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Para dólar cair, BC terá de subir juros, e isso piora empréstimos para você

Banco Central do Brasil, em Brasília - Adriano Machado
Banco Central do Brasil, em Brasília Imagem: Adriano Machado

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

15/03/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Alta contínua do dólar puxa preços da economia e piora a inflação
  • BC oferece dólar e contratos de câmbio, mas subir juros é mais eficaz, dizem especialistas
  • Há economista que defende atuação mais forte do BC para reduzir especulação

O Banco Central vai ter que elevar os juros na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira (17), para segurar o dólar e tentar controlar a inflação, dizem especialistas. Há vários fatores alimentando a valorização da moeda americana agora. Mas segundo economistas, os juros muito baixos no Brasil são hoje o principal motivo.

Por isso, o Banco Central deve começar a elevar a taxa básica, a Selic, que atualmente está em 2% ao ano. O aumento de juros ajuda num ponto, que é combater a inflação, mas tem também um efeito negativo: vai deixar mais caros os empréstimos que as pessoas tomam.

O Banco Central tem outras ferramentas para conter a alta da moeda americana. Por exemplo, vender dólar à vista ou contratos de swap cambial (uma espécie de "seguro" corrigido pelo dólar). Essas medidas de fato passaram a ser mais usadas neste mês. Mas profissionais de mercado afirmam que isso é apenas paliativo.

Dólar alto faz subir pão, gasolina, geladeira

A alta contínua e persistente da moeda americana contra o real contamina os preços da economia, como combustíveis, farinha de trigo e minério de ferro.

A gasolina mais cara afeta os preços do frete de tudo que é transportado. A farinha de trigo influencia o valor do pãozinho e das massas. O minério de ferro, cotado em dólar, encarece o metal da construção civil e de eletrodomésticos, como uma geladeira. Tudo isso causa inflação.

Veja no gráfico abaixo o comportamento do dólar.

Por que o dólar está subindo?

  • Juros baixos: Os juros mais baixos atraem menos especuladores estrangeiros. Com menos dólares entrando, a menor oferta eleva o preço da moeda.
  • Gastos do governo: O governo brasileiro foi um dos que mais gastaram para enfrentar a pandemia, cerca de 9% do PIB (Produto Interno Bruto). A relação da dívida pública com o PIB saltou de 74% no fim de 2019 para quase 90% agora. Esse endividamento assusta o investidor estrangeiro, que teme calote do governo. Isso faz entrar menos dólares, o que encarece a moeda.
  • Alta dos juros nos EUA: Quando os juros americanos sobem, investidores optam por colocar o dinheiro lá em vez de apostar em outros países. Isso também reduz a entrada de dólares aqui, deixando a moeda mais cara.

Dólar deveria estar em R$ 4,50

O risco maior de investir no Brasil se manifesta de alguma forma: ou pelo câmbio ou pelos juros mais elevados.
Marcelo Kfoury, coordenador do centro macro Brasil da FGV EESP

Segundo Marcelo Kfoury, o dólar deveria estar na casa de R$ 4,50, levando em conta fatores como o poder aquisitivo da população e das empresas do país, o volume de nossas exportações e importações ou o fluxo de investimento estrangeiro para o Brasil. No médio prazo, a tendência é o câmbio voltar a isso, diz Kfoury.

O problema, destaca o professor da FGV, é que se essa alta do dólar ante o real for persistente e forte, como tem sido, ela contamina os preços da economia, como o índice de inflação IGP-M, muito usado em reajustes de aluguéis. Ele já acumula quase 30% em 12 meses.

"Se o Banco Central bobear, isso pode ir para os índices de preços ao consumidor", afirma Kfoury.

Subir juros para descer dólar

Para tentar segurar esse ciclo, o mercado aposta que o Banco Central vai começar a elevar os juros da taxa básica, a Selic.

