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Vida de nômades: como conseguir dinheiro para viver e trabalhar viajando?

Família VanBora, que tem vida nômade - VanBora/Divulgação
Família VanBora, que tem vida nômade Imagem: VanBora/Divulgação

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL

07/06/2021 04h00

O sonho de largar tudo e viver viajando requer uma boa dose de planejamento financeiro. Um dos primeiros passos é criar uma reserva de emergência, uma boa quantia em dinheiro que pode ser usada em situações pontuais.

Mas constituir essa poupança não é de uma hora para outra e, por isso, é preciso ter em mente que a viagem pode demorar para ocorrer. Há alternativas para apressar a formação dessa reserva de emergência, como vender imóveis ou até pertences pessoais.

Veja abaixo dicas de como se planejar financeiramente para a vida nômade:

Reserva de 12 meses de gastos

O educador financeiro e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), Leandro Rassier, orienta os viajantes a fazer uma reserva financeira de um ano de renda para viagens no Brasil e de dois anos para quem for ao exterior. A reserva deve ser usada em emergências médicas, conserto de veículo e outros perrengues.

"Se você gasta R$ 10 mil por mês, teria que ter no mínimo R$ 120 mil de reserva de emergência. Se a pessoa perde o emprego, ela tem um ano para se recuperar", explica Rassier.

Lubia Raquel Coelho, 36 anos, e o marido, Marcelo Hoffmann, 40 anos, do canal VanBora, com 22,7 mil inscritos no Youtube e 13,9 mil seguidores no Instagram, guardaram R$ 20 mil para emergências com o motorhome.

"Aproveitei que estávamos mais em casa, focados no trabalho, e consegui economizar um pouco mais", diz Lubia.

Vender ou alugar o imóvel próprio

Para auxiliar na formação da reserva de emergência, o viajante deve avaliar se desfazer do imóvel próprio. A venda é recomendada para aqueles que não vão voltar para a cidade ou país de origem.

"Se está se mudando do Brasil, tem que encerrar a vida aqui e vender os bens", diz José Carlos de Souza, professor e coordenador do serviço de orientação financeira da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP (Universidade de São Paulo).

Antes de partir para uma jornada que já atravessou 24 países, o escritor Matheus Souza vendeu o apartamento em Tubarão (SC), onde morava.

Atualmente ele está na Cidade do Cabo, na África do Sul. "Vendi o apartamento na virada de 2018 para 2019, então hoje eu realmente não tenho casa. É horrível preencher um cadastro que pede o endereço, eu sou um nômade no sentido mais literal da palavra."

Escritor Matheus Souza já viajou para 24 países - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Escritor Matheus Souza já viajou para 24 países
Imagem: Arquivo pessoal

Já a família do VanBora, que viaja pelo Brasil de motorhome e está agora em Porto de Galinhas (PE), decidiu permanecer com a residência em Portão, na região metropolitana de Porto Alegre (RS).

"A gente optou de início em não alugar e não vender a casa, porque era uma primeira experiência, tudo muito novo para gente. Tinha a questão de ver se a filha ia se adaptar, se vou conseguir trabalhar, se vou ter boa conexão", afirma Lúbia. Ela diz que sua mãe, que já morava com o casal, continuou na casa, bem como alguns animais de estimação.

Conseguir um valor acima de quando o imóvel foi adquirido é outro ponto que precisa ser levado em conta.

"Se tenho imóvel valorizado, eu vendo, pois posso comprar imóvel em outro lugar, ou rentabilizar esse valor. O que está acontecendo na prática é que muita gente não está conseguindo vender imóvel nem pelo preço que comprou", declara Leandro Rassier, educador financeiro e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

E alugar o imóvel, vale a pena?

Depende. Viajantes que partem para países no qual o real está desvalorizado podem, com a conversão das moedas, receber muito pouco, não compensando a opção, entende Rassier.

"Se vai para fora, é preferível vender e fazer caixa para ter reserva. Mesmo que o dólar mude de valor, não vai cair a patamares que a gente já teve."

