Crise na AL atrasa reforma, mas não contamina país, diz assessora de Guedes
Resumo da notícia
- Não necessariamente o que acontece na A. Latina terá mesma implicação aqui, diz Vanessa Canado, responsável pela reforma tributária
- Ela defende fim da desoneração da cesta básica e diz que classes média e alta se beneficiam sem precisar
- Entregar dinheiro direto para os mais pobres comprarem alimentos ficaria mais justo e barato
- Correção da tabela do Imposto de Renda e ampliação da faixa de isenção também serão debatidos em 2020
- A assessora também diz que a tributação de dividendos é melhor que tributação de lucros antes da distribuição
O clima político na América Latina atrapalha o envio de reformas para o Congresso Nacional, afirmou Vanessa Rahal Canado, assessora do ministro da Economia e responsável pela reforma tributária, em entrevista ao UOL. Apesar disso, a advogada afirmou que o governo considera que os vários movimentos em diversos países não terão obrigatoriamente o mesmo efeito no Brasil.
"Não necessariamente o que está acontecendo na América Latina terá a mesma implicação no Brasil se você mandar [para o Congresso] uma reforma tributária", disse.
No governo desde outubro, ela é secretaria-executiva do grupo de trabalho que elabora a proposta de reforma tributária no Ministério da Economia. Ela foi uma das cotadas para substituir Marcos Cintra do cargo de secretário especial da Receita Federal. O cargo acabou ocupado pelo auditor fiscal aposentado José Barroso Tostes Neto.
Cobrança de imposto na cesta básica
Vanessa defende o fim de redução de impostos na cesta básica, argumentando que as classes média e alta acabam sendo beneficiadas sem precisar, o que custa mais dinheiro para o governo.
Entregar dinheiro direto para os mais pobres comprarem alimentos ficaria mais justo e barato, afirmou a assessora do ministro.
Fim de deduções no Imposto de Renda
Sobre o fim de deduções com despesas médicas e educação no Imposto de Renda, ela afirmou que ainda não há nada decido. "A gente ainda não começou a trabalhar. Isso vai ser trabalhado no ano que vem."
A correção da tabela do Imposto de Renda e a ampliação da faixa de isenção também serão tratados só em 2020.
Tributação de dividendos
A assessora de Paulo Guedes também defendeu na entrevista a tributação de dividendos.
"Você pode ter uma empresa que tenha lucro de R$ 10 milhões no ano e distribua R$ 1 milhão para cada sócio. E pode ter uma empresa que tenha lucro de R$ 10 milhões no mesmo ano e distribua R$ 5 milhões para cada sócio. Não consigo realmente ver quem ganha mais quando tributo o lucro antes de ser distribuído. A agenda distributiva passa pela discussão da tributação do dividendo", declarou.
Fala de Guedes sobre AI-5 é parte do jogo
Apesar do momento político conturbado no país e na América Latina, Vanessa avaliou que as declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre um novo AI-5 fazem parte do jogo político.
"Faz parte da política esse tipo de ruído. Vai sempre haver algum tipo de colocação que é mal-entendida e aí esclarecida num segundo momento. Faz parte de todo governo", declarou.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
UOL - A reforma tributária será enviada ao Congresso de maneira fatiada? Quando isso deve acontecer?
Vanessa Canado - A gente pretende seguir o timing político, coordenado com o timing do técnico. A ideia é começar com a tributação do consumo. Do ponto de vista técnico, a reforma tributária está pronta. A minuta da legislação está pronta e está agora nos trâmites internos.
Mas há o timing político e essa é uma decisão estratégica conversada internamente. Pode ser que a primeira fase não vá ainda neste ano, mas a ideia é manter as fases. A primeira fase, seja neste ano ou no começo do ano que vem, é discutir no Congresso a tributação do consumo. Por isso a iniciativa de criar o IVA federal em substituição ao PIS e a Cofins.
Logo em seguida, discutir a reforma do IPI, que vai exigir uma transição mais delicada por conta dos incentivos fiscais de longo prazo. O IPI abarca especialmente a Zona Franca de Manaus. Para mexer nesses benefícios fiscais, com base nos quais foram feitos investimentos com expectativa de retorno de longo prazo, é preciso estudar uma transição mais cuidadosa.
Por isso que primeiro vem o PIS Cofins, a gente finaliza depois, com a reforma da tributação do consumo. Em seguida começamos a estudar (a tributação da) renda e (a tributação da) folha (de pagamentos).
A proposta de reforma fatiada foi criticada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Vocês têm dialogado com deputados e senadores?
Esse diálogo estava sendo acertado com a criação da comissão mista informal entre Câmara e Senado. Acho que em razão do adiantar do ano e da diminuição de ritmo de discussão das propostas, a estratégia deve ser diferente. Ainda estamos conversando com a Câmara e com o Senado.
Sobre a reação do deputado Rodrigo Maia, acho que ele tem razão quando a gente fala que isso é simplesmente uma reforma do PIS e da Cofins. De fato, nessa tentativa, há alguns anos, houve bastante resistência no setor de serviços, especialmente, e não se conseguiu andar com essa agenda.
Nessa comunicação, faltou só adicionar um ponto, que é muito importante, que não é exatamente a reforma do PIS e da Cofins. Estamos propondo a criação de um IVA federal, totalmente alinhado aos princípios da PEC nº 45, que é uma coisa que não existia antes da reforma de PIS e Cofins.
Isso faz com que essa conversa seja um pouco diferente. A reforma da tributação do consumo, sob a perspectiva de um IVA, amadureceu muito de dois anos para cá.
