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Pobres são vítimas, não culpados por destruição ambiental, dizem entidades

Área de desmatamento em Apuí (AM), na Amazônia - Bruno Kelly/Reuters
Área de desmatamento em Apuí (AM), na Amazônia Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

21/01/2020 16h07

Resumo da notícia

  • Ministro da Economia, Paulo Guedes disse que a pobreza é a maior inimiga do meio ambiente
  • Para Greenpeace, declaração "está cheia de equívocos e imoralidades"
  • Entidade defende que pobres são os que mais sofrem com destruição de rios, florestas e ecossistemas
  • Pesquisador do IPCC, da ONU, diz que desmatamento brasileiro não tem ligação com cultivo de alimentos
  • Para WWF-Brasil, visão do ministro é "historicamente atrasada e factualmente equivocada"

Entidades de preservação do meio ambiente criticaram declarações feitas hoje pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em Davos, Suíça, no Fórum Econômico Mundial. Para o ministro, a pobreza é a maior inimiga do meio ambiente e pobres "destroem porque estão com fome".

Luiza Lima, da campanha de Políticas Públicas da ONG (Organização Não Governamental) Greenpeace, a fala do governo brasileiro "mais uma vez gera constrangimento e piora a situação da imagem do país."

"A fala dele está cheia de equívocos e de imoralidade. Em vez de colocar a pobreza como o pior inimigo do meio ambiente, digo que o maior inimigo dos pobres é a destruição do meio ambiente", disse.

Pobres não são responsáveis, são vítimas. Eles sofrem mais os impactos da destruição dos rios, das florestas e dos ecossistemas. São eles os mais vulneráveis a furacões, tornados, enchentes e secas, que aumentam [com a destruição do meio ambiente].
Luiza Lima, do Greenpeace

Luiza lembra que a declaração do ministro foi dada justamente no ano em que o fórum trouxe as questões ambientais para o centro das suas discussões.

"O ministro tenta vender mais uma vez a narrativa do governo Bolsonaro, que simplifica e distorce a problemática e reforça uma agricultura antiga. Ele diz que o mundo precisa de mais produção de alimentos, mas já existem modelos bem-sucedidos de mais produção e que não dependem de mais desmatamento", afirmou.

"Desmatamento brasileiro não tem ligação com alimentos"

Na opinião de Raul Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF-Brasil, a declaração do ministro é equivocada. Ele também argumenta que os pobres, em geral, são as maiores vítimas do processo de destruição ambiental.

No caso do Brasil, não é verdade que se está desmatando para comer. Aqui, o que acontece há séculos, e aumentou consideravelmente nesse último, decorre da apropriação de grandes fazendas. Grande parte [do desmatamento] é para especulação imobiliária. Quando se tem produção de alimentos, é em larga escala, e não é para a mesa do brasileiro.
Raul Valle, da WWF-Brasil

O pesquisador Carlos Nobre também afirma que o padrão de desmatamento brasileiro não tem ligação com a busca por alimento. Ele integra o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês), órgão da ONU que estuda as mudanças climáticas.

"Vemos isso [desmatamento para cultivar alimentos] na África, mas por causa da expansão populacional. Mas em hipótese alguma o desmatamento está reduzindo a pobreza lá. Na América do Sul e no sudoeste da Ásia, que também têm as maiores florestas tropicais do planeta, [o desmatamento] é para produção agropecuária. Na Amazônia, é principalmente pecuária", disse.

O modelo de desmatamento no Brasil não reduziu a pobreza, mas concentrou a riqueza na mão do grande agronegócio.
Carlos Nobre, pesquisador

O cientista ainda ressalta que as fazendas da Amazônia têm baixíssima produtividade e gera poucos empregos. "Uma grande fazenda de gado tem pouquíssimo empregados. Em 1.000 hectares, há quatro empregados ganhando um salário mínimo. Não há distribuição alguma de riqueza nesse modelo", afirmou.

"Visão historicamente atrasada e factualmente equivocada"

Segundo Valle, o discurso de Guedes deixa subentendido que o Brasil precisa se desenvolver sem se preocupar com a questão ambiental.

"Isso é uma visão historicamente atrasada e factualmente equivocada. É a reprodução do pensamento de 1972, quando houve em Estocolmo a primeira grande conferência do meio ambiente. O governo brasileiro alegava que não tinha preocupação com a poluição. Na cabeça do governo militar, a poluição era desejável porque era sinônimo de desenvolvimento. Isso levou o Brasil a ter alguns dos maiores índices de poluição do mundo", disse.

Ele citou exemplos de locais extremamente pobres que sofrem com danos ambientais e de ricos que preservaram. "Alagoas não tem quase nada de mata atlântica e não está com IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] alto. No outro extremo, temos países como a Suécia, que é superdesenvolvida e nunca desmatou. Há mais de 30 anos a discussão acadêmica já pacificou que isso [a posição de Guedes] é um equívoco", afirma.

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