Após 'febre' da compra coletiva, Peixe Urbano tem crise e está fora do ar
O Peixe Urbano, fundado no começo da década passada, foi pioneiro na modalidade de compra coletiva e inaugurou a febre dos cupons no país. Fez muito sucesso, mas hoje enfrenta dificuldades.
A empresa chegou a ter o apresentador Luciano Huck e o banco americano Morgan Stanley como sócios e foi comprada pela gigante de tecnologia chinesa Baidu em 2014, para mudar de mãos logo depois.
Queixas e processos
Hoje o Peixe Urbano virou alvo do Procon-SP, o site está fora do ar e seu CEO foi intimado pelo Procon a fornecer dados. A reportagem tentou entrar em contato com a empresa, mas não obteve resposta.
Como uma empresa líder em seu setor se tornou fonte de queixas de consumidores, órgãos de fiscalização e processos trabalhistas?
Inspirado em sucesso dos EUA
Em 2010, a economia brasileira estava crescendo a passos largos. O PIB teve alta de 7,5% em relação a 2009.
O modelo de negócio de compras coletivas pela internet começou a ganhar fôlego nos Estados Unidos. A empresa líder do ramo era a americana Groupon.
Inspirados pelo sucesso da Groupon, três amigos resolveram empreender. O empresário Júlio Vasconcellos, o engenheiro de software Alex Tabor e o especialista em finanças Emerson Andrade fundaram o Peixe Urbano.
Restaurantes, bares e salões de beleza
As promoções do Peixe Urbano funcionavam de forma coletiva, com um número mínimo de usuários clicando no mesmo cupom para validar as promoções.
Parceiros do Peixe Urbano, como restaurantes, bares e salões de beleza, recebiam uma comissão pela venda do cupom. Era um negócio que se propunha a alimentar o comércio local.
Redes sociais recém-chegadas ao Brasil como Facebook e Twitter alavancaram a popularidade da compra coletiva e, em oito meses, o site passou a ter 60 funcionários na sede no Rio. Segundo a própria empresa, na época, sua página tinha 5 milhões de usuários cadastrados, em 56 cidades pelo Brasil.
Luciano Huck e Morgan Stanley
O rápido crescimento fez com que o apresentador Luciano Huck entrasse como acionista minoritário do Peixe Urbano, com 5% das ações. A empresa expandiu-se para México, Argentina e Chile.
O Peixe Urbano ganhou destaque internacional quando o banco americano Morgan Stanley e o fundo de investimentos T. Rowe Price Associates compraram ações.
Com a chegada de novos acionistas, a empresa comprou as operações do Groupalia, um dos maiores concorrentes regionais ao lado do Groupon. Com a aquisição, passou a operar também em Peru e Colômbia.
A moda da compra coletiva durou pouco
Parecia que o Peixe Urbano estava pronto para abrir capital -esse era o plano dos executivos em 2012. Só que uma tempestade agitou o mar calmo que o Peixe Urbano navegava.
A onda da compra coletiva no Brasil começou a minguar. As seguidas quedas no valor das ofertas levaram à redução de qualidade do serviço de lojas parceiras e a reclamações.
De acordo com pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), quase metade dos consumidores de sites de cupons reduziram a frequência de compra de 2014 a 2015. As compras coletivas pareciam gerar frustração e 46% dos consumidores enfrentaram dificuldades na experiência.
Comércio eletrônico mudou
Os poucos sites de compras coletivas que restaram desde a fundação do Peixe Urbano não acompanharam o crescimento do ecommerce brasileiro.
Segundo Alexandre Marquesi, coordenador do Master em E-commerce da ESPM, o modelo dos cupons perdeu espaço para outras formas de compra digital.
As pessoas tentavam comprar [pelo modelo de cupons], mas não conseguiam. Reclamavam da entrega, quando era o caso. E com o tempo isso foi se diluindo. Em Black Friday, você tinha mais descontos do que em sites de compra coletiva.
Alexandre Marquesi
Atraiu atenção dos chineses
O Peixe Urbano mudou seu modelo e passou a aumentar ofertas do setor de serviços. Um número mínimo de compradores deixou de ser necessário para aproveitar as promoções.
A empresa brasileira realizou mais uma rodada de investimentos em 2014. Dessa vez, chamou a atenção da Baidu, big tech chinesa. A empresa, dona de uma das maiores ferramentas de busca do mundo e concorrente do Google, comprou a participação dos três cofundadores e tornou-se acionista principal. O valor do acordo não foi revelado.
O negócio durou pouco. Em 2017, a chinesa vendeu a empresa ao Mountain Nazca, fundo de capital mexicano e dono do Groupon no Brasil. O fundo fundiu Peixe Urbano e Groupon.
O UOL entrou em contato por email com o fundo Mountain Nazca, mas não obteve resposta.
Executivos anunciaram que a empresa disputaria participação em novos mercados. A companhia lançou a Peixe Pay, carteira digital do site que procurava aproximar os consumidores de estabelecimentos parceiros. Mas o setor de carteiras digitais, ou e-wallet, é bastante disputado, e a Peixe Pay não decolou.
Derrocada final com a pandemia
A pandemia de covid-19 acabou com quaisquer chances de recuperação do Peixe Urbano. A adoção do isolamento social em boa parte do Brasil fez com que o setor de serviços despencasse.
Segundo a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o setor de serviços encolheu 18,6% entre fevereiro e abril de 2020, maior retração desde o início da série histórica. Foi a gota d'água para o Peixe Urbano.
Sem site e sem salário
Segundo um ex-executivo da empresa, que falou sob sigilo ao UOL, o Peixe Urbano parou de pagar o salário integral de funcionários no início de 2020 -antes mesmo da MP de redução de salários e jornadas criada para ajudar empresas durante a pandemia.
A empresa pagou metade do salário e só em alguns meses. De acordo com o ex-executivo, estão devendo 13º salário e férias.
Ainda de acordo com a fonte, o Peixe Urbano parou de pagar alguns fornecedores enquanto liberou repasses para outros.
A empresa fechou as portas de sua sede em Florianópolis, e o site está fora do ar desde 28 de janeiro. No dia 2 de fevereiro, a empresa se pronunciou em sua conta no Twitter, afirmando que o site estava passando por uma "intermitência sistêmica".
O ex-executivo do Peixe Urbano diz que a queda da página "nunca foi por problema tecnológico", e sim por "problemas financeiros".
Até advogados da empresa ficaram sem receber
De acordo com o jornal "O Globo", o atual CEO do Peixe Urbano, Nicolás Leonicio, disse, ao se reunir com funcionários em janeiro, que não tinha nem dinheiro para demiti-los e pagar a rescisão.
Fontes confirmam que a dificuldade de pagar a rescisão era um assunto recorrente entre os executivos da empresa.
Até os advogados da empresa dizem ter ficado sem receber. O Bracks Advogados Associados, que representava o Peixe Urbano em ações judiciais no MPT, disse ao jornal "A Tarde", de Salvador, que só advogaria para o site até 31/03 por que o Peixe Urbano não respondeu ao contato e nem pagou honorários.
O UOL entrou em contato com o Bracks, que informou apenas que o Peixe Urbano deixou de ser um cliente há dois meses e não comentou o caso.
Procon notificou empresa
No dia 7 de maio, o Procon-SP notificou o Peixe Urbano para "obter informações sobre o responsável pela empresa de serviços digitais, tais como telefone, endereço comercial e eletrônico, além de proposta para atendimento das queixas registradas por consumidores".
Como o Peixe Urbano não respondeu aos pedidos de informação do Procon, o site foi incluído na lista "Evite Esses Sites".
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