país, depende da transferência do lote de energia que está no sistema, que interliga todo o país", disse.

Segundo ele, o padrão de geração de energia eólica no Nordeste é semelhante ao das térmicas. Em períodos de seca/estiagem, por exemplo, as termelétricas são acionadas para suprir energia devido à queda no nível dos reservatórios das hidrelétricas.

É quando as tarifas ficam mais caras para todo o país. É mais ou menos o que ocorre com a intermitência do vento, fonte da energia eólica.

Vento varia muito e não é fornecedor confiável

Um dos maiores problemas relacionados à energia eólica é o da intermitência do vento. Por isso, a rede elétrica tem de se ajustar continuamente ao fornecimento e ao consumo, para manter a voltagem constante no sistema.

As turbinas eólicas reagem ao vento e não às necessidades de consumo, daí que elas têm de ser consideradas como uma fonte variável e não como um fornecedor seguro. Ou seja, a rede elétrica tem de se ajustar ao fornecimento tanto em função das flutuações do vento como às variações do consumo.

Ou seja, quando o consumo aumenta, o fornecimento tem de aumentar necessariamente e, quando a consumo baixa, o fornecimento também cai.

Mas uma coisa é a intermitência do vento, outra a sua variabilidade. A variabilidade é uma flutuação sobre um valor básico (como a variação de consumo de eletricidade ao longo do dia). A intermitência é um constante começa e para. A energia eólica é tanto intermitente como variável.

Como funciona o abastecimento de energia

A maior parte da energia elétrica produzida no Brasil é gerada em usinas que ficam em locais afastados dos grandes centros consumidores. Por isso foi necessária a criação de um sistema de distribuição para atender a demanda.

Hoje as redes de distribuição ligam basicamente três pontos: produção, transmissão e consumidor final. Dessa forma, toda energia elétrica (uma espécie de mix de eletricidade) gerada nas usinas é transmitida diretamente para o SIN. E é daí que a eletricidade vai para as distribuidoras de cada estado.

Impostos encarecem a conta de luz

Elbia disse ainda que outro fator que pesa muito na conta de luz (não apenas para os nordestinos, mas também para todos os consumidores do país) é a política tributária do país.

Por exemplo, mais de 41% da conta de luz elétrica residencial é composta por tributos e impostos (ICMS, PIS/PASEP e Cofins) e outros elementos, tais como taxa de iluminação pública, adicional de bandeira tarifária, CDE (conta do desenvolvimento energético), Proinfa (programa de incentivo das fontes alternativas de energia), ESS (encargos de serviços do sistema), ERR (energia de reserva) e P&D (pesquisa e desenvolvimento).

Segundo um estudo recente da Abradee (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Energia Elétrica), de cada R$ 100 gastos com eletricidade pelos consumidores brasileiros, R$ 41,2 vão para os cofres públicos e os R$ 58,8 restantes são distribuídos entre a geradora da eletricidade (R$ 33,3), a empresa de transmissão (R$ 6,7) e a distribuidora (R$ 18,8).

Para onde vai o dinheiro da conta de luz

  • Impostos, encargos, tributos e taxas: 41,2%
  • Geradoras de energia: 33,3%
  • Empresas de transmissão: 6,7%
  • Empresas de distribuição: 18,8%

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Errata: este conteúdo foi atualizado
O percentual do valor da conta de luz paga pelos brasileiros que vai para as empresas geradoras de energia é de 33,3%, e não 33%, como constava na versão anterior deste texto. A informação foi corrigida.