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Covid-19 e discussão antecipada da eleição afastam investidor, diz entidade

Presidente da Abvcap (Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity), Piero Minardi, também diretor geral da Warburg Pincus no Brasil - Marc Bryan-Brown/© 2015 Marc Bryan-Brown
Presidente da Abvcap (Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity), Piero Minardi, também diretor geral da Warburg Pincus no Brasil Imagem: Marc Bryan-Brown/© 2015 Marc Bryan-Brown

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

24/04/2021 04h00

Resumo da notícia

  • Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital diz que investimentos já estão sendo afetados por ritmo de vacinação
  • Entidade representa fundos que investem em empresas em fase de crescimento e antes de lançamento de ações
  • Venture capital, que investe em empresas novas e inovadoras, cresce mais que private equity, que aplica em projetos maiores e que dependem da economia

As incertezas sobre o rumo da economia brasileira estão atrapalhando investimentos de longo prazo em empresas que buscam capital para crescer. Segundo o presidente da Abvcap (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital), Piero Minardi, o ritmo da vacinação atualmente em curso no país ainda gera muitas dúvidas sobre o momento em que a atividade econômica brasileira estará livre do avanço da covid-19. Até quinta-feira ( 22), cerca de 28 milhões de brasileiros haviam recebido a primeira dose (17% da população adulta)

Não há dúvida de que vamos pagar a conta de uma vacinação atrasada. Já estamos pagando e vamos pagar mais ainda. O investidor olha isso tudo e põe na conta. Ou ele desiste da operação, ou coloca no preço.
Piero Minardi, presidente da Abvcap (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital)

Minardi, que também é diretor-chefe da gestora americana de recursos Warburg Pincus no Brasil, diz que a antecipação das discussões sobre as eleições presidenciais de 2022 é outro fator que afasta investidores do país.

O Brasil hoje não é destino de investimento, mas de diversificação de risco. O Brasil deveria ser visto como alocação de capital e não como diversificação de risco. Mas a gente fez um belo trabalho nos últimos dois ou três anos para atrapalhar esse processo, que nos fez perder o grau de investimento. E sem grau de investimento, muitos investidores não podem investir aqui.
Piero Minardi, presidente da Abvcap

O executivo destaca que, mesmo com essas restrições, o Brasil conseguiu atrair apenas no primeiro trimestre US$ 10,7 bilhões em investimentos de fundos de venture capital e private equity, um crescimento de 87% sobre igual período de 2020. Mas desse total a maior parte foi garantida por venture capital, que aportou R$ 8,8 bilhões.

Segundo o presidente da Abvcap, isso acontece porque o venture capital busca oportunidades em jovens empresas inovadoras, cujos negócios dependem mais de infraestrutura de internet e menos da situação econômica geral do país.

Já o private equity, que investe em empresas fechadas maiores e mais maduras, está mais sujeito às incertezas da economia, por isso cresce menos.

As empresas que tiveram mais investimentos pelo private equity foram as de serviços financeiros (24%) e tecnologia da informação (13%). Na lista do venture capital, as fintechs e insurtechs (startups da área de seguros) lideraram a preferência dos investidores, com 18% da quantidade de empresas de janeiro a março, seguidas pelas adtechs e martechs (de publicidade e marketing) e healthtechs (de saúde), ambas com 11%.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista com Piero Minardi:

UOL: Por que os investimentos de venture capital superam os aportes dos fundos de private equity no 1º trimestre de 2021?

Piero Minardi: Os números mostram uma aceleração de venture capital, que depende menos do mundo macroeconômico. Esses fundos seguem oportunidades em setores disruptivos, como o varejo digital, as fintechs.

Esse desempenho está crescendo à medida que o país consegue avançar na infra necessária, com fibra e banda larga por exemplo, que seja capaz de dar suporte a essas inovações tecnológicas.

No private equity, que investe em empresas fechadas maiores e mais maduras, esses negócios estão afetados pela pandemia e pela desaceleração da economia. Então são mais sujeitos às incertezas da economia, por isso cresceram menos que o venture capital.

Na economia, o que está afetando esses negócios?

A volatilidade cambial está afetando negócios, pois de 40% a 60% do dinheiro captado pelos fundos de private equity são recursos em dólar, de investidores estrangeiros.

