Moda ou necessidade? Por que marcas investem em marketing sobre ESG?
Muitas marcas entraram de cabeça na onda dos princípios ESG - iniciais, em inglês, para empresas que investem em práticas ambientais, sociais e de governança. Em tese, essas companhias que valorizam tais iniciativas podem ter resultados financeiros melhores do que aquelas que ainda não ligam para o tema.
Segundo Florian Bartunek, um dos gestores de fundos de investimentos mais renomados do Brasil, o ESG é um caminho sem volta. "ESG não é moda e o aquecimento global não é uma fábula. Quem não se engajar vai ficar para trás". Mas por que tantas empresas, além de investir no tema, também estão apostando em campanhas de publicidade para comunicar suas iniciativas?
Segundo os analistas ouvidos pelo UOL Mídia e Marketing, o aumento nas ações publicitárias está ligado à mudança de ponto de vista do consumidor, cada vez mais antenado no assunto.
Um relatório recente da McKinsey aponta que 60% da população que pertence à geração Y (nascidos entre 1980 e 1996) compram mais de marcas com responsabilidade e comprometimento social. Segundo outro estudo, este da consultoria Morgan Stanley, 86% dos 'millennials' (como também são chamados os nascidos nas décadas de 1980 e em parte da de 1990), se interessam por investimento sustentável.
Com isso, não basta somente promover as iniciativas relevantes ao tema: hoje, também, é necessário fazer propaganda dessas ações, mesmo dentro de empresas que cuidam de tais práticas há décadas.
"Empresas estão sendo cobradas pelos consumidores (e pelo planeta)"
Um estudo da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), divulgado no mês passado, aponta que a maioria das organizações (58%) já promove campanhas sobre questões sociais. Para 32% dos respondentes, as comunicações devem começar ainda este ano.
"Empresas estão sendo cobradas pelos investidores, pelos consumidores e pelo planeta. Algumas perceberam isso mais claramente, há 20, 25 anos. Outras acordaram agora. E a pandemia acelerou muito isso", diz Rodrigo Vieira da Cunha, sócio da agência Profile.
Para Rodrigo, entretanto, o jeito de contar tais histórias fará toda a diferença. O executivo afirma que, para ser autêntico, o ideal é que as ações estejam conectadas com o negócio das empresas.
"Os consumidores já entenderam o que é de verdade e o que não é. Contar histórias que não foram bem amarradas pode melhorar a reputação da marca naquele instante, mas, no final das contas, vai dar errado. Além disso, há uma ótica de oportunidade nas iniciativas sustentáveis, por exemplo, que podem ser extremamente positivas para as empresas", diz.
"Se a empresa não for ESG, não vai vender"
"Não é só marketing. O consumidor valoriza as marcas engajadas no tema, as que de fato fazem algo neste sentido", afirma Alceu Albuquerque, diretor de relações com investidores e de comunicação institucional da Grendene.
Para o executivo, a tendência é que as empresas passem a ampliar essa conversa com o público. "O papel, agora, é detalhar nossas iniciativas. Não podemos ser pretensiosos e nem arrogantes. Temos fatos e dados para falar. O desafio talvez seja contar uma história simples, mas com a profundidade de esclarecer os pontos", diz Carlos Carvalho, gerente de desenvolvimento sustentável da fabricante de calçados, dona das marcas Melissa, Ipanema e Rider.
A Grendene lançou, no final do ano passado, a plataforma "Nuar", um espaço virtual que estimula consumidores a "repensarem formas de consumo e, ao mesmo tempo, alavancar negócios com melhor pegada ambiental". A novidade foi criada pelo Bergamotta Works, o laboratório de inovação criado pela companhia que desenvolve soluções que aproximem pessoas e negócios de forma sustentável.
"Temos este foco há muito tempo, principalmente na questão de sustentabilidade, mas sempre fomos conservadores em divulgar isso. Agora, o investidor quer saber mais sobre o assunto e o consumidor está valorizando produtos mais sustentáveis. Empresas que não tiverem iniciativas mais concretas vão sofrer. Se a empresa não for ESG, não vai vender", declara Alceu.
"ESG é mais do que apagar a luz"
"A comunicação em torno do tema não é apenas para 'vender mais'. É para as pessoas saberem que, além de ter produtos de qualidade, elas podem ficar tranquilas que estamos conectados com essa preocupação", diz Eduardo Imperatriz Fonseca, diretor de assuntos institucionais do Grupo Boticário - que não possui ações na Bolsa de Valores, e, por isso, sofre menos pressão sobre o tema.
Para Eduardo, entretanto, as empresas precisam tomar cuidado ao falar do assunto. "Se não existir a aderência de comunicação do que fala com o que faz, vira jogada de marketing. Sustentabilidade é muito mais complexo do que simplesmente apagar a luz", diz o diretor do Boticário.
Um exemplo recente do grupo é a parceria com a empresa de energia Raízen. A partir deste ano, todos os perfumes do grupo serão produzidos de bagaço de cana-de-açúcar, também chamado de álcool de segunda geração. O "álcool-ecológico" não usa o açúcar da cana: é feito a partir do bagaço da planta e outros resíduos de biomassa, como restos de madeira, que antes eram descartados.
Prática versus discurso
Para Luiza Amorim, consultora da ACT Promoção de Saúde, entretanto, muitas empresas que têm abordado o assunto são grandes poluidoras ou que agridem o meio ambiente.
"É preciso tomar cuidado para não capitalizar em ações que efetivamente não representam o dia a dia da organização. Além de antiético, é complicado sob a perspectiva da comunicação, pois, eventualmente, os consumidores irão tomar conhecimento das práticas questionáveis das empresas. A sociedade civil está atenta", diz Luiza.
A consultora destaca as empresas do agronegócio, por exemplo. "O setor faz campanhas tentando mostrar coesão, mas vemos que existem muitos "agros" diferentes: os pequenos produtores, que não têm acesso à grande parte do crédito, empresas que são grandes violadoras de direitos ambientais e indígenas e as que usam agrotóxicos", afirma.
Atenção para o "greenwashing"
Com o aumento da preocupação com tais iniciativas, muitas empresas passaram a utilizar uma comunicação com apelo ecológico em seus rótulos - e, nem todas, são verdadeiras. Tal prática ficou conhecida como "greenwashing".
"A prática, antiética, não tem mais sido tolerada pelo consumidor. Enquanto em outros países, há uma cultura maior de denunciar as marcas, no Brasil ainda não temos isso. Mas estamos vendo que os consumidores estão cada vez menos tolerantes com hipocrisias e inconsistências. Em tempos de 'cancelamentos', é preciso ser verdadeiro e coerente com aquilo que se diz, ou os prejuízos podem ser maiores que os benefícios", afirma Luiza.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), por exemplo, lançou uma pesquisa, em 2019, que aborda o tema, com o nome de "Mentira Verde".
O estudo analisou mais de 500 embalagens de produtos de higiene, limpeza e utilidade doméstica: deles, 48% usavam frases ou expressões que poderiam ser consideradas "falsas" ou poderiam confundir o consumidor.
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