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UOL Economia Explica

Dá para separar PIB público e privado ou é terrapibismo? Analistas divergem

Ricardo Marchesan e Antonio Temóteo

Do UOL, em São Paulo e Brasília

06/03/2020 11h00Atualizada em 06/03/2020 17h35

Resumo da notícia

  • Após anúncio do crescimento do PIB de 1,1%, governo divulgou nota comemorando crescimento do PIB privado
  • Separação entre PIB público e privado dividiu economistas e gerou debate nas redes sociais
  • Parte dos analistas afirma que conceito não existe
  • Outros afirmam que análise é possível, ainda que não seja definitiva

Após o anúncio do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de 1,1% em 2019, o governo comemorou o resultado, baseado na separação entre PIB privado e público. Essa divisão gerou debate nas redes sociais. Afinal, é correta ou não?

O UOL consultou economistas, e eles divergiram sobre a separação. Alguns defendem que esse tipo de análise é possível, ainda que não seja definitiva, enquanto há quem diga que o conceito simplesmente não existe. Entenda o caso e veja mais detalhes abaixo.

Governo comemora crescimento do "PIB privado"

O Ministério da Economia divulgou nota informativa fazendo uma análise sobre o resultado do PIB e afirmando que os dados dos dois últimos trimestres de 2019 sinalizam "uma retomada da atividade" impulsionada, principalmente, pelo setor privado.

Entre os dados, o governo destaca o crescimento de 2,72% no PIB do setor privado no 3º trimestre de 2019, em comparação com o mesmo período do ano anterior, enquanto o PIB do governo caiu 2,25%.

"Destaca-se que em 2019 há um ritmo de crescimento privado substancial, mesmo sem haver estímulos de gastos do governo ou do setor externo. Logo, trata-se de um crescimento mais sólido e que tende a apresentar aceleração em 2020", afirmou o ministério.

O UOL procurou o Ministério da Economia para comentar o assunto, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.

"Terrapibismo" ou bom resultado?

A análise levou a debates nas redes sociais nesta quinta-feira (5), principalmente após a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República fazer postagem comemorando o resultado. Enquanto alguns enalteciam o número, outros criticavam, dizendo que essa separação não existe e chegando a chamá-la de "terrapibismo".

Análise plausível, mas PIB foi ruim, diz economista

O economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, disse que não vê absurdo na separação entre PIB público e privado. Porém, para ele, "isso não substitui a análise de que o PIB ainda tem um desempenho muito ruim".

"Eu acho que é uma análise plausível. Não vejo nenhum absurdo nisso. De fato, teve um desempenho melhor do privado em relação ao público. O consumo do governo, quando a gente abre os dados do PIB, mostra um arrefecimento", afirmou. "Não é uma análise definitiva, mas eu diria que é complementar. Claro que isso não substitui a análise de que o PIB ainda tem um desempenho muito ruim, no agregado e tudo mais."

"Parte da informação tem um componente político"

Doutor em economia pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology), o economista da Genial Investimentos, José Marcio Camargo, diz que o IBGE não faz uma separação entre o PIB do setor privado e do setor público.

Entretanto, ele considera que o objetivo do documento publicado pelo governo não é mostrar um dado estatístico totalmente irrefutável, mas sinalizar que a economia cresce pouco porque, apesar de o setor privado avançar mais, o público está negativo.

"(Reduzir o tamanho do estado) é um dos objetivos do governo. Isso é uma informação estatística e econômica que faz sentido. E tem parte da informação que tem um componente político. O governo está passando uma mensagem e ela é correta", disse.

Margarida Gutierrez, professora de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), também considera válida a metodologia do governo.

"Você pode fazer três análises dentro do PIB: o PIB que é demanda privada, o que é demanda pública e o que é demanda externa. Há várias maneiras e metodologias para isso. Uma delas é a da Secretaria de Política Econômica", afirma. "Eu tenho uma outra maneira de cálculo, mas todas elas vão na mesma direção. A demanda pública está caindo e ela está tirando pontos do PIB. É isso que interessa."

Divisão é possível, mas muito difícil, diz professor

Roberto Ellery, professor de Macroeconomia e Crescimento Econômico da UnB (Universidade de Brasília), acredita que fazer essa divisão "é possível, mas muito difícil", e discorda da metodologia.

Ele explica que os dados do PIB usados pelo governo são pelo lado da demanda, ou seja, o que o governo está consumindo, mas não aponta para a produção.

"A maneira correta, na minha avaliação, de medir o PIB do governo é olhar pelo lado da produção. E aí tem muita dificuldade, porque suponha que a Caixa Econômica financia você para comprar um apartamento. É investimento seu. Mas quem financiou foi a Caixa. É governo ou é privado?", questiona.

"A leitura desse número do governo que eu faço é que diminuiu quanto do PIB vai para o governo, ou seja, o governo está consumindo uma fatia menor do bolo", afirma. "Eu acho que isso é importante. Mas é uma redução da fatia que o governo está levando do bolo. Sobre a fabricação do bolo, esse número não está dizendo nada."

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do FGV/IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) considera que a abordagem do governo está errada. Ele publicou análise no blog do Instituto no início de fevereiro sobre a questão.

Diz no blog: "O conceito de PIB está muito relacionado à oferta (ou produção), mas o cálculo do PIB do governo, tal como feito, não apresenta correspondência pelo lado da oferta (nem o do setor privado). Essas coisas não são separáveis nesses termos. Quando o governo utiliza recursos para investir, de maneira geral, quem produz o bem de capital ou faz a construção é o setor privado, que é contratado para produzir esse tipo de bem ou de serviço. Por essa razão, essa abordagem está errada. Não existe PIB do governo".

O UOL não conseguiu contato com Pires para falar sobre o assunto até a publicação desta reportagem.

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