Isenções da cesta básica e abatimentos do IR (Imposto de Renda) com saúde, educação e Previdência devem acabar?
A isenção de despesas médicas, deduções com saúde e educação é vinculadas à reforma da tributação da renda, que a gente ainda não começou a trabalhar. Isso vai ser trabalhado no ano que vem. E a correção da tabela, a ampliação da faixa de isenção, assim como revisão de deduções, vão ser todos assuntos tratados conjuntamente, na reforma da tributação da renda.
Nosso objetivo não é endereçar [focar] os gastos tributários pontualmente, mas endereçar fazendo a reforma da tributação como um todo. Então, no PIS Cofins, o maior incentivo fiscal era a desoneração da cesta básica. A gente fez alguns estudos internos, com base em sugestões de trabalhos há muito tempo publicados em outros países.
E chegou-se à conclusão de que é mais barato olhar para quem precisa do benefício do que para os produtos a serem beneficiados. A verdade é que a isenção para o produto é uma maneira alternativa de você desonerar as pessoas mais pobres do tributo sobre consumo, mas ela não é ideal. Ela não olha para quem compra.
Com isso, você precisa de muito mais dinheiro, porque as pessoas de alta renda, de classe média, classe alta também consomem isso. Então, a ideia foi manter essa proteção às pessoas de baixa renda, mas, em vez de olhar para o produto, olhar para as pessoas.
Assim você precisa de muito menos dinheiro, e a melhora da qualidade de vida dessas pessoas quando você entrega dinheiro, em vez de supostamente ter produtos mais baratos no mercado, é muito superior. Então, a desoneração da cesta básica entrou nessa revisão de todos os incentivos, isenções.
Ainda é debatida a ideia de recriação de um imposto sobre pagamentos, nos moldes da extinta CPMF?
Não. Por enquanto essa discussão está descartada. A gente vai construir [a proposta de reforma tributária] sem essa fonte adicional de arrecadação. Um novo plano de desoneração da folha que seja um plano de longo prazo, mais focado em outros em outras estratégias que ainda estão sendo estudadas e não de um novo tributo sobre que seria sobre pagamentos.
Vários projetos tramitam no Congresso para a tributação de dividendos, e estudos apontam que é um dos caminhos para mais igualdade tributária para o país. Isso está em estudo?
Sem dúvida. Existem duas diretrizes já claras que a gente vai seguir quando for reformar a tributação da renda. A primeira delas é essa agenda distributiva. E a segunda é a competitividade do Brasil do ponto de vista internacional dado o movimento de vários países de redução da tributação das corporações, das empresas, e um aumento da tributação do lucro distribuído depois de auferido pela empresa.
O primeiro ponto é a questão da agenda distributiva. Não dá para você discutir isso sem discutir a tributação de dividendos. Porque quando você escolhe tributar a empresa, e olha o lucro da empresa como um grande bolo de dinheiro, não tem a menor ideia de quantas pessoas vão receber e que parte daquele bolo.
Você pode ter uma empresa que tenha lucro de R$ 10 milhões no ano e distribua R$ 1 milhão para cada sócio. E pode ter uma empresa que tenha lucro de R$ 10 milhões no mesmo ano e distribua R$ 5 milhões para cada sócio.
Quando olho para a empresa, eu tributo da mesma forma as pessoas que ganham R$ 1 milhão ou as pessoas que ganham R$ 5 milhões. Eu não consigo realmente ver quem ganha mais quando eu tributo o lucro antes de ser distribuído. A agenda distributiva passa pela discussão da tributação do dividendo.
Mas nada disso vai ser feito de forma imediata. A ideia é que haja uma transição, e nada disso vai ser feito sem olhar os impactos econômicos, investimentos atuais e investimentos futuros.
O nome da senhora é citado como o rosto do governo para a reforma tributária. Está disposta a conversar com parlamentares, fazer esse convencimento?
Na verdade, eu tenho feito isso, já há algum tempo, de forma vinculada à reforma tributária, mas não era vinculada ao governo. Isso é parte do processo. A agenda de reforma tributária tem que tentar endereçar os diversos interesses envolvidos, da melhor maneira técnica possível.
Você pode atender aos determinados interesses, de diversas formas. A técnica serve a política quando ela olha para os interesses, constrói os cenários e diz os prós e contras.
E aí sim o papel dos representantes do povo é decidir. O nosso papel nessa interlocução tem que ser ajudar na construção desse consenso.
O clima político da América Latina e no mundo, com muitos debates e efervescência, atrapalha o envio de reformas para o Congresso?
Sim. Eu acho que o de um modo geral, sim. E o cuidado que a gente está tomando aqui no governo é tentar separar as coisas que não fazem sentido serem agregadas. Então, não necessariamente os vários movimentos que estão acontecendo na América Latina terão a mesma implicação no Brasil se você mandar (para o Congresso) uma reforma tributária que, por exemplo, reveja e readeque a carga tributária.
Talvez essa seja a impressão, mas quando você trabalha os dados de uma maneira mais cuidadosa e analítica, dá para perceber que não é automática essa transferência de movimentos sociais que estão acontecendo nos países ao redor do Brasil, para o Brasil, por conta de uma reforma tributária.
A declarações do ministro sobre o AI-5 atrapalham o debate no Congresso sobre reformas e o diálogo com os parlamentares?
Faz parte da política esse tipo de ruído. Vai sempre haver algum tipo de colocação que é mal-entendida e aí esclarecida num segundo momento. Faz parte de todo governo, fazem parte do jogo os percalços políticos, o timing político, as conversas, os desentendimentos. Então me parece que não seja uma questão determinante nem proposital.
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