O private equity, que investe em planos de negócios com horizonte de cinco a sete anos, tem tido atualmente pouca visibilidade com relação à própria recuperação da economia brasileira neste momento.

Por outro lado, nesse ambiente econômico também surgem oportunidades de consolidação após a crise, assim como empresas que estão buscando capital para fortalecer a estrutura. O que abre espaço para a atuação dos fundos de private equity.

Quais setores estão no radar dos fundos de venture capital?

Tem disrupção acontecendo em vários setores, mas vale destacar o setor de saúde. Claramente, no mundo e também no Brasil, o setor de saúde tem um momento de muita inovação, com a telemedicina ou o uso de inteligência artificial, por exemplo.

Outro setor que está no radar é o de educação, que vai mudar o mundo em relação ao jeito que a gente conhece hoje, por exemplo em termos de como o conteúdo e o treinamento são passados. Mas são mudanças que precisam de infraestrutura, como o 5G, por exemplo, o que vai acontecer em breve.

O venture capital tende a seguir se destacando em relação ao private equity?

O venture capital tem como característica de buscar negócios relacionados à inovação. E o Brasil está um pouco atrás nisso se compararmos com países como China e EUA, por exemplo. Então, o Brasil tem vários fundos de venture capital que aproveitam um ambiente que começou a ficar mais favorável, a partir, da explosão de market places e Ubers e outros exemplos da economia digital.

Um grande vetor disso também foi o das fintechs, que entraram no setor dos bancos. Esse é um setor em que há espaço para mais de uma empresa, diferentemente de outros, como o de logística, em que o vencedor toma conta do mercado.

Que cenário a Abvecap vê para este ano e 2022?

O venture capital vai continuar a atual tendência porque há necessidade de modernização e digitalização. Já o private equity tem um cenário mais incerto, pelo menos até depois das eleições, o fator que afeta as decisões dos agentes econômicos.

A partir de um novo governo, com uma proposta econômica mais clara o private equity pode destravar. Dito isso, ainda vai haver muitas oportunidades, por exemplo, em infraestrutura.

Até porque tem muito dinheiro no mundo, algo como US$ 2 trilhões que estão hoje aplicados com rendimento perto de zero.

Desde 2019, os IPOs na Bolsa brasileira passaram a incluir negócios com valores mais baixos e uma maior participação de investidores locais. O que isso significa para a indústria de Venture Capital e Private Equity?

Primeiro é importante destacar que dentre as aberturas de capital desde 2006 cerca de metade foram de empresas que tiveram um private equity como patrocinador da operação. Então o private equity é responsável por fazer o próprio mercado de capitas no Brasil.

Esse movimento, de mais investidor local, reflete o fim da festa dos juros altos no Brasil. O pessoal está migrando para a renda variável. Mas a indústria de fundos, de cerca de R$ 6 trilhões, tinha até dois anos atrás 90% alocados em renda fixa. Esse dinheiro começou a migrar, criando uma demanda por ativos. Isso abriu espaço para que vários setores pudessem abrir o capital. É muito positivo que os brasileiros possam investir em empresas brasileiras.

Por outro lado também vimos o estrangeiro se assustando com o Brasil. O Brasil hoje não é destino de investimento, mas de diversificação de risco. O Brasil deveria ser visto como alocação de capital e não como diversificação de risco. Mas a gente fez um belo trabalho nos últimos dois ou três anos para atrapalhar esse processo, que nos fez perder o grau de investimento. E sem grau de investimento, muitos investidores não podem investir aqui.

O agravamento da pandemia, a vacinação lenta e um quadro político polarizado para as eleições em 2022 podem afetar mais os negócios?

Sim, há impactos. Tem uma parte do impacto que a gente já enxerga, que são alguns IPOs que não saíram ou que saíram com desconto grande. Não há dúvida de que vamos pagar a conta de uma vacinação atrasada. Já estamos pagando e vamos pagar mais ainda. O investidor olha isso tudo e põe na conta. Ou ele desiste da operação, ou coloca no preço.

Sobre as eleições, estão com cara de que haverá uma certa polarização, e isso não é bom para o mercado. Além disso é um tema que chegou mais cedo, que deveria ter entrado no radar apenas em 2022 e não agora.