Porém, em locais onde o real está valorizado, a situação se inverte. "Se ele escolher um destino que tem um custo bastante baixo e oferece toda a infraestrutura para o indivíduo fazer esse trabalho remoto, é uma opção", diz a economista e professora da Escola de Administração e Negócios da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Luciane Carvalho.

Para quem for permanecer no Brasil ou for para um país com real valorizado, alugar o imóvel pode ser uma boa alternativa como renda extra, entende o professor da PUC-RS.

"É uma decisão pé no chão, mais madura. Atualmente o aluguel voltou a ser uma boa alternativa de investimento. Antes a rentabilidade do aluguel estava abaixo da caderneta de poupança, e hoje está acima. Então o aluguel passa a ser agora uma boa alternativa de investimento, que melhora a renda e mantém o patrimônio."

Quem permanecer com o imóvel alugado precisa ter ciência dos custos de manutenção do bem - como uma infiltração ou desgaste de janelas e pisos - e ainda pagar taxa mensal à imobiliária pelo aluguel. Há também o risco de o imóvel ficar desocupado.

A educadora financeira e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Wendy Carraro diz que esses gastos sempre aparecem.

Vender pertences ou deixá-los num depósito

Viver viajando também envolve ser um bocado minimalista. Não há como transportar tudo consigo, nem mesmo em um motorhome, então é preciso se habituar a ter à disposição poucos pertences.

Mas o que fazer com móveis, eletrodomésticos e outros itens? Os educadores financeiros são quase unânimes: venda tudo. "Uma televisão, por exemplo, em dois anos está obsoleta. Hoje em dia, com o avanço da tecnologia, com a facilidade de compra, eu venderia tudo", diz Rassier.

Maria Eduarda Corteletti Pereira Cardoso, 27 anos, e o marido, Alessandro de Franceschi da Cruz, 36 anos, fizeram isso. Eles viajam pelas Américas em um motorhome e contam sobre as aventuras no canal GetOutside.

Antes de começar a empreitada, desfizeram-se de objetos pessoais. "Vendemos coisas para ir aumentando o nosso bolo. E vendemos também coisas que não usaríamos mais, como o carro, que trocamos pela van", explica Maria Eduarda.

Há a opção de deixar os pertences em um depósito, mas isso é uma nova despesa. "Para guardar móveis de um apartamento, gasta-se de R$ 800 a R$ 1.000 por mês", diz o professor da USP, com base em estimativas de preços para São Paulo - em outras cidades o valor pode oscilar.

A educadora financeira e professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Wendy Carraro, entende que o depósito deve ser avaliado. "Se eu vou e volto, coloco no self-storage. Se eu vou e não sei se volto, já vendo tudo."

Comprar ou alugar um motorhome

Apesar do alto custo inicial, que pode ultrapassar R$ 100 mil, a compra de um motorhome é considerada uma forma interessante de poupar dinheiro na estrada, segundo educadores financeiros. Também pode ser alugado.

Além de não precisar se hospedar em um hotel, é possível ainda preparar as refeições no próprio veículo, uma economia na comparação com alimentação em restaurantes.

"O custo é menor que o de uma casa. Acho uma boa alternativa", diz Rassier.

Wendy Carraro observa que ela própria já adotou o motorhome durante uma viagem a Portugal de 23 dias, em 2019. "Fiz com um motorhome porque os preços [de hospedagem] eram muito altos."

A professora explica que economizou 40% em acomodação ao optar pela casa móvel. Porém, ela salienta que talvez hoje não pudesse repetir o roteiro, já que os filhos cresceram. "Talvez tivesse que ir sem eles ou ir em um veículo maior."

José Carlos de Souza observa que a escolha pelo motorhome é pessoal. "Se você está em uma terra diferente, qualquer tarefa é complicada, como tirar carteira de motorista ou abrir conta em banco. Eu preferiria alugar um apartamento pequeno."