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Dar dinheiro grátis para todo mundo, sem exigir nada, é saída para a crise?

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Imagem: Getty Images

Vinícius Pereira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/06/2020 04h00

A crise causada pelo coronavírus (covid-19) parou a economia mundial e a do Brasil, que já vinha num ritmo lento. Uma das soluções discutidas por economistas é o governo adotar uma política econômica chamada "dinheiro de helicóptero", ou seja, distribuir dinheiro para todo mundo, sem nenhuma obrigação ou contrapartida, como forma de estimular novamente a demanda e dar segurança às pessoas para ficarem em casa quando necessário.

Economistas ouvidos pelo UOL afirmam que o "dinheiro de helicóptero" pode ser discutido como alternativa para que o país saia da crise, desde que haja um plano bem estruturado e com início, meio e fim definidos.

Jogando dinheiro do céu

O conceito de dinheiro de helicóptero (helicopter money, em inglês) foi criado pelo economista americano Milton Friedman na década de 1960. O nome vem da ideia de o governo jogar dinheiro do céu, daí a expressão "dinheiro de helicóptero".

Um jeito de estimular o consumo

Mais tarde, o ex-presidente do Fed, o banco central americano, Ben Bernanke, voltou a citar o estudo como forma de combater a deflação, ou seja, a queda sistêmica nos preços. Segundo ele, um governo poderia "imprimir" e distribuir dinheiro à população, sem nenhuma contrapartida, e por um tempo predefinido como forma de estimular o consumo.

O dinheiro de helicóptero é basicamente a entrega de dinheiro do Banco Central para o governo e do governo para a sociedade com algumas precondições: inflação muito baixa ou deflação, dificuldade de o crédito chegar à população; queda brutal na demanda e uma vontade política de fazê-la.
Walter Franco, professor de Economia do Ibmec-SP

Daria certo no Brasil?

Com a economia do Brasil caminhando para uma queda de cerca de 7% em 2020 e uma inflação por falta de consumo, o dinheiro de helicóptero poderia ser utilizado pelo governo para estimular a atividade econômica, segundo economistas ouvidos pelo UOL.

Eu recomendo para o Brasil, sim. Você tem que arrumar a economia. Somos um Estado rico o suficiente para implantar uma política pública dessa importância.
Walter Franco

Dinheiro alivia ansiedade

Além disso, a política do dinheiro de helicóptero seria uma forma de o governo tranquilizar as pessoas para que fiquem em casa, com uma renda, durante uma emergência de saúde pública como é o caso do coronavírus.

O governo tem que usar a potência monetária que possui para que as pessoas fiquem em casa. Com o dinheiro na mão, o cidadão fica mais tranquilo. O dinheiro alivia ansiedade, segundo Keynes.
André Roncaglia, professor de economia da Unifesp e pesquisador associado ao Cebrap

Pessoas gastariam e girariam a economia

Para Roncaglia, o dinheiro distribuído seria utilizado pelas pessoas em consumo, o que reforçaria uma alta da atividade econômica, influenciando positivamente o PIB (Produto Interno Bruto).

Com o dinheiro de helicóptero, o que vai acontecer mais para a frente é uma alta do consumo com aumento da liquidez, crédito, emprego, renda e aí, sim, os bancos voltam a emprestar normalmente.
André Roncaglia

Bancos não estão liberando dinheiro

Dar dinheiro grátis para todos poderia ajudar a resolver outro problema: os bancos não estão emprestando nem para pessoas nem para empresas.

Os bancos estão sentados em cima do capital. O crédito não chega na ponta. Banco empresta só para quem consegue pagar. O que aumenta liquidez é o Estado utilizar o sistema como transferidor de dinheiro à população
Walter Franco

Diferente do auxílio emergencial

O dinheiro de helicóptero se difere do auxílio emergencial de R$ 600, aprovado pelo Congresso. Segundo economistas, há dois pontos principais:

  • Os R$ 600 não são para todos os brasileiros
  • A forma como o dinheiro é gerado

O auxílio emergencial não é um dinheiro de helicóptero, porque ele é atrelado à dívida pública. Já o dinheiro de helicóptero seria uma emissão de moeda mesmo.
Marcelo Kfoury, coordenador do do Centro Macro Brasil da FGV EESP

Quais os problemas?

Apesar de a projeção do mercado ser de uma inflação baixa para o Brasil, o fantasma de disparada nos preços ainda assusta.

Se fizer isso, você tem um risco de descontrole inflacionário, mas principalmente de insolvência do setor público, gastando demais
Marcelo Kfoury

Para Roncaglia, com a atividade econômica em níveis tão baixos, o Brasil não precisa temer a inflação, desde que seja uma política com início, meio e fim.

O que causa inflação é a demanda estar além da capacidade produtiva. Em um cenário em que os agentes não confiam no emissor, pode ocorrer a estagflação [aceleração da inflação e estagnação da economia]. Mas, hoje, com talvez a maior queda econômica registrada no país, não teríamos uma grande pressão na inflação.
André Roncaglia

Além da inflação, o problema da perda de confiança dos agentes econômicos no Banco Central também tem de ser levado em conta.

Emitir dívida ou dinheiro de helicóptero tem que ter um limite porque as pessoas perdem a confiança na moeda. Uma coisa é os EUA fazerem isso, com o dólar, outra é um país emergente com problemas recorrentes de natureza fiscal, como o Brasil.
Marcelo Kfoury