Há um mês, o mercado esperava que a Selic, hoje em 2%, iria fechar o ano em 3,5%. Agora o mesmo mercado já projeta que essa taxa vai subir mais, até 4% - pelo menos.

O problema é que juros mais altos também encarecem o crédito de consumidores e custos de investimentos das empresas. Ou seja, atrapalha a atividade econômica. E a economia brasileira ainda está fraca, depois de ter fechado 2020 com a maior queda do PIB já vista por aqui.

Veja no gráfico abaixo a evolução da Selic nos últimos anos.

Outras medidas para segurar o dólar

Por causa do impacto dos juros altos na economia, há profissionais de mercado que defendem que o governo use outras armas para segurar o dólar. O Banco Central já vem atuando mais no mercado de câmbio. Vendeu no mercado à vista R$ 5 bilhões em março, depois de passar janeiro e março sem atuar. Foi a maior colocação desde abril de 2020.

Isso sem contar as operações de swap cambial - um contrato em que o BC paga ao investidor, banco ou empresa a variação do dólar em um determinado período. Foram US$ 2 bilhões na semana anterior ao Copom.

Há quem defenda mais medidas no mercado de câmbio. O economista Roberto Troster, pós-graduado em banking pela Stonier School of Banking, diz que as fortes variações do dólar, muitas vezes em um único dia, diminuem a capacidade de planejamento das empresas, atrapalhando investimentos.

Por isso, o governo deveria dar mais atenção a essa variação do câmbio antes mesmo de mexer nos juros. Segundo ele, seria possível diminuir o impacto do dólar sobre a inflação apenas reduzindo o sobe e desce da moeda americana.

O grande vilão de toda essa história é o câmbio. E o Banco Central é o responsável pela política do câmbio. Ele pode usar medidas para enfrentar esse desastre que é essa volatilidade [variação grande].
Roberto Troster, sócio da Troster & Associados

Troster cita quatro medidas que o BC poderia tomar para segurar o dólar sem ter que necessariamente mexer nos juros.

  • Aumentar os tributos nos negócios financeiros, como nos contratos futuros, e reduzir os impostos no mercado à vista, por exemplo, cortando o IOF de quem adquire dólar.
  • Usar mais as reservas cambiais vendendo mais dólares no mercado à vista.
  • Usar mais a comunicação, avisando ao mercado uma estratégia clara de atuação no câmbio.
  • Permitir conta corrente em dólar para brasileiros aqui no país.

Veja no gráfico a seguir a evolução das reservas em dólares, que podem ser usadas para baixar a cotação da moeda americana:

Os juros é que derrubam o dólar

Outros economistas discordam dessas sugestões.

A taxa de juros é o fator que deve ser usado para resolver o problema da formação do preço do dólar no nosso mercado porque a taxa de juros está abaixo do que o mercado projeta. A Selic precisa de um ajuste forte, subir para 2,75% ou 3% já, para impactar no dólar. Outras medidas serão sempre paliativas.
Sidnei Nehme, diretor executivo da NGO Corretora de Câmbio

Controlar as contas públicas é a verdadeira solução

Os mesmos economistas que defendem a elevação dos juros para conter o dólar destacam que o Banco Central não vai resolver esse problema sozinho - o governo precisa também começar a controlar os gastos públicos.

Esses analistas admitem que é muito difícil cortar despesas do governo neste ano por causa da crise da pandemia.

Mas é urgente aprovar regras que mostrem que a dívida pública vai começar a cair em algum momento. E isso pode e deve ser feito com reforma administrativa e PEC emergencial.

Caso o governo leve adiante a pauta de ajustes ficais, o real pode se recuperar. Até porque os preços das commodities estão em alta, e quando isso acontece, o real tende a se valorizar. O BC, num regime de metas de inflação, não deveria ter uma política de câmbio. O que o BC pode fazer é reduzir volatilidade ou disfuncionalidades de mercado, quando só tem comprador, por exemplo, ou só tem apenas vendedor. Mas a ideia é deixar o câmbio flutuar.
José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos