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Mundo corre risco de entrar em recessão; o que aconteceria com o Brasil?

Téo Takar

Do UOL, em São Paulo

14/08/2019 19h01

Resumo da notícia

  • Provável cenário de crise global, se for confirmado, pode trazer consequências negativas também para o Brasil.
  • Dados econômicos ruins na Europa e na China e uma inversão atípica nas taxas de títulos públicos dos EUA causaram nervosismo nos mercados.
  • Em momentos de grande incerteza, os investidores globais tendem a sair de mercados emergentes, como o brasileiro, considerados mais arriscados.
  • Linha econômica ortodoxa do governo pode não ser capaz de enfrentar uma crise internacional mais severa
  • Por outro lado, se o governo conseguir aprovar as reformas, como a da Previdência, os efeitos da crise seriam amenizados.

A preocupação com um provável cenário de piora da economia global empurrou as principais Bolsas mundiais para baixo e fez o dólar se valorizar frente a moedas de outros países nesta quarta-feira (14). Se confirmado, esse cenário pode trazer consequências negativas também para o Brasil, prejudicando a recuperação da economia doméstica, segundo economistas ouvidos pelo UOL. Em momentos de crise, investidores estrangeiros saem de mercados emergentes como o Brasil.

Houve duas causas para o alvoroço no mercado: 1) dados econômicos ruins na Europa e na China; e 2) uma inversão atípica nas taxas de títulos públicos dos EUA. Os títulos de longo prazo (dez anos) estão com taxa menor que os de curto prazo (três meses). A inversão teve início em maio e se acentuou nesta quarta-feira. É a primeira vez que isso acontece desde a crise financeira global de 2008. Isso sugere que os investidores estão inseguros com o futuro dos EUA

Quando há algum tipo de incerteza, investidores compram títulos dos EUA, o que faz o preço desse papel aumentar, levando os juros a cair. A rigor, um título mais longo deve pagar uma taxa maior do que um título mais curto, já que o risco de se investir por mais tempo é maior.

Indício de recessão no curto prazo

"A inversão entre as taxas curta e longa dos Treasuries [títulos públicos dos EUA] é, historicamente, um prenúncio de crise no curto prazo, o que leva a uma queda forte do S&P 500 [um dos principais índices das Bolsas dos EUA]. Houve dois episódios marcantes em que isso aconteceu: um pouco antes do estouro da bolha das pontocom, em 2001, e antes da crise de 2008", disse André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.

O comportamento atípico das taxas dos títulos norte-americanos e a queda das Bolsas indicam que os grandes investidores globais estão saindo da renda variável nos EUA e de outros mercados arriscados, como o Brasil, em direção a ativos considerados mais seguros, como os papéis do governo norte-americano e o ouro.

A sinalização dada pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) em sua última reunião de política monetária, ao reduzir os juros básicos do país, reforçou a percepção do mercado financeiro de que o crescimento da economia norte-americana poderia perder fôlego nos próximos meses.

"O Fed foi pressionado a adotar uma política monetária mais frouxa [reduzir os juros básicos]. Há uma questão técnica, de que o país pode estar caminhando para a recessão, e também uma questão política, que é a pressão exercida pelo [presidente dos EUA, Donald] Trump para cortar o juro", disse Alexandre Espirito Santo, economista da Órama.

Indicadores fracos na Europa e na China

"Por trás desse movimento técnico dos juros, você tem outras questões conjunturais, que são os dados econômicos fracos na Europa e sinais de desaceleração na China. São dados que reforçam a avaliação de uma desaceleração global", afirmou Perfeito.

Nesta quarta-feira, a Alemanha informou que seu PIB (Produto Interno Bruto) recuou 0,1% no segundo trimestre. A produção industrial dos países que compõem a Zona do Euro encolheu 1,6% em junho na comparação com maio.

"A Alemanha é uma espécie de locomotiva da Europa. Os outros países da região já não estavam bem. Agora, a Alemanha também dá sinais de fraqueza, o que é preocupante", disse José Francisco de Lima Gonçalves, economista do Banco Fator.

Na China, a produção industrial cresceu 4,8% em julho. Apesar de o dado parecer expressivo, a expectativa dos economistas era de uma atividade industrial bem maior no país asiático, com alta de 5,9%.

"A China ainda cresce a um ritmo forte, mas já não é a mesma coisa do que alguns anos atrás. Há uma clara desaceleração, e, portanto, a China está contribuindo menos para o crescimento da economia global. E para piorar a situação, você tem a guerra comercial com os Estados Unidos, que pode intensificar essa desaceleração chinesa", afirmou Gonçalves.

Como fica o Brasil nesse cenário?

Em momentos de grande incerteza, os investidores globais tendem a sair de mercados emergentes, como o brasileiro, considerados mais arriscados, e buscar segurança em ativos considerados sólidos, como os títulos do Tesouro norte-americano, ou mesmo o ouro. Esse movimento é o que explica a forte queda da Bolsa brasileira e a valorização do dólar frente ao real, segundo os especialistas.

No entanto, o impacto de uma possível desaceleração global não se limita ao sobe e desce dos ativos financeiros. O Brasil pode, efetivamente, sentir os impactos da nova crise, caso ela se confirme nos próximos meses.

Governo não deve optar por aumento de gastos

"O atual governo segue uma linha econômica liberal, ortodoxa. Em cenários de crise como o que está se desenhando, esse governo tende a estimular a oferta de produtos, em vez de gerar demanda. O problema é que o resultado desse mecanismo é muito lento. Outras medidas adotadas, como a redução do compulsório dos bancos e a liberação do FGTS, têm efeito pontual. Não seriam suficientes para enfrentar uma crise internacional mais severa", disse Perfeito.

"O governo poderia aumentar o gasto público para estimular a economia. Mas essa hipótese está fora de questão, pois nesse governo é proibido gastar. Deixar a responsabilidade para iniciativa privada também não vai resolver. A iniciativa privada não quer investir com medo de não conseguir vender. Se a crise internacional vier, ficaremos numa situação complicada", afirmou Gonçalves.

Reformas podem trazer alívio

Por outro lado, se o governo conseguir aprovar as reformas estruturais, como a da Previdência e a tributária, os efeitos da crise sobre o país seriam amenizados, disse Alexandre Espirito Santo, da Órama.

"Ainda não temos como saber qual será a dimensão dessa recessão global, caso ela se confirme mesmo. Se ela não for tão grave como em 2008, há uma chance de o Brasil superá-la com certa tranquilidade. Se o governo fizer o dever de casa com as reformas, a confiança dos empresários e dos investidores pode ser restaurada."

Em um cenário ruim lá fora, o Brasil seria uma espécie de escolha seletiva. "O investidor estrangeiro olha Brasil e Argentina, por exemplo. Se aqui tiver reforma feita, compromisso com responsabilidade fiscal, é claro que ele vai preferir vir para cá", declarou Espirito Santo.

Entenda como funciona o câmbio do dólar

UOL Notícias
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Errata: este conteúdo foi atualizado
Uma versão anterior deste texto informava incorretamente, no segundo parágrafo, que a inversão na curva de juros dos títulos do Tesouro norte-americano começou na quarta-feira (14). Na verdade, a inversão começou em maio e se acentuou na quarta. A informação foi corrigida.