Governo não garante estabilidade a quem tiver redução ou suspensão salarial
Editada pelo governo como forma de tentar garantir empregos e evitar demissões durante a pandemia do novo coronavírus, a Medida
Provisória (MP) 936 não garante estabilidade no cargo aos trabalhadores que aceitarem a redução salarial temporária ou a suspensão do contrato.
Publicada na quarta-feira (1º), a medida estabeleceu os critérios de como devem ser realizadas as reduções salariais e de jornada por até três meses. Procurado, o Ministério da Economia não se posicionou diante dos questionamentos apresentados pela reportagem.
Em seu artigo 10, o governo diz que "fica reconhecida garantia provisória no emprego" pelo mesmo período do acordo —ou seja, o trabalhador que tem redução salarial por dois meses teria, na volta, seu emprego garantido por outros dois meses.
No entanto, um parágrafo deste mesmo artigo permite a demissão sem justa causa, desde que seja paga uma indenização (além dos benefícios rescisórios já previstos na legislação trabalhista).
"É uma falsa estabilidade. Esse artigo [da MP] é uma contradição. Primeiro determina que há uma garantia de emprego e depois diz que pode dispensar", afirma à Repórter Brasil o advogado trabalhista Fernando Hirsch, do escritório LBS. O especialista entende que a MP relativiza o conceito de estabilidade após o acordo com o patrão.
Para a juíza do trabalho Valdete Souto Severo, presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD), a garantia alardeada pelo governo é um disfarce. "Um doce que alguém dá, diz que é bom, mas todo o resto é ruim", exemplifica.
Essa indenização pela demissão "dentro do período de estabilidade" prevê pagamentos de 50% a 100% do salário do demitido, dependendo da suspensão ou da redução salarial proposta.
Como não se sabe quanto tempo durarão a pandemia e o isolamento social, a tendência das empresas pode ser segurar os empregos, na avaliação de Fausto Augusto Júnior, diretor-técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Ele diz que, se a crise persistir, os funcionários que assinaram o acordo de redução salarial podem ser demitidos ainda na "estabilidade". "As empresas vão preferir pagar a multa e mandar o trabalhador embora", lamenta.
O advogado Fernando Hirsch concorda. Em sua avaliação, empresas que têm pouco capital de giro ou poucos recursos para pagarem as demissões podem recorrer à "falsa estabilidade" para continuarem dispensando seus trabalhadores. Podem demitir alguns agora e segurar outros com a ajuda do governo para demiti-los depois, caso a pandemia e o isolamento social demorem mais do que o previsto.
Severo, da AJD, compara a garantia com outras modalidades que já existem na legislação, como a proteção às gestantes e aos que sofrem acidentes no trabalho. Nos dois casos, a indenização é de 100% caso sejam demitidos no período da estabilidade prevista na lei. No caso da medida provisória, a indenização de 100% acontece a quem tiver a suspensão do contrato ou corte salarial superior a 75%.
Preferem pagar multa
Em tempos de uma crise econômica que pode ser a maior das últimas décadas, o impacto da não garantia de emprego após o acordo será grande. "É preciso manter a renda dos trabalhadores para que, depois da crise, tenhamos o mínimo de estabilidade para recuperar alguma normalidade", afirma Júnior, do Dieese.
A medida também recebeu críticas por ser voltada mais para as empresas do que para os trabalhadores. "Essa garantia oferecida pelo governo na MP é quase um deboche. É como se o governo estivesse convidando os empregadores a fazerem a demissão", afirma Severo, da AJD.
A CUT (Central Única dos Trabalhadores) divulgou nota destacando a "docilidade" das exigências feitas aos empregadores, enquanto "nada impede que parte da força de trabalho seja dispensada de imediato."
A edição da MP 936, assim como a edição da MP 927 —ambas editadas com o propósito de reduzir os impactos econômicos e trabalhistas da pandemia—, é, na análise do vice-presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Luiz Antonio Colussi, um aprofundamento da reforma trabalhista aprovada em 2017 sob o governo de Michel Temer.
Colussi lembra ainda de outras medidas, como a MP 881 (conhecida como MP da Liberdade Econômica) e a MP 905 (a que estabelece a carteira de trabalho Verde Amarela), que também radicalizaram a perda de direitos trabalhistas.
"A ideia é sempre a mesma. Tirar as salvaguardas, como a participação dos sindicatos nas negociações, e fazer com o que o trabalhador negocie diretamente com o patrão", afirma o juiz.
A MP 936 determinou que acordos de redução salarial e de jornada e de suspensão de contrato sejam feitos diretamente com o patrão —sem intermediação dos sindicatos— dependendo da faixa salarial. O que é considerado inconstitucional, já que viola o artigo 7º da Constituição.
"Diante dessa crise, que condição tem o trabalhador de negociar? Ele vai aceitar qualquer proposta do empregador e dizer amém", entende Colussi.
Tanto ele quanto Severo, da AJD, e o vice-presidente da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho), Hélder Santos Amorim, destacam a inconstitucionalidade dessa medida. "Vamos ajuizar uma Adin [Ação Direta de Inconstitucionalidade] questionando a constitucionalidade desse acordo individual", diz Amorim.
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu na segunda-feira (6) que as reduções de salário e jornada, assim como as suspensões de contrato de trabalho, só serão permitidas se a negociação individual entre trabalhador e patrão for comunicada ao sindicato da categoria em até dez dias. Caberá ao sindicato avaliar se deve iniciar uma negociação coletiva.
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